Por onde anda o amor?

Por Ronaldo Souza

Lembram do famoso espírito do Natal?

Falo do verdadeiro e não daquele que nas noites de Natal enche as nossas casas com brindes, presentes e comida.

Você o tem visto?

Não seria hoje o dia do amor?

Presentes, brindes, promessas, juras de amor eterno…

Talvez hoje não faltem corações cheios de amor para dar a amadas e amados e declarações da vida feliz que levamos.

É possível que se manifestem hoje com intensidade nas redes sociais, onde a nossa felicidade é servida em finos talheres, pratos e taças.

Parabéns!

“Amar é jamais ter que pedir perdão”.

Ouvi essa frase de um colega na porta da Faculdade de Odontologia da UFBA, todos nós ainda alunos de graduação.

Dá para imaginar há quantos anos?

Encantado com o filme “Love Story”, sucesso estrondoso naquela época, o colega a repetia como parte de sua entusiasmada narrativa sobre o filme.

Nele, ela tinha cumprido seu papel, em mim, mesmo aos 20 anos, não.

Era uma frase de efeito que, como tantas outras, são criadas para marcar um filme.

Se há algo que torna maior e mais forte o amor é justamente o perdão.

Aprender a perdoar é aprender a amar.

E amar não é trocar beijos ardentes, enviar flores, fazer juras eternas… Ou, pelo menos, não é somente isso.

Quero amar e amo esse amor.

E a minha frase redundante é intencional, porque não quero ficar restrito a essa forma de amar.

“Que me perdoem as feias, mas beleza é fundamental”.

A famosa frase de Vinicius de Moraes (Receita de Mulher, um dos seus poemas) sempre foi polêmica, talvez porque tenha sido muito reduzida na sua interpretação.

Que me perdoem os amantes, mas amar é fundamental.

E amar não pode ser reduzido na sua compreensão.

Amar é amar o amigo.

Amar é amar a companheira, o companheiro.

Amar é amar pessoas, sejam elas de que sexo-religião-cor forem.

Amar é se contrapor à mentira e ao ódio.

Amar é abraçar.

Amar é um gesto.

Amar é um sorriso.

Amar é seduzir com um olhar de afeto.

Amar é ternura.

Quem ama, ama viver.

Quem ama viver, ama a vida.

Quem ama, ama quem ama a vida.

Você tem visto o amor?

Por que tantos jovens concluem estudos sem desenvolver verdadeiro espírito crítico

Por Francisco Esteban Bara*

A história conta que Sócrates era conhecido entre seus concidadãos como “a mosca de Atenas”. Diz-se também que ficou encantado com o apelido porque o descrevia muito bem: sua missão era provocar as pessoas por meio de perguntas e explicações que incomodavam e, sobretudo, faziam despertar.

Custou muito caro ao grande filósofo grego fazer pensarem certas pessoas que, na verdade, preferiam continuar dormindo. E decidiram que essa “mosca” que não parava quieta deveria tomar cicuta.

No entanto, seu espírito crítico resultou em uma das maiores revoluções da história.

Esse convite a pensar com critério — nos perguntar por que é que as coisas são assim e não de outro jeito, tentar descobrir verdades e desmantelar falsidades, e não deixar de dizer, como ele mesmo fazia, “só sei que nada sei” — não tem igual.

Basicamente porque o espírito crítico nos liberta da ignorância, ou seja, de qualquer pessoa ou coisa que queira pensar por nós; e já sabemos que estamos rodeados de pessoas e dispositivos tecnológicos dispostos a isso.

Certamente não há como conversar com pessoas imbuídas desse espírito, eles nos ensinam tudo o que foi dito e nos mostram que há pessoas com quem é muito agradável conversar.

Nosso pensamento atual e majoritário sobre a educação, essa voz indeterminada e envolvente que marca nosso caminho, aposta no espírito crítico.

Espírito de ‘bijuteria’

As novas gerações, dizem, devem melhorar o mundo, e precisamos de muitos Sócrates em escritórios, hospitais, escolas, partidos políticos, ruas e praças.

No entanto, a realidade mostra que, com esse discurso, não só se forma um espírito crítico, mas também, e cada vez mais, versões malsucedidas dele.

Não são poucos os jovens que, depois de passarem pelas diferentes etapas educacionais, incluindo a universidade, se apresentam na sociedade com um espírito crítico de “bijuteria”, bem distante do de Sócrates.

Ou repensamos a educação e suas políticas, e a comunidade passa a valorizar mais os espíritos críticos do que jogadores de futebol e celebridades, ou o corpo docente e as famílias que buscam cultivá-los no dia a dia verão sua alegria ir pelo ralo.

A seguir, vamos analisar três dessas “imitações” e, quem sabe, algumas soluções.

Algumas imitações

1. O espírito crítico é o conjunto de opiniões que alguém defende. O famoso lema que diz que o aluno é o protagonista da educação pode ser a principal causa desta curiosa imitação. Isso é o que queremos que aconteça, claro, mas deveríamos reconhecer que não pode ser logo de cara, pelo menos não em relação ao espírito crítico.

E não porque não se queira, mas porque o aluno não está em condições de assumir tal papel. Quem pensa que o evento educativo consiste, precisamente, em conduzir o aluno à conquista do seu protagonismo, isto é, da sua autonomia intelectual e moral, se surpreende ao ouvir que tal coisa “já vem da fábrica” ​​e que o que você precisa fazer é fortalecê-la ao máximo.

Assim sendo, se educa o “opinador”, indivíduo convicto de que sua opinião é tão válida quanto a de qualquer pessoa, também na qualidade de quem mais sabe; e encorajado a se manifestar em qualquer conversa dando palestras.

Não há espírito crítico quando passamos por cima do princípio que diz que, para opinar, devemos primeiro conhecer, quando deixamos de valorizar que a autonomia intelectual e moral consiste em percorrer um longo e duro trecho de verdades.

2. O espírito crítico é o domínio e o conhecimento do que está acontecendo hoje e agora. E é isso que estamos fazendo há anos: educar em respostas úteis, rentáveis e eficazes.

Porém, se há algo que mantém vivo o espírito crítico, são as grandes questões que afetam a todos e nunca saem de moda, e deveríamos pensar por que há tantos jovens que terminam a jornada educacional quase sem ter nada sério que perguntar sobre si mesmos e o mundo em que habitam.

Essas grandes questões costumam ser encontradas nos clássicos do pensamento, sim, naquelas obras que, como dizia Ítalo Calvino, tendem a relegar as atualidades à categoria de barulho de fundo, mas ao mesmo tempo não podem prescindir dele.

Por isso um clássico, seja há séculos ou dez anos, um livro ou um filme, é um clássico porque nunca acaba de dizer o que está dizendo, porque sempre nos desafia.

Por mais que seja difícil de acreditar, um espírito crítico sem clássicos tropeça, se é que realmente anda, e nos surpreende que os universitários, estudem a carreira que for, não tenham primeiro um curso de artes liberais, grandes ideias, humanidades, cultura geral ou como você quiser chamar.

3. O espírito crítico se manifesta de várias maneiras, de acordo com a natureza de cada um. Talvez os meios de comunicação e as redes sociais sejam a melhor vitrine do que está sendo dito aqui. No entanto, algo nos diz que a coisa vai na direção oposta, que esse espírito se conquista, que é você que deve se adaptar a ele.

Isso é demonstrado por aquelas pessoas que aprenderam a filosofar com delicadeza, humildade, prudência e boas palavras, que fogem do fervor, da grosseria, do rancor e vingança.

O espírito crítico também tem sua estética, algo que, devo dizer, não costuma constar na lista de competências de nossos currículos escolares e universitários.

Essa estética é aprendida muito bem pelos exemplos. Seria bom selecionar alguns deles e analisá-los semanalmente com nossos alunos.

Por fim, não disporemos de jovens com espírito crítico apenas com a intenção, muito menos ao reforçar imitações que não fazem mais nada do que obscurecer e desperdiçar o convite de Sócrates e de tantos outros que seguiram o seu caminho.

* Francisco Esteban Bara é professor associado do Departamento de Teoria e História da Educação da Faculdade de Educação da Universidade de Barcelona, na Espanha

Ecos Luso-Brasileiros

Por Ronaldo Souza

Não assiti à peça, mas li o livro.

Falo de “Calabar: O Elogio da Traição”, peça e livro de Chico Buarque e Ruy Guerra.

Escrita em 1973, a peça foi censurada pela ditadura militar por oito anos e teve uma existência tumultuada por conta e interferências diretas do regime militar. 

Nascido em Moçambique, colônia portuguesa, Ruy Guerra se radicou no Brasil em 1958 e construiu uma carreira brilhante no cinema e teatro brasileiros.

Peça musicada, todas as músicas e letras são de Chico, mas em algumas letras houve alguma participação de Ruy Guerra.

E foi pelas músicas, que ganharam vida própria, que fui levado ao livro, como possivelmente o teria sido também em relação à peça. No entanto, censurada, não andou pelo país, como normalmente aconteceria em algumas cidades do Brasil.

Ainda recente o último 25 de abril, data em que se comemora a Revolução dos Cravos, durante toda a semana ecoou em minha cabeça uma das músicas (um fado), pela qual me apaixonei de imediato assim que ouvi.

Particularmente um trecho declamado dela:

Meu coração tem um sereno jeito
E as minhas mãos o golpe duro e presto
De tal maneira que, depois de feito
Desencontrado, eu mesmo me contesto
Se trago as mãos distantes do meu peito
É que há distância entre intenção e gesto
E se o meu coração nas mãos estreito
Assombra-me a súbita impressão de incesto
Quando me encontro no calor da luta
Ostento a agulha empunhadora à proa
Mas o meu peito se desabotoa
E se a sentença se anuncia bruta
Mais que depressa a mão cega executa
Pois que senão o coração perdoa

Como fui brindado ao ouvi-la naquela primeira vez e em tantas outras, trago-a para que vocês sintam o mesmo prazer que senti.

Ilha de estupidez

Por Ronaldo Souza

“A correta definição é: ilha é uma porção de terra cercada de água marinha, fluvial ou lacustre.

Em alguns livros de Geografia, no entanto, lê-se redundantemente: ilha é uma porção de terra cercada de água ‘por todos os lados’. Há quem já tenha visto alguma coisa cercada que não seja por todos os lados?”

Encontrei esse jeito de definir o que é ilha nesse site www.unimedpinda.com.br/definicao-de-ilha/.

Não gosto de “definições definitivas” e essa me parece uma delas.

A redundância, o pleonasmo, a linguagem coloquial… estão aí para permitir a flexibilização das coisas rígidas.

Por isso, então, permito-me a definição mais conhecida e mais utilizada:

Ilha – pedaço de terra cercado de água por todos os lados.

A Terra é plana

“Eu não sabia nem o que era o SUS!”, disse Eduardo Pazuello, então ministro da saúde, em lançamento de campanha.

“A política (de saúde) é do governo Bolsonaro, não do ministro. O ministro executa a política do governo”, disse Marcelo Queiroga, atual ministro da saúde e presidente da sbc (sociedade brasileira de cardiologia).

Pérolas não faltam.

Ouvimos e vemos diariamente.

Lembra dessa?

Dispensa comentários.

Também a que está lá em cima fala por si. Nada poderia ser mais estúpido.

Ela nos traz desde apresentador de televisão a ministro da educação e tanto um quanto outro dispensam apresentações.

Poupo-me de qualquer tentativa nesse sentido quanto ao apresentador de televisão. Essa é uma maneira de minimamente obedecer às recomendações do meu cardiologista que, para tranquilidade de minha família, não é Marcelo Queiroga, presidente da sociedade brasileira de cardiologia (quem o elegeu?) e atual ministro da saúde. 

E o gado, onde fica?

Claro que “eles” não podiam ficar de fora, não podem ser esquecidos.

Através do seu filho (qual é mesmo o número de identificação desse, 01?), Bolsonaro atira na cara dos senadores a irresponsabilidade do Senado. 

Como fazer “aglomeração” em plena Pandemia?

Como fazer reuniões onde algumas pessoas vão se aglomerar sem que a vacinação de toda a população tenha ocorrido, uma preocupação constante e tão defendida pelo presidente na sua luta pessoal, incansável e heróica pela saúde do povo, como um verdadeiro Messias.

É claro que o senador 01 não estava falando só para o Senado. Os senadores não podem ser tão estúpidos!

A sua fala representa mais um momento em que o governo Bolsonaro se dirige particularmente ao seu fiel rebanho, tendo a certeza de que ele continuará seguindo-o pela escuridão da ignorância e do obscurantismo.

Vejamos só um pouquinho do que disse 01:

1. “…o presidente (do Senado) tá errando, tá sendo irresponsável, porque está assumindo a possibilidade de durante os trabalhos dessa CPI acontecerem morte de senadores…”
Realmente, quem promove aglomerações no atual momento é, no mínimo, um tremendo irresponsável e é responsável sim pelas eventuais mortes. Existe alguém que faz isso todos os dias.
2. “Por que não esperar todo mundo se vacinar e fazer com responsabilidade esses trabalhos…?”
Senador 01, do jeito que alguém tem dificultado a vacinação, o senhor consegue imaginar quando teremos todos vacinados? Quando então teria início a CPI? Até lá, o que aconteceria? É isso que se deseja?
3. “Essa insistência em abrir essa CPI agora, atropelando todos os protocolos, ignorando a questão sanitária, alguém em algum momento vai ser responsabilizado se algo acontecer”.
Senador 01, essa sua preocupação com o atropelamento de todos os protocolos e a insistência em continuar ignorando a questão sanitária é realmente tocante e comovente. Muito, muito mesmo. Mas o senhor ainda não percebeu que todos já sabem que alguém já foi, é e será responsabilizado por tudo isso?

Senador 01, o senhor consegue imaginar quem é “alguém”?

Brasil acima de tudo e Deus acima de todos. 

Quanto ao ministro da educação, Milton Ribeiro, mais uma demonstração do que cerca a ilha. Ele acabou de afirmar que as políticas do MEC devem estar em “consonância com a visão educacional do presidente da República”.

Nada mais é preciso dizer!

Portanto, nada vou dizer.

Entretanto, perguntando e não dizendo, o que mais ainda pode restar ao Brasil diante da brilhante afirmativa do brilhante ministro da educação, quando ele diz que as políticas do Ministério da Educação e Cultura devem estar em “consonância com a visão educacional do presidente da República”?

Diante disso, diante da minha perplexidade, diante do meu abestalhamento, diante de tudo que vocè quiser imaginar, pergunto.

Ele sabe quem é o presidente da república do Brasil?

Com redundância ou sem redundância, com pleonasmo ou sem pleonasmo, com linguagem coloquial ou sem ela, Bolsonaro é, definitivamente, uma ilha de estupidez cercada de idiotas por todos os lados.

Revolução dos Cravos

Por Ronaldo Souza

Ainda sob o embalo da classificação do Bahia para a final da Copa do Nordeste, fui ler algumas coisas e só aí me dei conta de que hoje é dia 25 de abril.

Lembra alguma coisa?

Dia em que Portugal outra vez entrou na vida do nosso povo, dando-nos mais um alento com a sua “Revolução dos Cravos”.

De imediato, veio-me “Tanto Mar”, esse lindo cravo que Chico plantou em nossos corações, sempre sedentos de esperança, paz e amor.

Daqui, com tanto mar a nos separar e unir, um abraço especial para os nossos amigos Antônio Carlos Bonfim e demais baianos e brasileiros radicados em Portugal e todos os portugueses.

Tudo nos une, Brasil e Portugal.

Desde a mais doce, tenra, frágil e ao mesmo tempo pujante esperança às flores, aos cravos, a beleza e a vida.

Foi bonita a festa, pá.
Fiquei contente…
Cá estou carente,
Manda novamente 
Algum cheirinho de alecrim…

A chegada de Bolsonaro ao inferno

Um cordel arretado de Bastião da Curiboca

Corria um dia tranquilo
Na portaria do inferno.
A fila estava pequena
Com três caboco de terno;
Um agiota, um banqueiro,
E um pastor potoqueiro
Invocando o Pai Eterno.

O capeta da guarita
Só conferia os malfeito
Numa lista bem comprida
Ia ticando, com jeito: 
Ladroagem, carteirada,
Ódio, usura, mentirada,
Consciência com defeito.

Mais atrás vinha uma quenga
E um vendedor de seguro;
Pouco depois um pinguço
Ralando o chifre no muro;
Uma dupla sertaneja,
Uma barata-de-igreja,
E um tarado de pau duro.

Tudo estava nos conformes
Naquela burocracia,
Quando se ouviu ao longe
Uma estranha tropelia.
Fazendo muita poeira,
Promovendo quebradeira,
Xingando a democracia.

Na frente, boca espumando,
Tinha um tal de Capitão.
Com a mão fazia um gesto
Imitando um três-oitão;
Riso de psicopata,
Catinga de vira-lata,
E zóio de assombração.

Ele logo foi dizendo:
“Sou presidente, tá oquei?
Tenho apoio da milícia,
Da rede globo e da lei.
Vou trocar o delegado!
Eu quero um advogado,
Daqueles que eu já comprei”.

O diabo olhou o tipo
E pensou: “Lá vem encrenca!”
O cabra não vinha só,
Vinha com ele uma renca:
Tinha milico fardado,
Fazendeiro, deputado,
E jornalista em penca.

“Trezentos mil. E daí?”
Relinchava o genocida,
E era aplaudido com força
Pela claque ensandecida.
Os quatro filhos vibravam,
Enquanto compartilhavam
Da rachadinha bandida.

Puxando o coro dos males,
O general  Pazuello;
Damares, Ricardo Salles,
Parecia um pesadelo!
O chanceler Araújo
Com QI de caramujo,
Paulo Guedes num camelo.

“Eu vim para destruir!”
Gritava o quase-demente.
E chegou na portaria
Querendo passar na frente.
“Não ligo pra pandemia!
Mi-mi-mi é covardia,
De quem não votou na gente!”

Capeta coçou o rosto,
E farejou confusão.
“Esse aí parece encosto,
Vou precisar de outra ação.”
E ligou prum mais chifrudo,
Mais graduado, pançudo,
Que chegou com a guarnição.

“O que está acontecendo
Nessa repartição?
Aqui é lugar decente,
Não pode haver confusão.
Não me importa a patente,
Tem de ser obediente
Em nossa jurisdição.”

O capitão gargalhou
De um jeito alucinado.
Virou-se pra sua plateia,
Soltou um berro, alterado:
“Vamos passar a boiada!
Isso aqui não é nada,
Comparado com meu gado.”

O tinhoso, experiente,
Percebeu a desvantagem.
Era muita gente bronca
Seguindo aquela visagem.
“Vou ligar pro meu Supremo.
Briga boa eu não temo,
Mas assim é sacanagem…”

Satanás estava na mesa
Comendo um leitão assado.
Quando recebeu o zap
Caiu no chão, alarmado.
“Como é que esse bandido
Que acompanho, escondido,
Veio parar desse lado?”

Vestiu a capa vermelha,
E procurou o tridente.
Passou um pente na telha
Deu um gole de aguardente.
Arriou uma jumenta
Que tinha fogo na venta,
E foi pra linha de frente.

Chegando na portaria
Viu aquela confusão.
O povo fazendo arminha,
Gritando “É o Capitão!”
Trinta pastores na grama,
Dez generais de pijama,
e o Bonner na narração.

Seguindo aquele fascista,
Tinha de tudo um pouquinho.
Acadêmico e artista,
Sílvio, Datena e Ratinho.
Racista, neonazista,
comboio de taxista
atravancando o caminho.

O Demônio encheu o peito
Com seu bafo venenoso,
E perguntou pro sujeito:
“Cê quer o que, malcheiroso?
Não pense que me engana,
A facada foi chicana,
Recurso bem vergonhoso.”

Bolsonaro então sorri,
Lembrando a maracutaia.
“Não foi ali que morri,
Bem sabe o Rodrigo Maia.
Cheguei com apoio do Moro,
Dos tucanos de alto foro,
E também do Malafaia.”

“Mas então você me explique”,
Interrogou Belzebu:
“Por que vem fazer chilique
Com esse bando de urubu?
Pra entrar tem que ter senha,
Espero que aqui não venha
Provocar um sururu.”

– “É Deus acima de todos,
Brasil acima de tudo!”
Desta forma inconsequente
Blasfemou o linguarudo.
O Demo pegou a deixa,
E transmitiu sua queixa
Para o Senhor-Pai-de-Tudo.

“Mestre Supremo, desculpe,
Nessa hora incomodar.
Mas tem um cara suspeito,
Aqui a me atazanar.
É um tal de Bolsonaro,
Se não me falha o faro,
É cabra ruim pra danar.”

Deus pôs a mão na testa,
deu um suspiro profundo.
“Belzebu, tu estás comigo
Desde o início do mundo.
Sabes que não ajo errado:
Se alguém vai pro teu lado,
É porque é vagabundo!”

– “Mas, Deus, será que mereço
Um castigo tão tacanho?
O cara é sociopata,
Quem segue é um povo estranho.
Aqui temos uma ordem,
Por mais que outros discordem,
É disso que eu tiro o ganho.”

“Penso que um cabra desses,
Tão seguido de pastores
De igrejas tão diversas,
Guiadas por malfeitores,
Devia ir para o limbo
E receber um carimbo
Por proclamar tais horrores!”

O Supremo, com um sorriso,
Respondeu ao Lucifer:
“É justamente por isso
Que a situação requer
um jeitinho mais profano:
Aceite o miliciano
E seja o que Deus quiser!”

O Maligno, abismado,
Achou a declaração hostil.
“Se Deus quiser, ora essa!
Onde é que já se viu?
Agora que a coisa aperta!
Se Deus quisesse, na certa,
Tinha salvado o Brasil!”

Belzebu ficou cabreiro
Com aquela situação.
Lá fora o Bozo rosnava
Incitando a multidão.
Foi quando um diabo-raso
Preocupado com o caso,
Disse: “eu tenho a solução!”

“Lá no Brasil tem um cabra
Que todo mundo respeita.
Correu cinquenta países,
E em nenhum fez desfeita.
Cabra bom de Garanhuns,
Adorado por alguns,
Temido pela direita.”

Satanás, bem curioso,
Viu uma chance bem clara.
O diabinho, orgulhoso,
Sentiu que a fala tocara.
“É Lula, meu comandante!
Sei também que o meliante
Morre de medo do cara.”

“Quero o telefone agora
Dum homem desse quilate!”
Lucifer se apresentou,
E contou qual o embate.
Lula soltou uma risada,
E falou: “Esse é barbada.
Desafia prum debate!”

O Demonho, agradecido,
Foi direto pro portão.
Com a capetada ao lado
Anunciou a intenção:
“Vamos expor nossos planos.
Se os teus não forem insanos,
Te entrego a chave e o bastão!”

Bolsonaro ouvindo aquilo
Na hora empalideceu.
O suor correu na testa
E a garganta emudeceu.
Pra escapar da desgraça
Numa nuvem de fumaça,
Depressa se escafedeu.

A multidão, sem comando,
Aos poucos se diluiu.
Os diabos festejaram
A vitória sem fuzil.
Se alguém pergunta o destino
Do capitão asinino,
Saiba que está no Brasil.

Obs. do Falando da Vida – Recebido de um professor que a prudência recomenda não citar.

Um mensageiro de luxo

 

Por Ronaldo Souza

Confesso que não tenho andado com vontade de escrever sobre gente e coisas como Bolsonaro, Moro, Lava Jato, judiciário brasileiro, mídia brasileira…

Vê-los, ouvi-los e falar deles representam momentos de asco e muito desconforto.

Da mesma forma, não encontro motivação para escrever sobre o Exécito Brasileiro, particularmente num momento em que, ocupando grande espaço como jamais o fez em nenhum outro governo, tem mostrado um comportamento equivocado e distante daquele que lhe cabe constitucionalmente.

No entanto, ao ler a fala do ministro da Defesa na posse do novo comandante do Exército, foi tamanha a minha decepção que cheguei a pensar em dizer alguma coisa.

Desconsiderando-se as reiteradas ameaças veladas do governo, o general Braga Netto usou argumentos dignos de um jovem oficial querendo mostrar serviço aos superiores dizendo coisas sobre as quais pouco sabe.

Mesmo reconhecendo os seus limites no terreno da inteligência e sensibilidade, o vazio e a inconsistência foram a tônica do discurso.

Ainda que tenha cumprido a missão que lhe foi dada pelo presidente da república de dar um recado à nação, o general nada acrescenta e mostrou o seu despreparo para assumir o cargo de ministro da Defesa do país.

Chega a ser inquietante e preocupante a postura passiva do Exército diante do rebaixamento de mais um dos seus generais. Foi tão flagrante que me levou a querer escrever sobre o episódio.

Fui salvo pela jornalista Denise Assis.

Leia o texto dela que você vai entender porque digo isso.

General Braga Netto transmite recado de Bolsonaro

Por Denise Assis

O deslocamento do general Braga Netto para o cargo de ministro da Defesa, agora se sabe, teve para o governo Bolsonaro mais simbolismo do que imaginávamos. Ao fazer o seu “debut”, empossando o novo comandante do Exército, o general Paulo Sérgio Nogueira, o ministro Braga Netto, enfim, disse a que veio. Sua fala, tão ameaçadora quanto o seu desconforto dentro do terno que vestia, nos chega eivada de lugares comuns e recados vazios, que já não nos causam espanto ou medo. Apenas enfado, pois a indignação preferimos gastá-la com o número de mortos crescentes no gráfico que vem sendo desenhado pelo governo a que ele aceitou servir.

É preciso, inclusive, na sua largada no cargo, apontar os “equívocos” contidos no seu discurso. De cara, disse que é preciso “respeitar o rito democrático e o projeto escolhido pela maioria dos brasileiros. Aí a notícia carece de exatidão. O primeiro ponto, é preciso lembrar, não tivemos respeitado o rito democrático em 2018, quando o comandante das fileiras a que Braga pertence melou o jogo, via Twitter, mandando tirar das urnas o nome do candidato líder nas pesquisas de opinião. Sem contar a avalanche de fake news que contaminou o pleito. Portanto, nem o jogo foi democrático, tampouco o que ocupa a presidência foi escolhido pela maioria.

Em seguida, ele fala que é “necessário se unir contra qualquer tipo de iniciativa de desestabilização institucional”. A esta altura, o general que acaba de chegar ao cargo, terá de decidir se pretende sair, pois partiram até aqui, do seu chefe, as principais ameaças aos demais poderes. Quanto à prosperidade do Brasil, também foi entregue nas mãos inaptas de Paulo Guedes, por Jair Bolsonaro. Desde então, o país rola ladeira abaixo.

Sim, neste ponto concordamos, enganam-se aqueles que acreditam estarmos sobre o terreno fértil para iniciativas que possam colocar em risco a liberdade conquistada em nossa nação. Tais iniciativas, tantas vezes propaladas sob a forma de chantagem no “curralzinho” do Alvorada, não serão aceitas pela sociedade escalavrada pela dor de ontem e de hoje, quando a vida dos cidadãos passou a valer pouco, na mesma proporção em que o sentimento de liberdade e justiça cresce, pedindo urgência na substituição daquele que não nos deixa respirar.

Discordo quando o senhor fala no uso das Forças Armadas para conter o desmatamento da Amazônia, onde o mundo tem os olhos postos. O que se viu até agora na atuação do vice-presidente, o general Mourão, seu colega de farda, foi uma atitude leniente, permitindo que o ainda ministro Ricardo Salles passe com a sua boiada, e os “claros” apontados pelos radares de monitoramento só se alargam, enquanto a fiscalização aos que a exploram só encolhem.

Sim, a mata, como o senhor apontou, continua de pé. Graças à sua exuberância, à luta dos povos da floresta e à sua extensão, que a permite resistir – mas até quando? Ninguém melhor que as Forças Armadas para conservá-las? Não é o que se ouve, (ou o que se lê) quando um dos seus, das suas fileiras, falam publicamente, como registrou em seu livro “Conversa com o Comandante”, o general Villas Boas. Na opinião dele não deve haver mais demarcação das terras indígenas, pois isto impede o progresso e a mineração de suas riquezas. São eles, os povos originários, um “estorvo” na visão dos militares que costumam se pronunciar a respeito.

Por fim, não custa lembrar, que o seu discurso, se emparelha com o pensamento do general “linha dura” Sylvio Frota, que via na sombra refletida na parede, um comunista disposto a devorá-lo. Aqui, lanço mão do que nos legou a historiadora francesa, Maud Chirio, em seu livro: “A Política nos Quartéis” (2012): “De forma paradoxal a ditadura desmobilizou amplamente as Forças Armadas brasileiras. Essa desmobilização não significa, em absoluto, uma redução do risco político em seu seio, nem sequer a persistência de um baixo nível de ativismo após a volta dos militares aos quartéis. Antes corresponde a um certo modelo de regime, que não se apoia numa base militar mobilizada, mas no assentimento mudo da maioria e num aparelho policial fanatizado e conservador, travando uma guerra privada contra a “subversão”. O que quer que eles enxergam como subversão. Ao seu discurso obscurantista, general, devolvo com o lema da Inconfidência mineira, numa alusão à data de hoje: “libertas quae sera”.

Obs. do Falando da Vida“Libertas Quae Sera Tamen” – expressão em latim que consta na Bandeira de Minas Gerais e representa lema da Inconfidência Mineira. Significa “Liberdade ainda que tardia”.

Sintonia perfeita

Por Ronaldo Souza

“Saiu do armário”.

Com essa frase costumava-se descrever a pessoa que assumia sua homossexualidade.

Por não percebermos a crueldade que pode estar por trás de frases assim, muitas vezes não temos a dimensão real do que dizemos e fazemos.

Na verdade, o significado real e cruel contido nessa frase era: o viado safado assumiu sua viadagem.

Uma frase, uma visão, uma brincadeira, uma tortura.

O que é bullying?

Uma brincadeira ou uma tortura.

Depende do lado em que se está.

No nosso processo de involução, de repente, tudo mudou.

É que outros armários se abriram.

E a vida ficou feia.

Somos agora, todos, um bando de maricas, cheios de mimimi, que ficam “chorando em casa, caralho!”, “uns frouxos, porra!”.

O mundo não é mais para esses. Agora é um lugar onde só os machos resistem.

O mundo é para eles!

A baixaria e a breguice dessa violência estúpida invadiram o nosso trabalho, nossos corpos e mentes e se exibem nas nossas casas todos os dias através da televisão.

O país, perdido e nas mãos de bandidos e milicianos, impõe um clima assustador e faz de sua população pessoas acuadas e com medo, num projeto bem sincronizado de terrorismo oficial.

Caos!

Amem

Permito-me roubar uma frase do texto de Fernando Pessoa e adaptá-la ao meu texto.

Sufoco de ter somente isso à minha volta. Deixem-me respirar. Abram todos os armários, abram mais armários do que todos os armários que há no mundo, para que deles saia o amor reprimido.

Não, não se trata do amor piegas, mas daquele que envolve as pessoas sob o manto da tolerância, do respeito, do gesto, da palavra, da leveza.

Brutos não amam.

Odeiam.

Odeiam o que é belo, gentil, leve.

Há neles uma construção abortada, em que a cadeia genética foi alterada e corrompida.

Chamem o amor de volta.

Ponham-no nas suas vidas, tirem as máscaras que o estão impedindo de respirar livremente e permitam que o seu vírus, o vírus do amor, se espalhe e contamine os que estão doentes.

A cura do desamor é desconhecida por eles, mas corre pelo nosso sangue como se fosse um elemento do sistema imune de cada um de nós e representa a melhor vacina contra essa pandemia da estupidez; o afeto.

Amor não tem sexo, cor, raça, religião, mas tem endereço; o coração.

Lá ele mora, mas, confinado entre as paredes da grosseria e da ofensa barata, está sufocado.

Liberte-o.

Liberte-se!

Saia do armário!

O amor lhe espera aqui fora.

Ainda que alguns brasileiros não saibam, Moro e Lava Jato acabaram há muito tempo

A magistrate judged to be “biased”, a team of prosecutors whose methods were
sometimes illegal, the intervention of the United States, and finally a resounding
scandal: “Lava Jato” has served many interests, but not democracy. Months of investigation,
interviews and research were necessary for “Le Monde” to set the scene behind the scenes.

Um magistrado considerado “tendencioso”, uma equipe de promotores cujos métodos às
vezes eram ilegais, a intervenção dos Estados Unidos e, finalmente, um escândalo retumbante:
“Lava Jato” serviu a muitos interesses, mas não à democracia. Meses de investigação,
entrevistas e pesquisas foram necessários para “Le Monde” definir a cena nos bastidores

Por Ronaldo Souza

O que dizer de uma sociedade que consegue eleger Bolsonaro presidente do Brasil?

O que esperar dela?

Como pretender que uma sociedade doente estabeleça o diagnóstico de alguém que a reflete?

Doença, aliás, conhecida e parcialmente diagnosticada pelo exército brasileiro, quando o expulsou das suas fileiras.

Por falar nisso, o que esperar do exército brasileiro?

Incapaz, a sociedade perdeu todos os sentidos e o vê mito.

E aí, nessa incapacidade, nada mais lhe é paradoxal e tudo é possível.

Assim surgem os seus heróis, o maior deles, Sérgio Moro.

Discutível?

Não, lamentável!

Mas poderia ser dicutível.

Contudo, com quem discutir? Como construir um diálogo com quem nada tem para dizer?

D. Hélder Câmara diz que “é impossível o diálogo entre o extremamente forte e o extremamente fraco”.

Inspiro-me para dizer que é impossível o diálogo entre a razão e a estupidez.

A razão deveria ser, isso sim, conselheira da estupidez.

Há, porém, um detalhe incontornável; quando a estupidez atinge níveis inimagináveis, torna-se sua própria conselheira e condutora, num perfeito processo de auto-flagelação.

Como “mostrar” a auto-flagelados que eles se auto-flagelam???

No contexto atual, em que o governo brasileiro está completamente desmoralizado e enfrenta uma desmoralização internacional jamais vista, nada mais parece importar.

Para o Brasil deveria importar muito, por exemplo, uma análise séria sobre o “conje” de Rosângela Moro e a Lava Jato, mas isso é absolutamente impossível. O que a Globo consegue fazer para protegê-los atropela e passa por cima de todos os manuais da Comunicação.

Em termos de desmoralização do jornalismo, nada se compara a ela. A Globo não tem mais nenhum cartucho de credibilidade para queimar; todos já foram queimados.

Para não entrar em muitos detalhes e outros exemplos, qualquer reportagem, qualquer entrevista, qualquer coisa e tudo que mostra a podridão do ex-juiz e da Lava Jato, é literalmente escondido dos seus leitores/telespectadores.

Por conta disso, por mais incrível que possa parecer, uma quantidade considerável de pessoas não sabe o que está acontecendo, o que torna impossível, como falei aí em cima, construir um diálogo. Como conversar, como discutir com quem não faz ideia do que está, de fato, acontecendo?

Mitos e heróis continuarão mitos e heróis não porque são mitos e heróis!

É porque os vendedores de ilusão sáo competentes!

Por onde anda o herói Joaquim Barbosa?

O que foi feito dele?

Jamais faltarão funcionários “qualificados” para os cargos importante dessa fábrica de ilusões.

Jamais faltarão funcionários, simplesmente funcionários, para tocar o serviço braçal da fábrica de ilusões.

Na outra ponta, estão os consumidores, acostumados, e por isso acomodados, a consumir mercadoria de baixa qualidade.

Em que setor da fabrica está, por exemplo, o ministro Fachin, o pequeno?

Em que setor da fábrica você se imagina estar?

Quando iremos perceber o que não percebemos?

Quando estaremos dispostos a buscar saber o que ignoramos?

Enquanto estivermos na prateleira “manipuláveis” desse imenso almoxarifado, jamais iremos perceber, jamais iremos saber.

Quem vive nessa escuridão prefere reclamar a acender uma vela.

A mídia brasileira se tornou isso que vemos. Praticam um arremedo de jornalismo.

Até quando ela vai esconder Moro, Dallagnol e Cia (opa!)?

O mundo já sabe o que está acontecendo no Brasil. A mídia internacional já fala disso há muito tempo.

Entretanto, para uma legião, cada vez menor, de pessoas que optaram pela escuridão, parece que o mundo se reuniu na mesa de um botequim para tramar contra o Brasil.

Veja a mais recente e devastatora reportagem sobre Sérgio Moro e a Lava Jato, dessa vez produzida pelo prestigioso jornal francês Le Monde.

Aqui está o link para a fonte original. Como muitas pessoas têm mais noção de inglês do que francês, trouxe a versão em inglês do referido jornal www.lemonde.fr/international/article/2021/04/11/lava-jato-the-brazilian-trap_6076361_3210.html.

E aqui está o link da tradução na íntegra para o português www.brasil247.com/midia/leia-a-integra-da-reportagem-que-demonstra-como-moro-quebrou-o-brasil-e-trabalhou-para-os-estados-unidos.

Obs. Aqui não tem fake news, a fonte é mostrada.

O “nude” da estupidez

Por Fernando Brito, no Tijolaço

A “era Bolsonaro” no Brasil vai, um dia, ser prato cheio para estudiosos de psicologia social.

Não é só o conservadorismo – melhor, o reacionarismo – que a marca, mas a construção de uma espécie de “império da estupidez” no governo e em muitas partes da sociedade.

Há farto material para análise patológica deste fenômeno.

O filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, definindo as mulheres como “portadoras de vaginas” o que, em alguns casos como o de sua concepção, talvez seja mesmo um “defeito”.

Hamilton Mourão, o cavaleiro (sem H) que habita a vice-presidência da República, chama a Argentina de “eterno mendigo”, numa reunião com possíveis investidores estrangeiros.

Jair Bolsonaro dispensa comentários: diz que o STF está quebrando a Constituição ao determinar que o presidente do Senado instale a CPI da Covid, o que está procrastinando há tempos, mesmo contra o que determina o regimento da Casa.

O país chega a 4,25 mil mortes em um dia e não há uma manifestação de tristeza ou de alerta das autoridades públicas.

O Ministério da Economia, alegando que só os ricos leem, quer taxar o livro para que, quem sabe, nem por eles e, não lhes venham estas ideias malucas de ciência e humanismo. Ademais, está aí a inteligência artificial para suprir o dinheiro, não é?

Mas há, ainda, a cereja do bolo: a pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, publicada pela Folha, dando conta que mais de um quinto (22,5%) dos médicos apoia o uso de medicação não referendada cientificamente para o combate à Covid.

O que, na prática, equipara os doutores – já que não estão participando de um experimento regular de medicamentos – à categoria dos charlatães que, agora, ganhou o belíssimo nome de “liberdade para os médicos”.

Liberdade para serem estúpidos com a vida alheia.

O que há de comum em tudo isso? Arrisco sugerir aos que, no futuro, estudarem o que se passou aqui, venha que há um traço comum a tudo isso: a estupidez perdeu a vergonha de exibir-se em público.

Vivemos a era do ‘nude” da ignorância que, antes, tinha o pudor de se vestir-se de silêncio e que agora se exibe, vaidosa de sua ferocidade.