A pobreza do Correio da Bahia

A fama de valente do Sr. Antônio Carlos Magalhães é antiga, porém, até hoje, ainda não consegui encontrar uma razão que a justifique.

Garoto ainda, morei por 7 anos no Jardim Baiano, um local de Salvador a cerca de 100 metros do Campo da Pólvora, de onde teriam surgido as primeiras versões da referida valentia.

Ali, no jogar conversa fora das noites, ouvi algumas histórias que davam outra versão a aquela fama. O que se comentava é que, na verdade, ele aprontava, mas na hora “saía de baixo”, não brigava. Os que brigavam eram aqueles que faziam jus à fama, porque de fato brigavam. Definia-se a situação com uma expressão muito comum à época: “ele se escondia na barra das calças dos que realmente brigavam”.

A história contemporânea está repleta de fatos que mostram a grande proximidade do Sr. Antônio Carlos Magalhães com o regime militar que concebeu e manteve um dos mais negros períodos pelos quais passou o Brasil. Tamanha foi essa proximidade que ele, Antônio Carlos Magalhães, ganhou uma alcunha, que, por ser muito forte, deixaremos de lado.

Pois bem, em determinado momento, mais precisamente em julho de 1984, houve o famoso e “destemido” discurso contra o então Ministro da Aeronáutica, o Brigadeiro Délio Jardim de Matos. Houve, entretanto, quem dissesse que aquilo tinha outra razão. Atribuía-se aquele destemor ao fato de que aquele era o período em que o governo militar já não tinha mais força. Se observarmos o ano em que ocorreu o discurso, veremos que de fato há uma grande coincidência com os tempos de mudança de regime. Os narradores de futebol diriam “fecham-se as cortinas…” Dizia-se que Antônio Carlos Magalhães era um mestre nessa passagem. Explico. Dizia-se que poucos tinham a sua capacidade de passar de um governo para outro.

Há, porém, um episódio bem recente sobre o qual já ouvi dizerem que reflete bem esse perfil. Quando o episódio da fraude do painel do senado tomou corpo e começou a fugir do controle, à pergunta de uma repórter se ele, Antônio Carlos Magalhães, renunciaria ao senado para não ser cassado, veio uma resposta firme: “no meu dicionário não existe a palavra renúncia”. Senti firmeza e ali comecei a pensar; essa é a resposta de um homem valente. Renunciou.

Hoje, no supermercado, numa rápida incursão pelas manchetes dos jornais, uma em particular me chamou a atenção. Estava lá, como legenda para a foto do grande pequeno homem, com os dedos polegar e indicador fazendo um círculo: “E Zé Dirceu, ó”. O jornal, Correio da Bahia. De propriedade da família do Sr. Antônio Carlos Magalhães, não lembro quando o jornal foi criado. Nunca li o Correio da Bahia.

Em 2005 estourou o episódio que ficou conhecido como mensalão, sobre o qual não vou falar, pelo menos por agora (veja algumas historinhas recentes aqui). Um dos grandes objetivos (existe um outro bem maior) do episódio era pegar José Dirceu.

Não havia outra possibilidade. Desde cedo, todos sabíamos, ele mais do que todos, que José Dirceu teria o seu mandato cassado. Como não podia deixar de ser, veio a pergunta: “o senhor vai renunciar para não ser cassado”. “Não, se renunciar ao mandato que os meus eleitores me confiaram, jamais poderei olhar nos olhos deles outra vez”. Não renunciou. Foi cassado.

Nenhuma novidade. Para quem tinha enfrentado os tempos duros da ditadura, para quem nunca teve proximidade com o regime militar, para quem nunca mereceu qualquer alcunha pejorativa por reverenciar as botas dos generais, para quem tinha sido preso e banido do país, não faltaria coragem para enfrentar uma cassação. Logo após aquele primeiro momento do mensalão, Fernanda Montenegro, a primeira dama do teatro brasileiro, não se conteve ao encontrar com ele em um restaurante no Rio de Janeiro: “você foi um leão”.

Entendo a pobreza e a pequenez da manchete do Correio da Bahia, um representante menor da grande pequena imprensa brasileira. Eles jamais irão entender isso.

Primeiro jurista europeu a condenar a farsa do julgamento do mensalão

Um dos responsáveis pela teoria citada no julgamento do STF, Claus Roxin, jurista alemão, que esteve há duas semanas em seminário de direito penal do Rio, diz que juiz não deve ceder a clamor popular

Daniel Marenco/Folhapress 

Da Folha

Insatisfeito com a jurisprudência alemã -que até meados dos anos 1960 via como participante, e não como autor de um crime, aquele que ocupando posição de comando dava a ordem para a execução de um delito-, o jurista alemão Claus Roxin, 81, decidiu estudar o tema.

Aprimorou a teoria do domínio do fato, segundo a qual autor não é só quem executa o crime, mas quem tem o poder de decidir sua realização e faz o planejamento estratégico para que ele aconteça.

Roxin diz que essa decisão precisa ser provada, não basta que haja indícios de que ela possa ter ocorrido.

Nas últimas semanas, sua teoria foi citada por ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) no julgamento do mensalão. Foi um dos fundamentos usados por Joaquim Barbosa na condenação do ex-ministro José Dirceu.

"Quem ocupa posição de comando tem que ter, de fato, emitido a ordem. E isso deve ser provado", diz Roxin. Ele esteve no Rio há duas semanas participando de seminário sobre direito penal.

Folha – O que o levou ao estudo da teoria do domínio do fato?

Claus Roxin – O que me perturbava eram os crimes do nacional socialismo. Achava que quem ocupa posição dentro de um chamado aparato organizado de poder e dá o comando para que se execute um delito, tem de responder como autor e não só como partícipe, como queria a doutrina da época.

Na época, a jurisprudência alemã ignorou minha teoria. Mas conseguimos alguns êxitos. Na Argentina, o processo contra a junta militar de Videla [Jorge Rafael Videla, presidente da Junta Militar que governou o país de 1976 a 1981] aplicou a teoria, considerando culpados os comandantes da junta pelo desaparecimento de pessoas. Está no estatuto do Tribunal Penal Internacional e no equivalente ao STJ alemão, que a adotou para julgar crimes na Alemanha Oriental. A Corte Suprema do Peru também usou a teoria para julgar Fujimori [presidente entre 1990 e 2000].

Folha – É possível usar a teoria para fundamentar a condenação de um acusado supondo sua participação apenas pelo fato de sua posição hierárquica?

Claus Roxin – Não, em absoluto. A pessoa que ocupa a posição no topo de uma organização tem também que ter comandado esse fato, emitido uma ordem. Isso seria um mau uso.

Folha – O dever de conhecer os atos de um subordinado não implica em co-responsabilidade?

Claus Roxin – A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ter que saber não basta. Essa construção ["dever de saber"] é do direito anglo-saxão e não a considero correta. No caso do Fujimori, por exemplo, foi importante ter provas de que ele controlou os sequestros e homicídios realizados.

Folha – A opinião pública pede punições severas no mensalão. A pressão da opinião pública pode influenciar o juiz?

Claus Roxin – Na Alemanha temos o mesmo problema. É interessante saber que aqui também há o clamor por condenações severas, mesmo sem provas suficientes. O problema é que isso não corresponde ao direito. O juiz não tem que ficar ao lado da opinião pública.

Observe que essa entrevista foi concedida há 2 semanas, ou seja, ficou guardadinha na prateleira da Folha. Por que será que somente agora foi publicada? Vou dar só uma dica. Lembra que há 2 semanas atrás as condenações estavam sendo feitas e as eleições municipais estavam acontecendo?

Há pouco tempo o Supremo Tribunal Federal foi condenado por cortes internacionais pelo julgamento sobre a questão dos direitos humanos na ditadura brasileira. Sabe-se que isso vai ocorrer também com o julgamento (?) do mensalão. Como estava no Brasil, Claus Roxin foi o primeiro jurista internacional a fazer isso. Aguardemos um pouco mais.

Joaquim Barbosa, o herói fugaz ou a desconstrução de Joaquim Barbosa?

Em editorial do dia 09/11/2012, “Os barracos no STF”, (veja aqui http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,os-barracos-no-stf-,957803,0.htm), o Estadão faz uma crítica pesada ao Ministro do STF, Joaquim Barbosa. Nenhuma novidade. Quem acompanha os movimentos do ministro (na verdade, do próprio STF) já o conhece bem.

Ocorre que, no julgamento do mensalão do PT (chamo assim porque existem o mensalão do DEM e o do PSDB (veja aqui http://www.endodontiaclinica.odo.br/pages/posts/o-mensalao-do-governo-fhc—o-mensalao-do-psdb417.php ), este já devidamente acobertado e protegido pelo Procurador Geral da República, um homem chamado Roberto Gurgel, e pelo próprio STF), o comportamento ora criticado pelo editorial foi motivo de grande entusiasmo por parte do mesmo jornal e da grande (?) imprensa e o que transformou o ministro no novo herói da elite brasileira.

Vários comentaristas políticos, como Merval Pereira e Dora Kramer (meu Deus do Céu), já estão fazendo as mesmas críticas, chamando a atenção para o comportamento “inconfiável” de Joaquim Barbosa.

Por que essa mudança tão brusca da opinião da imprensa? Temem que quando chegar a hora do julgamento do mensalão do PSDB ele esteja tão entusiasmado com a condição recém-conquistada de novo herói que, usando da mesma sanha condenatória que usou no mensalão do PT, saia condenando os políticos do PSDB.

Não há o que temer. O mensalão do PSDB é de 1998 (durante o governo de Fernando Henrique Cardoso) e o do PT é de 2005. Assim, constava na pauta do STF que o mensalão do PSDB seria julgado antes do PT, porém o STF alterou a pauta. Puseram o do PT na frente e assim foi julgado antes. Justamente no período das eleições, sem dúvida, uma simples coincidência. A rigor, já não são tão fortes as evidências de que o mensalão do PSDB será julgado, podendo inclusive ser prescrito.

Veja alguns trechos do editorial do Estadão, com comentários meus logo em seguida.

Estadão“Em vez da serenidade – que de modo algum exclui a defesa viva e robusta de posições, bem assim a contestação até exuberante dos argumentos contrários -, o ministro como que se esmera em levar "para dentro das famílias" um espetáculo de nervos à flor da pele, intolerância e desqualificação dos colegas”.
1. Falta de serenidade que nunca foi apontada pelo grupo midiático do qual faz parte o Estadão. Os blogs sempre falaram disso.
2. Se os telespectadores/leitores do grupo midiático usassem um pouco mais a inteligência e sensatez (seria muito difícil?) poderiam perceber que se é reconhecida a “desqualificação” dos colegas, que critérios e provas foram utilizados para a desqualificação dos réus.

Estadão“Marco Aurélio Mello defendia uma interpretação antagônica à do relator – e mais benigna para os réus – sobre crimes e penas. O desdém estampado na face do relator fez o colega adverti-lo: "Não sorria porque a coisa é muito séria. Estamos no Supremo. O deboche não cabe aqui". Barbosa retrucou dizendo saber aonde o outro queria chegar, para ouvir em seguida: "Não admito que Vossa Excelência suponha que todos aqui sejam salafrários e só Vossa Excelência seja uma vestal".
1. O Ministro Marco Aurélio Mello errou. Na verdade, a coisa nunca foi séria, a coisa não é séria. O escárnio se manifestou de várias maneiras, inclusive por meio de sorrisos debochados e enigmáticos.
2. Realmente, nem todos são salafrários. Quais serão?

Estadão“Seria deplorável se também isso estivesse na raiz da súbita notoriedade de Barbosa – para a qual hão de ter contribuído a sua condição de negro e o seu manifesto desconforto físico provocado por um crônico problema na coluna”
1. Muito sutil a colocação da condição de negro (Casa Grande e Senzala*).

Estadão“E de forma alguma é descabido perguntar se ele sabe que terá de domar o seu temperamento para conduzir o tribunal com a paciência e o comedimento demonstrados por Ayres Britto – duramente testados, aliás, nos "barracos" que teve de acalmar no curso deste julgamento”
1. Se ele não perceber “que terá de domar o seu temperamento”, nós (da imprensa) vamos começar a faze-lo desde agora.
2. O novo herói do Brasil é um “barraqueiro”. Barraqueiro não faz parte da Casa Grande. Qual é o seu lugar?

Na dúvida sobre o comportamento inconfiável do seu novo herói, por segurança a grande imprensa brasileira já começou o processo de sua desconstrução.

*Casa Grande e Senzala – um dos maiores livros da sociologia brasileira, escrito por Gilberto Freyre.

Passadas as eleições, pressa do STF “sumiu”

Antes urgente, julgamento do STF é suspenso com viagem do relator

Barbosa zarpou para a Alemanha. Mas ministro cumpriu o script: condenou Dirceu e Genoino antes da eleição

Por Carlos Lopes (veja o original)

Aos meses de fuzarca, de repente, substituiu o silêncio no STF.

O que houve para vir, sem aviso, essa súbita paz? Onde está o intimorato Barbosa e os outros (cáspite!) mosqueteiros? Será que, como em Varsóvia no século XIX, reina a paz por falta de sobreviventes? Mas, estranhamente, ninguém morreu, nenhum vampiro foi transpassado por uma estaca, e também não se moveu do lugar a estátua que Ceschiatti fez da Justiça – continua ela onde sempre esteve: do lado de fora do prédio do STF, na Praça dos Três Poderes.

Assim, onde estão aqueles apressados que queriam condenar – e condenaram – dirigentes políticos a toque de caixa, sem outra razão que não seja a perseguição política? Aqueles que nem queriam dar o devido tempo ao revisor para apresentar o seu parecer, onde estão? Que não queriam esperar ou gastar tempo com os procedimentos formais que caracterizam a Justiça brasileira há mais de 100 anos, cadê eles?

Aqueles mesmos que não podiam esperar 45 dias – tempo da campanha eleitoral – para dar sua sentença: onde estão? Sim, onde foram aqueles que, para condenar, dispensaram, em poucas semanas, as provas, o in dubio pro reo, e, por falar no Direito Romano, antes de tudo, passaram por cima do princípio de que “onde não existe justiça não pode haver direito” (ubi non est justitia, ibi non potest esse jus)?

Onde estão? Não há fumaça, aqui, que anuncie o bom direito (fumus boni juris). Pelo contrário, aqui, se há fumaça, é porque o bom direito foi torrado no forno.

Bastou as eleições encerrarem as apurações, que não há mais pressa entre os apressados do STF. Alguns já preveem que o processo vá durar mais uns três meses, outros nem se arriscam a uma aposta – ou prognóstico.

E todos falam que é preciso que o relator volte, ou que ele vai voltar logo, para que se termine com o negócio. Naturalmente, o problema não é se o relator vai levar pouco ou muito tempo para voltar, mas o fato dele sumir do tribunal nesse processo, sem que ninguém sinta que há qualquer anormalidade nesse sumiço. Imaginemos algo sério – por exemplo, em Nuremberg, se um juiz soviético ou norte-americano, sem substitutos, resolvesse sumir por uma semana. Estaria criado um charivari capaz de derrubar o resto do Reichstag, se é que deste ainda havia algo em pé.

Mas, na Ação Penal nº 470, o relator pode sumir sem problemas – contanto que seja depois das eleições. Simplesmente, não há nada sério nesse suposto julgamento, exceto a condenação de inocentes, o atentado à democracia, ao Direito, em suma, à liberdade.

E onde está o relator?

O relator Barbosa está em Düsseldorf, na Alemanha (foi só a gente falar em vampiro…), cidade que hoje tem péssima fama quanto ao gosto musical e que não é mais a sede da indústria do aço alemã – dos Krupp, Thyssen e outros bandidos –, mas um centro financeiro tentacular — dos Krupp, Thyssen e os outros mesmos bandidos.

Os fanáticos pela poesia vão lembrar que Heine nasceu nessa cidade – mas isso foi há muito tempo, um pouco antes de Napoleão conquistá-la, quando um sujeito nascido judeu podia se tornar um grande poeta alemão e escrever que sua cidade era muito bonita, desde que lembrada de longe.

Porém, Barbosa, que não é dado a essas frivolidades (poesia?), foi lá para tratar das vértebras, que, segundo garantiu, estão em péssimo estado, depois de sua atuação como relator da Ação Penal nº 470. Só em Düsseldorf, certamente, existe um médico capaz de cuidar da coluna de sua excelência.

Naturalmente, estão faltando ortopedistas no Brasil. Por isso, o relator foi para a Alemanha com o espinhaço em pandarecos. Não podia confiar seus costados a um brasileiro. Tinha que ser a um alemão. Deve ser por via ortopédica que ele absorveu a teoria do domínio do fato e outras curiosidades nazistas que permitem, mesmo sem provas, condenar os réus que a mídia e os golpistas que seguem a mídia querem condenar.

Já dizia o velho lente da ortopedia nacional, o inesquecível professor Dagmar Aderaldo Chaves, de quem o autor destas linhas foi aluno, que certas posturas causam muitos problemas para a coluna. Com efeito, mas o professor, apesar de catedrático de quatro faculdades de medicina, era cearense de Mombaça.

O relator Barbosa não podia confiar a coluna a um discípulo do grande Dagmar. Sabe-se lá, era capaz de aparecer outro cearense…

Portanto, arrumou um alemão que descobriu na Internet – e que se diz ex-médico do papa, como se Sua Santidade precisasse de médicos milagrosos, logo ele, que é administrador desse condomínio aqui na terra.

Entretanto, leitores, a questão é: por que a coluna do relator Barbosa aguentou até agora, impavidamente? Se a situação era tão ruim e ele queria se submeter ao tratamento alemão, por que não foi antes, e começou o processo depois? Que diferença fazia?

Pelo jeito, apenas uma.

Quer dizer que, passada a eleição, o processo pode demorar à vontade? Se a questão era tão urgente que quase causou uma briga com outros colegas, por que agora deixou de ser urgente — exceto porque a eleição já passou? O relator, naturalmente, podia recorrer a um especialista daqui mesmo (e há muitos que são ótimos), ou, se fosse de sua preferência, usar um analgésico, uma pomada, ou mesmo o tradicional emplastro Sabiá – e, ainda, tomar o infalível chá de sucupira, que é tiro e queda para dores de coluna. Mas ele nem piscou para deixar o processo inconcluso e viajar para a Alemanha. Ora, a urgência do processo…

Os leitores certamente convirão que há poucas coisas que apontem tanto para os inconfessáveis interesses que presidiram (e relataram…) as condenações de José Dirceu e José Genoino, quanto essa súbita, apesar de breve, incursão pós-eleitoral de Barbosa pelas margens do Re
no. Quando se perde até o senso das conveniências, é porque a verdade, apesar de todas as tentativas de sepultamento, permanece viva e batendo como um coração denunciador, além da vontade dos — e em desafio — aos seus coveiros. E nem falemos no desrespeito ao povo, porque, realmente, parece escárnio e deboche.

Mídia derrotada mais uma vez pelo PT de Lula

Por Ricardo Kotscho

Perderam para Lula em 2002.

Perderam para Lula em 2006.

Perderam para Lula e Dilma em 2010.

Perderam para Lula e Haddad em 2012.

A aliança contra Lula e o PT montada pelos barões da mídia reunidos no Instituto Millenium sofreu no domingo mais uma severa derrota.

Eles simplesmente não aceitam até hoje que tenham perdido o poder em 2002, quando assumiu um presidente da República fora do seu controle, que não os consultava mais sobre a nomeação do ministro da Fazenda, nem os convidava para saraus no Alvorada.

Pouco importa que nestes dez anos tenha melhorado a vida da grande maioria dos brasileiros de todos os níveis sociais, inclusive a dos empresários da mídia, resgatando milhões de brasileiros da pobreza e da miséria, e dando início a um processo de distribuição de renda que mudou a cara do País.

Lula e o PT continuam representando para eles o inimigo a ser abatido. Pensaram que o grande momento tinha chegado este ano quando o julgamento do mensalão foi marcado, como eles queriam, para coincidir com o processo eleitoral.

Uma enxurada de capas de jornais e revistas com quilômetros de textos criminalizando o PT e latifúndios de espaço sobre o julgamento nos principais telejornais nos últimos três meses, todas as armas foram colocadas à disposição da oposição para o cerco final ao ex-presidente, mas a bala de prata deu chabu.

Na noite de domingo, quando foram anunciados os resultados, a decepção deve ter sido grande nos salões da confraria do Millenium, como dava para notar na indisfarçada expressão de derrota dos seus principais porta-vozes, buscando explicações para o que aconteceu.

Passada a régua nos números, apesar de todos os ataques da grande aliança formada pela mídia com os setores mais conservadores da sociedade brasileira, o PT de Lula e Dilma saiu das urnas maior do que entrou, como o grande vencedor desta eleição.

“PT — O maior vencedor” é o título do quadro publicado pela Folha ao lado dos mapas das Eleições em todo o País. Segundo o jornal, o PT “foi o campeão em dois dos mais importantes critérios. Além de ter sido o mais votado no 1º turno (17,3 milhões), é o que irá governar para o maior número de eleitores”.

De fato, com os resultados do segundo turno, o PT irá governar cidades com 37,1 milhões de habitantes, onde vive 20% do eleitorado do País. Com cidades habitadas por 30,6 milhões, o segundo colocado foi o PMDB, principal partido da base aliada.

“Em relação aos resultados das eleições de 2008, o total de eleitores governados por prefeitos petistas crescerá 29% em 2013, quando os eleitos ontem e no primeiro turno deverão assumir”, contabiliza Ricardo Mendonça no mesmo jornal.

Do outro lado, aconteceu exatamente o contrário: “Já os partidos que fazem oposição ao governo Dilma Rousseff saem da eleição menores do que entraram. Na comparação com 2008, PSDB, DEM e PPS, os três principais oposicionistas, terão 309 prefeituras a menos. Puxados  para baixo principalmente pelo DEM, irão governar para 10,5 milhões de eleitores a menos”.

Curiosa foi a manchete encontrada pelo jornal “O Globo” para esconder a vitória do PT: “Partidos ficam sem hegemonia nas capitais”. E daí? Quando, em tempos recentes, algum partido teve hegemonia nas capitais? Só me lembro da Arena, nos tempos da ditadura militar, que o jornal apoiou e defendeu, quando não havia eleições diretas.

O que eles estarão preparando agora para 2014? Sem José Serra, que perdeu de novo para um candidato do PT que nunca havia disputado uma eleição, o ex-ministro da Educação Fernando Haddad, eleito com 55,57% dos votos, terão que encontrar primeiro um novo candidato.

Ao bater de frente pela segunda vez seguida num “poste do Lula”, o tucano preferido da mídia corre agora o risco de perder também a carteira de motorista.

Empresa da campanha de Serra criou site falso de Haddad

‘Propostas Haddad 13’ reunia críticas ao petista; proprietário da companhia nega autoria

Bruno Lupion, de O Estado de S. Paulo (jornal Estadão)

http://www.estadao.com.br/noticias/politica,site-falso-de-haddad-foi-criado-em-empresa-da-campanha-de-serra,951371,0.htm

A provedora de internet GVT informou nesta sexta-feira, 26, que o site apócrifo "Propostas Haddad 13", que imitava a linguagem visual usada pela campanha do candidato do PT à Prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad, mas desferia críticas ao petista, foi criado na sede da Soda Virtual, empresa contratada pela campanha do candidato tucano, José Serra, por R$ 250 mil reais, para prestar serviços de "criação e inclusão de páginas na internet".

O site não identificava sua autoria e foi retirado do ar na última sexta-feira, 19, por decisão da Justiça Eleitoral, após pedido dos advogados de Haddad. Para o juiz Henrique Harris Júnior, da 1.ª Zona Eleitoral, as mensagens contidas na página eram "passíveis de enquadramento, em tese, como ofensivas e sabidamente inverídicas, até mesmo com o emprego de imitação das fontes, cores e símbolos utilizados na sua campanha (de Haddad)".

Entre os textos divulgados no site, estavam "Haddad vai criar 50 novas Escolas de Lata", "Haddad vai aumentar o IPTU" e "Haddad vai voltar com a Taxa do Asfalto". Na decisão, Harris Júnior determinou ao Google, onde o site estava hospedado, e à GVT que informassem o IP e a identidade do criador da página.

Segundo a GVT, a conexão de internet usada para criar o site está em nome de Huayna Batista Tejo, presidente da Soda Virtual, e é acessada pela Rua Borja Peregrino, 318, João Pessoa (PB), sede da empresa. À reportagem, Tejo negou ter criado o site "Propostas Haddad 13" e disse que vai investigar o ocorrido.

Na última sexta, quando o site foi retirado do ar, a campanha de Serra informou, por meio de sua assessoria, que não era responsável pelo site. A campanha de Serra foi contatada nesta sexta para comentar a identificação da autoria do site, mas não pôde responder até o momento.

Comentário de Luis Nassif – Quem divulgou esse site foi o senador Aluizio Nunes (PSDB de São Paulo).

O pavor aristocrático na reta final

Por Paulo Moreira Leite (Colunista da Revista Época), na coluna Vamos combinar:

A iminência de uma derrota histórica na cidade que consideravam sua reserva de mercado têm levado alguns observadores a fazer um trabalho vergonhoso em defesa da candidatura de José Serra à prefeitura de São Paulo.

Em vez de defender José Serra, o que seria natural na reta final da eleição, eles procuram levantar o fantasma da ameaça de um avanço da hegemonia do PT no país inteiro. Enquanto acreditavam que seu candidato era favorito, diziam que a polarização política era ótima, que o conflito ideológico ajudava a formar a consciência do eleitor. Mas agora, diante de pesquisas eleitorais constrangedoras, querem mudar o jogo de qualquer maneira.

É um comportamento arriscado e pode ser contraproducente.

Do ponto de vista democrático, o PT só chegou ao poder de Estado, em qualquer instância, pelo voto direto. Bem ou mal, é o único dos grandes partidos brasileiros – já existentes na época — que pode exibir essa condição.

Claro que você pode discutir a recusa em votar em Tancredo Neves, em 1984. Pode dizer que foi radicalismo, esquerdismo, sei lá. Mas é possível reconhecer que naquele momento da transição os petistas defenderam um princípio de respeito a vontade popular que vários adversários – por uma esperteza que em vários casos pouco tinha a ver com patriotismo desinteressado – logo iriam trocar por um cargo no ministério.

Essa postura conservadora contra Haddad retoma os velhos fantasmas do perigo vermelho, tão primitivos como tantas mitologias de quem saiu colonizado pelos anos de Guerra Fria. Reflete um medo aristocrático de quem imaginava que tinha transformado São Paulo em seu quintal eleitoral e agora se vê sem respostas para as grandes parcelas da população.

Depois de criticar o PT pelos Céus de Marta Suplicy, a campanha tucana fala em Céus do Serra. Depois de criticar o bilhete único, o PSDB aderiu a ele. Criticou Haddad pelo bilhete único mensal, mas agora lançou sua própria versão do mesmo bilhete. Depois de passar a campanha pedindo que a população tivesse pena de Gilberto Kassab, nossos analistas descobrem que o continuísmo não está com nada e, para não perder embalo, dizem que é uma tendência para 2014 e já ameaçam Dilma.

Levantar o fantasma de um perigo difuso e ameaçador é um dos mais conhecidos truques da comunicação moderna. Revela desprezo pelo conhecimento e pela inteligência do eleitor, procurando convencer a população com argumentos inconscientes, de natureza emocional.

A postura pode ser resumida assim: quando não dá mais para falar em bolo nem em brioches, como fez Maria Antonieta diante da plebe rude, vamos para lágrimas e o sentimentalismo.

O pensamento aristocrático e conservador do século XIX, quando a aristocracia descobriu que o voto popular poderia produzir resultados desagradáveis e inesperados, foi construído assim. Pensadores como Gustave Le Bon afirmavam, literalmente, que a multidão “ou não conseguia raciocinar, ou só conseguia racionar de forma errada.”

O truque principal, nesse comportamento, era evitar referências claras e diretas. Por motivos fáceis de explicar, nunca se diz: perigo de que? Por que?

Grita-se: “eu tenho medo,” como fez Regina Duarte, em 2002. Mas pelo menos ela tinha sido a namoradinha do Brasil…

Como bem lembrou Fernando Rodrigues, a partir de 1994 o PSDB tornou-se um partido rico e poderoso.

Deixou essa condição, pela vontade livre e direta do eleitorado. Em nenhum momento o PSDB deixou de ter colunistas e articulistas de pena amiga para descrever suas virtudes perante a população, com uma generosidade jamais exibida em relação a nenhum outro adversário.

A dificuldade é que, em sua passagem pelo poder federal os tucanos não deixaram nenhuma recordação duradoura na defesa dos mais pobres e dos assalariados em geral. Foi por isso que perderam três eleições consecutivas, sem jamais exibir concorrentes competitivos.

Em 2002, quando o governo de FHC chegou ao fim, sua popularidade era negativa. A inflação passara dos dois dígitos, o desemprego havia disparado, a economia estava num abismo financeiro e é claro que, já então, culpava-se o perigo vermelho por isso.

Quanto aos métodos de governo, não sejamos ingênuos nem desmemoriados. Se você não quer usar a palavra aparelhamento, poderia falar, então, em engaiolamento tucano.

É um sistema realmente eficiente, já que, em quatro anos, promoveu:

a) mudanças nas regras eleitorais estabelecidas pela Constituição;
b) um esquema conhecido como mensalão, matriz dos demais;
c) um procurador geral da República dos tempos de FHC era conhecido como “engavetador”geral da República;

Embora goste de lembrar que o PT votou contra o Plano Real assinado por Itamar Franco, o PSDB prefere esquecer que, ao retornar ao governo de Minas Gerais, o ex-presidente rompeu com FHC e chegou a mobilizar a PM para impedir que Brasília privatizasse a usina de Furnas.

Foi para tentar derrotar Itamar, político muito popular no Estado, que o PSDB inventou o mensalão de Marcos Valério, colocando de pé um esquema que arrecadou mais de R$ 200 milhões para as agências ligadas ao esquema. Nem assim o esquema funcionou e, como acontece nas democracias, venceu o candidato que era melhor de voto.

Mesmo derrotado – a democracia tem disso, né, gente? – o PSDB empurrou a dívida do esquema com a barriga, com ajuda de verbas liberadas – olha a coincidência ! – pelo mesmo cofre do Visanet. Quando Aécio recuperou o gove
rno de Minas, Valério voltou a ser premiado com novos recursos, informa Lucas Figueiredo, no livro O Operador. Conforme demonstrou a CPI dos Correios, dirigida por aliados do PSDB, havia farta distribuição de recursos públicos na campanha tucana.

Num lance de peculiar ousadia, foram retirados R$ 27 milhões da própria Secretaria da Fazenda do Estado.

A verdade é que o mensalão mineiro foi feito com tanta competência – ou seria melhor empregar o termo periculosidade? – que jamais foi descoberto. Até surgiram denúncias, mas eles nunca foram investigados.

Chegou-se ao mensalão mineiro por causa do braço petista de Marcos Valério. Se não fosse por ele, nem saberíamos que teria existido.

Isso é que engaiolamento, vamos concordar. Funciona mesmo depois que o PSDB deixou o poder. Enquanto o Supremo condena o mensalão petista com argumentos deduzidos e não demonstrados, os tucanos seguem no pão de queijo. Ninguém sabe, sequer, quantos serão julgados. Nem quando.

Agora vamos reconhecer: Fernando Haddad assumiu a liderança folgada nas pesquisas como um bom candidato deve fazer. Veio do zero, literalmente, e ganhou eleitores na medida em que tornou-se conhecido.

O apoio de Lula não é importante, apenas, porque lhe garante um bom patamar de votos. Essa é uma visão eleitoreira da política. Esse apoio mostra que é um candidato com origem e história e isso é importante. Dá uma referência ao eleitor.

Num país onde os sábios da década passada adoravam resmungar com frases feitas sobre a falta de partidos “legítimos”, com “história”, com “programa,”etc, é difícil negar que o PT fez sua parte. Você pode até achar uma coisa detestável. Pode dizer que o PT é um partido anacrônico, que “traiu o discurso ético” e só faz mal ao país. Mas tem de admitir que não é Haddad, como Dilma já mostrou em 2010, quem tem problemas com a própria história.

E isso, na construção de uma democracia, é um bom começo. Falta, agora, a outra parte. Caso as urnas confirmem o que dizem as pesquisas de intenção de voto, a vitória de Haddad só irá demonstrar a dificuldade da oposição em mostrar que poderia fazer um governo melhor.

O debate político é este. O resto é propaganda.

ACM Neto recebeu dinheiro do Mensalão dos DEM de Brasília

Fonte http://www.advivo.com.br/node/1095231

O ex-governador de Brasília, José Roberto Arruda, que chegou a ser preso após o estouro do escândalo do mensalão do DEM, disse à revista Veja que ACM Neto recebeu dinheiro do esquema de corrupção liderado por ele para a campanha de 2008.

Arruda disse ainda que o esquema beneficiou outros aliados políticos do DEM, mas em relação a Neto, foi taxativo: “Também obtive doações para a candidatura de ACM Neto à prefeitura de Salvador”, disse Arruda.

Arruda foi apontado pela Polícia Federal como líder de uma organização criminosa que desviava recursos públicos por meio de empresas contratadas por seu governo. Ele também disse a Veja que por ser o único governador do DEM no Brasil, conseguia recursos para candidatos em todo o País. Na operação, intitulada Caixa de Pandora, foram apreendidos R$ 700 mil em dinheiro, US$ 30 mil, 5.000 euros, computadores, mídias e documentos.

ACM Neto nega a ‘ajuda’ do correligionário, dizendo que suas contas de 2008 foram aprovadas na Justiça Eleitoral, mas os recursos da quadrilha liderada por Arruda não foram contabilizados, configurando-se como o conhecido ‘Caixa2’.

Velhos amigos

José Roberto Arruda sempre foi muito próximo à família Magalhães. Foi ele que participou junto com o avô de Neto, Antônio Carlos Magalhães, do escândalo da quebra de sigilo do painel do senado, na votação secreta que cassou o senador Luiz Estevão, há 11 anos. Mesmo diante das denúncias, o DEM de ACM Neto preservou Arruda no partido e cogitou em indicá-lo a vice-presidente da chapa de José Serra, na eleição presidencial em 2010. Somente em agosto deste ano, Arruda foi condenado pela Justiça Federal pela violação do painel do Senado.

Houve uma entrevista que a Veja não publicou e parte dela está no site de Ricardo Noblat. Para quem não sabe, Noblat é anti Lula e anti PT até a medula.
http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2011/03/17/arruda-diz-veja-quem-ajudou-com-dinheiro-368935.asp

Aqui está uma pequena parte da entrevista de José Roberto Arruda que a Veja não publicou

Quais líderes do partido foram hipócritas no seu caso?

A maioria. Os senadores Demóstenes Torres e José Agripino Maia, por exemplo, não hesitaram em me esculhambar. Via aquilo na TV e achava engraçado: até outro dia batiam à minha porta pedindo ajuda! Em 2008, o senador Agripino veio à minha casa pedir 150 mil reais para a campanha da sua candidata à prefeitura de Natal, Micarla de Sousa (PV). Eu ajudei, e até a Micarla veio aqui me agradecer depois de eleita. O senador Demóstenes me procurou certa vez, pedindo que eu contratasse no governo uma empresa de cobrança de contas atrasadas. O deputado Ronaldo Caiado, outro que foi implacável comigo, levou-me um empresário do setor de transportes, que queria conseguir linhas em Brasília.

O senhor ajudou mais algum deputado?

O próprio Rodrigo Maia, claro. Consegui recursos para a candidata à prefeita dele e do Cesar Maia no Rio, em 2008. Também obtive doações para a candidatura de ACM Neto à prefeitura de Salvador.

Mais algum?

Foram muitos, não me lembro de cabeça. Os que eu não ajudei, o Kassab (prefeito de São Paulo, também do DEM) ajudou. É assim que funciona. Esse é o problema da lógica financeira das campanhas, que afeta todos os políticos, sejam honestos ou não.

A Última Semana

Por Marcos Coimbra

Termina no próximo domingo a eleição municipal de 2012. Em 50 cidades, os eleitores voltam às urnas para votar em um dos candidatos a prefeito que disputam o segundo turno.

Entre essas, na maior cidade brasileira e outras 16 capitais estaduais.

Foram as eleições mais conturbadas desde a redemocratização. Por decisão sem fundamento técnico, o Supremo Tribunal Federal (STF) resolveu fazer o julgamento do “mensalão” exatamente no meio do período eleitoral.

O ápice dessa “coincidência” ocorre ao longo desta semana, que os ministros consideram adequada para terminá-lo. 

Para não atrapalhar a viagem ao exterior do Relator – certamente de importância fundamental para o País -, vão deliberar a respeito das penas aos condenados nas vésperas da eleição. Em tempo de preparar as manchetes dos últimos dias.

E ainda há quem se preocupe em silenciar os carros de som nessa hora, para que não perturbem os eleitores enquanto refletem sobre sua decisão final!

Parece que o Judiciário não se incomoda que o julgamento interfira na eleição. Como disse o Procurador-Geral da República em inacreditável pronunciamento, acha até “salutar”.

Os principais veículos da indústria de comunicação dedicaram ao julgamento uma cobertura privilegiada. Na televisão, no rádio, na internet, nos jornais e revistas, foi, seguramente, maior que aquela que a eleição recebeu.

Só os muito ingênuos acreditariam que a grande imprensa foi movida por objetivos morais, que estava genuinamente preocupada com as questões éticas suscitadas pelo “mensalão”. Basta conhecê-la minimamente, saber quem são seus proprietários, articulistas e comentaristas, para não ter essa ilusão.

E lembrar seu comportamento no passado, quando fatos tão graves quanto os de agora – ou mais – aconteceram sob seu olhar complacente.

Como mostra nossa história moderna – desde o ciclo Vargas aos dias de hoje, passando pelo golpe militar de 1964 e a ditadura -, a grande imprensa brasileira escolhe lado e não hesita em defendê-lo. Tem amigos e adversários.

A uns agrada, aos outros ataca. 

No julgamento do “mensalão”, a discussão ética sempre foi, para ela, secundária. O  que interessava era seu potencial de utilização política.

Seria engraçado imaginar uma situação inversa, na qual os denunciados não fossem “lulopetistas” e sim representantes dos partidos que hoje estão na oposição. Se o STF fizesse como faz agora, não mereceria o coro de elogios que ouve, não seria tratado como bastião da moralidade.

Seus ministros, ao invés de receber tratamento de heróis, estariam sendo achincalhados.

Especialmente os indicados por Lula e Dilma. Pobres deles! Cada voto que emitissem contra um oposicionista seria suspeito (o que ajuda a entender porque, no caso concreto, exatamente esses se sintam no dever de ser punitivos ao máximo).   

Nunca foi tão apropriada a teoria de que a eleição municipal é a ante-sala da presidencial. Não para a maioria do eleitorado, que não pensa assim. Mas para a oposição – nos partidos políticos, na mídia, no Judiciário, na sociedade.

Fizeram tudo que podiam para transformar as eleições em uma derrota para Lula e o PT. Imaginaram que os dois sairiam delas menores, derrotados nos principais embates. E que, assim, chegariam à eleição que interessa, a presidencial de 2014, enfraquecidos.

Não foi isso que ocorreu nos confrontos que terminaram no dia 7 de outubro. Pelo contrário. Se as pesquisas de agora forem confirmadas, não é isso que ocorrerá no próximo domingo.

Goste-se ou não do ex-presidente e de seu partido, é um fato. E contra fatos, não há argumentos.

Kit Serra

Por Janio de Freitas, na Folha de S. Paulo

Os incidentes entre José Serra e repórteres multiplicam-se. O repórter brasileiro está entre os mais mansos. Mesmo quando suscita tema delicado, mantém-se distante, muito distante, dos modos incisivos dos repórteres americanos e europeus, que não admitem a função profissional condicionada a cuidados com ares hierárquicos, muito menos a ares intimidatórios.

José Serra conviveu bastante em jornal, no grupo de formulação de editoriais da Folha. Como político, pôde ver a maneira quase dócil do repórter brasileiro na abordagem e na relação funcional com políticos, empresários de porte e ocupantes de cargos de relevo em governo. Como frequentador de redação, José Serra pôde ver que a transposição do trabalho dos repórteres no jornal depende do trabalho interno de edição. Este, sim, definidor dos realces, do tom, das localizações, do uso de fotos (e das legendas do tipo “Fulano segura um copo”, para a foto do fulano segurando um copo).

Apesar daquelas oportunidades de aprendizado e compreensão, José Serra mantém um clima hostil e intimidatório na proximidade de repórteres. Daí seguem-se agressões verbais em direção errada e às quais não falta um componente de covardia, dada a improbabilidade da resposta adequada.

Mas é indispensável reconhecer que os jornalistas não são alvos exclusivos da agressividade verbal de Serra. Sua prometida campanha na base de paz e amor é mensurável pela sucessão de artigos que cobram menos ataques pessoais e alguma abordagem de temas paulistanos. Nessa deformação da campanha Fernando Haddad tem sua cota de responsabilidade.

Se Haddad tem ideais a propor a São Paulo, não se justifica que adira à troca de agressões alheia à razão de ser de eleições. Não falta matéria-prima –na campanha, na política, na vida– para uns dois tarugos que deem resposta a Serra, e pronto. A partir disso, é olhar para o que interessa ao eleitor.

A tentativa de homicídio verbal é própria de campanhas eleitorais. Mas desde que seja em torno de posições quanto aos problemas preocupantes do eleitorado, desde que se dê motivada pelo confronto conservadorismo administrativo (predominante em São Paulo) ou de buscas inovadoras. Chega de jogo sujo nas campanhas. Rebaixá-las assim é trapaça.

Não tenho capacidade de imaginar como é a cabeça de um prefeito e a de governador que esbanjam fortunas em festividades, obras de engodo, dia disso e daquilo, futebol, tudo onde “a espera por atendimento de um endocrinologista é de dez meses”, “pacientes reclamam que exames mais específicos, como densitometria, chegam a demorar até dois anos”, revelação do jornalista Nilson Camargo sobre medicina em certas áreas da capital (Folha, pág. A2, 13/10/12).

A meu ver, não menos doentes do que tais necessitados são o prefeito e o governo de sua rica São Paulo. Mas doentes de outros males. Cabeças razoavelmente sensatas, ou medianamente sadias, não tolerariam desperdiçar nem um minuto e nem um centavo dos seus poderes enquanto não exterminassem realidades revoltantes como a da perversidade exposta por Nilson Camargo.

Diante disso, a disputa eleitoral em São Paulo-capital volta a ser submetida ao “kit Serra”, composto de insultos, desdizer-se, agressões verbais e mania de perseguição.