FHC e o cavaleiro da triste figura

Por Izaías Almada

Elevado à invejável condição de conselheiro da oposição venezuelana ao presidente Hugo Chávez (provavelmente a oposição mais incompetente e retrógrada da América Latina) e tal qual um Dom Quixote às avessas, o sociólogo e ex-senador da República,Fernando Henrique Cardoso, que durante oito anos ocupou a presidência da República Federativa do Brasil, tem aproveitado alguns espaços que lhe concede a mídia nativa para deitar falação sobre aquilo que entende ser ainda da sua competência, investindo contra moinhos da sua não tão rica imaginação.

Conhecido por sua capacidade em ser prolixo ou mesmo de causar alguma entropia ao expressar o próprio pensamento, questão abordada com acuidade pelo pensador e humorista Millôr Fernandes, o incansável sociólogo costuma perorar contra o findo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, arriscar algumas profecias sobre o que poderá ser o governo da presidenta Dilma Roussef e, ainda sob a ressaca da derrota de seu fiel escudeiro nas últimas eleições presidenciais, arriscar opiniões sobre os caminhos que a oposição brasileira deveria trilhar nos próximos anos, como, por exemplo, deixar o povão de lado e se embrenhar mais pelos rincões da classe média de cabeça feita pela velha mídia e por alguns blogues limpinhos e cheirosos. Ou que seu partido deve se aliar ao que de mais conservador existe no cenário partidário no Brasil, o DEM.

Dele, disse há algum tempo Millôr Fernandes em um de seus implacáveis escritos:

“De uma coisa ninguém podia me acusar — de ter perdido meu tempo lendo FHC (superlativo de PhD). Achava meu tempo melhor aproveitado lendo o Almanaque da Saúde da Mulher. Mas quando o homem se tornou vosso Presidente, achei que devia ler o Mein Kampf (Minha Luta, em tradução literal) dele, quando lutava bravamente, no Chile, em sua Mercedes (“ A mais linda Mercedes azul que vi na minha vida”, segundo o companheiro Weffort, na tevê, quando ainda não sabia que ia ser Ministro), e nós ficávamos aqui, numa boa, papeando descontraidamente com a amável rapaziada do Dops-DOI-CODI.”

Como todo bom autista político, o senhor FHC diz que seu partido deve esquecer o povão. E eu pergunto: desde quando o PSDB, em especial o paulista, se preocupou com o povão? Nos anos dourados do neoliberalismo e do convescote peessedebista em São Paulo, a mídia, a classe política neoconservadora e sua particular e encomiástica turma acadêmica enchiam o peito e babavam com as sandices (sempre ditas com o ar de ciência política) proferidas pelo louvado sociólogo. Cito uma vez mais Millôr Fernandes:

“O que me impressiona é que esse homem, que escreve mal — se aquilo é escrever bem, o meu poodle é bicicleta — e fala pessimamente — seu falar é absolutamente vazio, as frases se contradizem entre si, quando uma frase não se contradiz nela mesma, é considerado o maior sociólogo brasileiro.

Nunca vi nada que ele fizesse (Dependência e Desenvolvimento na América Latina, livro que o elevou à glória, é apenas um Brejal dos Guajas mais acadêmico) e dissesse que não fosse tolice primária. “Também tenho um pé na cozinha”, “(os brasileiros) são todos caipiras”, “(os aposentados) são uns vagabundos”, “(o Congresso) precisa de uma assepsia”, “Ser rico é muito chato”, “Todos os trabalhadores deviam fazer checape”, “Não vou transformar isso (a moratória de Itamar) num fato político”. “Isso (a violência, chamada de Poder Paralelo) é uma anomia”. “E por aí vai…”

FHC é hoje uma figura patética. Uma espécie de cavaleiro da triste figura e que não tem nada de ingênuo nos seus ideais. Ele e seu fiel escudeiro José Serra nem de longe nos comovem como os personagens de Cervantes. Pelo contrário: o mundo que enxerga esse senhor e as fantasias que dele faz, apenas confirmam o seu descompasso com esse vigoroso Brasil que surgiu após o seu desastroso, entreguista, incompetente e não menos corrupto governo.

O país deveria não só esquecer o que esse senhor escreveu, mas também apagar de sua memória histórica esse personagem de tão triste figura.

Buuu para o LULA!

Por Luis Fernando Veríssimo

Diálogo urbano, no meio de um engarrafamento. Carro a carro.

– É nisso que deu, oito anos de governo Lula. Este caos. Todo o mundo com carro, e todos os carros na rua ao mesmo tempo. Não tem mais hora de pique, agora é pique o dia inteiro. Foram criar a tal nova classe média e o resultado está aí: ninguém consegue mais se mexer. E não é só o trânsito. As lojas estão cheias. Há filas para comprar em toda parte. E vá tentar viajar de avião. Até para o exterior – tudo lotado. Um inferno. Será que não previram isto? Será que ninguém se deu conta dos efeitos que uma distribuição de renda irresponsável teria sobre a população e a economia? Que botar dinheiro na mão das pessoas só criaria esta confusão? Razão tinha quem dizia que um governo do PT seria um desastre, que era melhor emigrar. Quem pode viver em meio a uma euforia assim? E o pior: a nova classe média não sabe consumir. Não está acostumada a comprar certas coisas. Já vi gente apertando secador de cabelo e lepitopi como se fosse manga na feira. É constrangedor. E as ruas estão cheias de motoristas novatos com seu primeiro carro, com acesso ao seu primeiro acelerador e ao seu primeiro delírio de velocidade. O perigo só não é maior porque o trânsito não anda. É por isso que eu sou contra o Lula, contra o que ele e o PT fizeram com este país. Viver no Brasil ficou insuportável.
– A nova classe média nos descaracterizou?
– Exatamente. Nós não éramos assim. Nós nunca fomos assim. Lula acabou com o que tínhamos de mais nosso, que era a pirâmide social. Uma coisa antiga, sólida, estruturada…
– Buuu para o Lula, então?
– Buuu para o Lula!
– E buuu para o Fernando Henrique?
– Buuu para o… Como, “buuu para o Fernando Henrique”?!
– Não é o que estão dizendo? Que tudo que está aí começou com o Fernando Henrique? Que só o que o Lula fez foi continuar o que já tinha sido começado? Que o governo Lula foi irrelevante?
– Sim. Não. Quer dizer…
– Se você concorda que o governo Lula foi apenas o governo Fernando Henrique de barba, está dizendo que o verdadeiro culpado do caos é o Fernando Henrique.
– Claro que não. Se o responsável fosse o Fernando Henrique eu não chamaria de caos, nem seria contra.
– Por quê?
– Porque um é um e o outro é outro, e eu prefiro o outro.
– Então você não acha que Lula foi irrelevante e só continuou o que o Fernando Henrique começou, como dizem os que defendem o Fernando Henrique?
– Acho, mas…
Nesse momento o trânsito começou a andar e o diálogo acabou.

Um Larry Rother para Aécio Neves

por Eduardo Guimarães, no Blog da Cidadania

Um dos fatores que furtaram da grande mídia o poder de influir na decisão de voto dos brasileiros fica evidente no recente caso envolvendo o ex-governador de Minas Gerais e atual senador tucano por esse Estado, Aécio Neves, flagrado dirigindo bêbado pelas ruas do Rio de Janeiro.

O mais interessante é que essa grande mídia, infestada por colunistas que cheiram mais do que bebem e que transformou em “fato”  invenções jamais comprovadas de que o ex-presidente Lula seria alcoólatra, por Aécio ser tucano não diz um A sobre suas bebedeiras públicas, sem falar nos boatos sobre uso de cocaína.

Em maio de 2004, o então correspondente do jornal The New York Times no Brasil, Larry Rother, publicou extenso artigo acusando o Lula de ser alcoólatra e dizendo que a “sociedade” estaria “preocupada” com seu “alcoolismo” em meio aos seguidos “fracassos” de seu governo – vejam só.

Aproveitando o embalo, poucos dias depois, em 16 de maio de 2004, a Folha de São Paulo chegou a publicar matéria com chamada na primeira página sob o seguinte título: “Alcoolismo marca três gerações dos Silva”. Acredite quem quiser, o jornal disse que o alcoolismo de Lula seria genético…

O artigo de Larry Rother foi uma armação entre o correspondente e o colunista da Veja Diogo Mainardi e serviria tanto para a oposição quanto para a imprensa, nos anos que se seguiriam, tentarem desmoralizar Lula para impedir que se reelegesse em 2006.

Ontem (segunda-feira), discuti longamente o assunto pelo Twitter com um dos maiores detratores de Lula que conheço, o ex-diretor de Redação do jornal O Estado de São Paulo Sandro Vaia, que, se não me engano, foi sucessor direto, naquele jornal, de um homem que se tornou o símbolo da grande imprensa brasileira, o editor-assassino Pimenta Neves, que jamais foi preso por ter assassinado uma namorada com um tiro nas costas. Vaia nega que a mídia tenha acusado Lula de alcoolismo (!).

A diferença de tratamento que a mídia dá a tucanos e petistas, no caso das drogas lícitas e ilícitas (como álcool, cocaína ou maconha) ganha uma roupagem toda especial. Parece haver uma obsessão midiática em acusar petistas de usarem ou estimularem o uso dessas drogas.

Vejam só os casos de Paulo Teixeira, deputado federal petista por São Paulo, e Fernando Henrique Cardoso. Ambos têm praticamente a mesma opinião sobre as drogas, sendo favoráveis à descriminalização da maconha. Apesar disso, a opinião de FHC é tratada com respeito e discrição pela mesma Folha de São Paulo que acaba de publicar manchete de primeira página acusando Teixeira de estimular uso da maconha.

A estratégia bolsonarista de negar os excessos que se diz publicamente vai se tornando uma característica da direita. O ex-editor do Estadão, supracitado, teimou comigo pelo Twitter que a mídia jamais acusou Lula de ser alcoólatra. Contudo, o próprio Larry Rother, naquele seu artigo, diz claramente que a mídia é que vivia espalhando acusações de alcoolismo do petista.

Eis o que disse Rother em seu já “histórico” artigo acusando Lula:

“Sempre que possível, a imprensa brasileira publica fotos do presidente com os olhos avermelhados e as bochechas coradas e constantemente fazem referências tanto aos churrascos de fim de semana na residência presidencial, onde a bebida corre solta, como aos eventos oficiais onde Da Silva parece nunca estar sem um copo de bebida nas mãos.

‘Eu tenho um conselho para o Lula’, escreveu em março [de 2004] o crítico mordaz Diogo Mainardi, colunista da ‘Veja’, a revista mais importante do país, enumerando uma lista de reportagens contendo referências ao hábito do presidente. ‘Pare de beber em público’, ele aconselhou, acrescentando que o presidente tornou-se ‘o maior garoto-propaganda para a indústria da bebida’ com seu notório consumo de álcool.

Uma semana depois, a mesma revista publicou uma carta de um leitor preocupado com o ‘alcoolismo de Lula’ e seu efeito na habilidade do presidente de governar. (…)”

Quem será o Larry Rother ou Diogo Mainardi de Aécio Neves? Sim, porque se existiram para Lula, contra quem não havia provas de alcoolismo, teriam que existir para Aécio, que acaba de ser flagrado dirigindo bêbado no Rio. Além de haver provas contra o tucano, a prova ainda inclui um crime relacionado à bebida.

Bem, podem esperar sentados. Nunca mais a mídia tocará no assunto do alcoolismo comprovado de Aécio Neves, à diferença do que fez com o suposto alcoolismo de Lula.

Só que a sociedade percebe isso. É tão escancarado que, na hora de votar, a maioria absoluta dos brasileiros, que tantas vezes votara como queriam Folhas, Estadões e Vejas, agora lhes dá uma banana.

Esse caso do alcoolismo comprovado de Aécio e a diferença de tratamento para o alcoolismo não-comprovado de Lula só ajuda as pessoas a entenderem como a mídia é desonesta e como não deve ser levada a sério quando trata de política. Por isso, quando tem acusação verdadeira a fazer, o povo ignora.

Não, não somos racistas

Não li mas já vi comentários sobre o livro “Não somos racistas” de Ali Kamel, diretor de jornalismo da Rede Globo. Por pequenos trechos que pude ver e pelos rumos que já tinha tomado o jornalismo daquela rede, e que se acentuaram com ele, não é estimulante. Da mesma forma que não foi quando me deram de presente “Gota de Sangue – História do Pensamento Racial”, do sociólogo Demetrio Magnoli. Corri até a livraria e troquei por outro. Explico.

Não tenho, infelizmente, o tempo que gostaria para a leitura fora da minha profissão, de tal forma que tenho que selecionar bem o que leio. Como professor de área de saúde tenho que estudar e escrever sobre a minha especialidade, o que não me tira “das minhas leituras”, mas diminui o tempo delas. Assim, fica muito difícil ler um livro sobre racismo de quem não consegue disfarçar o seu.

O título acima não vem do livro do Sr. Kamel, mas da conotação que lhe deu o jornalista Paulo Henrique Amorim.

A questão do racismo e do preconceito é muito mais complexa do que se possa imaginar e se quer enxergar. Ela é percebida a todo instante no dia-a-dia, pelos detalhes sutis e pelos não sutis. O deputado Jair Bolsonaro, por exemplo, poço de sensibilidade e bom senso na vida pública brasileira (também na privada, livre interpretação) não admite que é racista, imagine. Quem admite? Ainda mais agora que é crime.

Não conheço o ex-deputado José Carlos Aleluia. Só sei, isso pude acompanhar pela sua trajetória política, que se trata de alguém que não deve olhar para as pessoas de frente. Por fazer parte de um grupo político cujo único feito de destaque foi a obediência total, sem qualquer possibilidade de uma atitude própria, ao seu líder, não se pode esperar dele grandes atos.

Depois da repercussão (negativa) de um post seu no próprio site atribuindo à jornalista Marília Gabriela declaração contundente sobre Dilma Rousseff durante a campanha presidencial, e diante da ameaça de ser processado, o ex-deputado Aleluia correu e retirou o texto.

O Sr. Aleluia não foi eleito na última eleição, em outubro de 2010, o que o torna um ex-deputado. Pelo que li, ele mantém contato com os seus eleitores (!!!) através do seu site (não conheço). Expressão nacional que é, resolveu enviar uma carta cobrando explicações à Universidade de Coimbra pela concessão do título de Doutor Honoris-Causa ao Sr. Luis Inácio Lula da Silva.

Como definir o indefinível? Acho que nem o deputado Bolsonaro, com a sua sabedoria, conseguiria. Grande repercussão negativa. Acabei de ler que, outra vez, para variar, o engenheiro Aleluia correu e modificou o texto postado.

Esse episódio é de uma complexidade tamanha que caberia uma discussão profunda por parte da sociedade. Por outro lado, ele é de uma clareza tão grande, que não precisa de discussão nenhuma. Na minha indefinição, prefiro que você leia Mauro Santayana.

De olhos opacos no turbilhão do mundo

Mauro Santayana

O engenheiro baiano José Carlos Aleluia enviou carta ao Reitor da Universidade de Coimbra, protestando contra a concessão do título de Doutor Honoris-Causa ao operário Luis Inácio da Silva, que, com o apelido afetivo de Lula, presidiu ao Brasil durante oito anos. Sem mandato, Aleluia mantém contatos com seus eleitores, mediante um site na Internet.

Ele foi um oposicionista inquieto, ocupando, sempre que podia, a tribuna, no ataque ao governo passado, dentro da linha sem rumo e sem prumo do DEM. Aleluia considera uma ofensa às instituições acadêmicas o titulo concedido a Lula, e faz referência elogiosa à mesma homenagem prestada ao professor Miguel Reale. Esqueceu-se, é certo, de outros brasileiros honrados pela vetusta universidade, como Tancredo Neves. Não é preciso conhecer a teoria de Freud para compreender a escolha da memória de Aleluia.

O título universitário é, hoje,  licença profissional corporativa. O senhor Aleluia está diplomado para exercer o ofício de engenheiro. A Universidade o preparou para entender das ciências físicas, e é provável que ele seja  profissional competente, tanto é assim que ministra aulas. O título universitário certifica que o graduado estudou tal ou qual matéria, mas não faz dele um sábio. O conhecimento adquirido na universidade é importante, mas não é tudo. Volto a citar, porque a idéia deve ser repetida, os versos de um escritor mais identificado com a direita do que com a esquerda, T.S. Elliot, nos quais ele mostra a diferença entre ser informado, conhecer e saber: Where is the wisdom we have lost in knowledge? Where is the knowledge we have lost in information?

O título de Doutor Honoris-Causa, sabe bem disso o engenheiro Aleluia, não é  licença profissional, mas o reconhecimento de um saber, construído ao longo do tempo, tenha o agraciado ou não freqüentado a universidade. O papel da Universidade não deveria ser o que vem desempenhando – o de conferir certificados de preparação técnica -, mas o de abrir caminho à busca do saber. O Senador Christovam Buarque, com a autoridade de quem foi reitor da UNB, disse certa vez que a Universidade ideal será aquela que não expeça diplomas.

Lula, com os seus defeitos, e não são poucos, é um doutor em política. Um chefe de Estado não administra cifras, não faz cálculos estruturais, não prolata sentenças, nem deve escrever seus próprios discursos. Cabe-lhe liderar os povos e conduzir os estados, e isso dele exige muito mais do que qualquer formação escolar:  exige a sabedoria que desconfia do conhecimento, e o conhecimento que se esquiva das informações não confiáveis.

A universidade é uma instituição relativamente nova na História. Ela não foi necessária para que os homens, com Demócrito, intuíssem a física atômica; com Pitágoras e Euclides, riscassem no solo  figuras geométricas e delas abstraíssem os teoremas matemáticos; e muito menos para que Fídias fosse o genial arquiteto e  engenheiro das obras da Acrópole e o escultor que foi. Mais ainda:  as maiores revoluções intelectuais e sociais do mundo não dependeram das universidades, embora nelas se tenham formado grandes pensadores – e sua importância, como centro de reflexões e pesquisas, seja insubstituível. O preconceito de classe contra Lula sela os olhos de Aleluia e os torna opacos.

Solidário o meu autodidatismo com o de Lula, quero lembrar o grande escritor norte-americano Ralph Waldo Emerson: um talento pode formar-se na obscuridade, mas um caráter só se forma no turbilhão do mundo.

É no turbilhão do mundo que se forma o caráter dos grandes homens.

O engenheiro José Carlos Aleluia é uma prova de que não somos racistas.

PS. Ontem, 31/03/2011, a Universidade de Salamanca, na Espanha, uma das cinco mais antigas do mundo, aprovou por unanimidade a concessão do título de Doutor Honoris-Causa ao senhor Luis Inácio Lula da Silva. O engenheiro deve estar escrevendo outra carta.

A nacionalização do carnaval… do Rio de Janeiro

Você lembra da Copa do Mundo de 2002? Lembra quem foi o campeão? Respondeu Brasil? Acertou.

Lembra a campanha feita para levar Romário? Lembra quem fez uma pressão insuportável para isso? Respondeu Globo/Galvão (Bueno)? Acertou.

Chegou a ver a coletiva de Luis Felipe Scolari, o “Felipão”, no Rio de Janeiro, pouco antes de embarcar para a copa? Os jornalistas se queixavam de que ele não estava levando ninguém (nenhum jogador) do Rio. Chegou a um ponto que ele não agüentou e disse: “não tenho culpa se mataram o futebol carioca”. O mundo veio abaixo. A Rede Globo quase mandou matar o Felipão.

Não tinha lugar para Romário. O time voltou com o penta campeonato. Apesar de Galvão Bueno e da Globo.

Existem coisas sutis, outras nem tanto. Já há muito tempo a Globo vem perdendo a sutileza, o que não é bom. É um indício de que ela acha que já conseguiu o(s) seu(s) objetivo(s) e agora pode escancarar, pode deixar a sutileza de lado.

Por que falei que ela acha e não que já conseguiu? Porque, por exemplo, no final do ano passado, ali por outubro mais ou menos, ela, que abusou da não sutileza, sofreu uma derrota humilhante. Mas, deixa pra lá.

Futebol e carnaval andam muito juntos no imaginário popular. Não na recente administração, mas há alguns atrás, César Maia (sim, aquele mesmo que em vez de administrar a cidade ficou no note book brincando de blogueiro) tornou “oficial” uma guerrinha surda e boba. Numa absoluta falta de compostura, falou mal do carnaval de Salvador e disse que ia mostrar que o carnaval do Rio de Janeiro era melhor.  Para resumir a história, logo após o carnaval a manchete de capa da revista Veja foi: “A nação baiana venceu”.

Vou repetir Felipão: ninguém tem culpa se mataram o carnaval do Rio. A beleza do Rio de Janeiro dispensa qualquer adjetivo. É simplesmente uma cidade maravilhosa, ponto. Agora, que acabaram seu carnaval, acabaram (sobre o futebol a gente fala um dia desses). As famosas bandinhas que inspiraram tanta coisa (de onde veio a concepção e concretização da Banda do Canecão, que alegrou o carnaval de tanta gente?), as pessoas brincando nas ruas. Acabou.

O carnaval do Rio ficou bonito, asséptico, organizado, concentrado num só lugar. Não mais se brincava carnaval, via-se carnaval. Os cariocas perderam a brincadeira, a zona, a descontração total, a esculhambação, que só o carnaval permite. A televisão ficou com o carnaval bonito, os cariocas ficaram sem carnaval. O maior espetáculo da Terra? Provavelmente sim. O maior carnaval da Terra? Certamente não.

Os cariocas (não só eles) descobriram um lugar onde ainda existia carnaval; Salvador. Vieram aos milhares, de todo o Brasil (foram e são bem-vindos), sob o efeito de um tipo de publicidade de efeito avassalador: o boca-a-boca. Incontrolável.

Nós, baianos, achávamos (e torcíamos) que era uma coisa passageira. Os muitos anos se passaram e os nossos anseios não se confirmaram.

Alguma providência tinha que ser tomada. O carnaval de Salvador não podia continuar “bombando”. Viam como uma sangria inaceitável ao carnaval do Rio. Ao longo dos últimos anos tentaram a pecha de carnaval violento. Lembro bem. Quarta-feira de cinzas do carnaval de 2007, o primeiro sob o governo de Jaques Wagner (eleito governador da Bahia em outubro de 2006, numa derrota humilhante do grupo de Antônio Carlos Magalhães). Às 20:15, a voz empostada de William Simpson (leia aqui para saber por que) Bonner (devidamente municiado pela TV Bahia, de Antônio Carlos Magalhães, justamente ele, o painho da Bahia) anuncia aos quatro ventos como primeira manchete do Jornal Nacional: “Aumenta a violência no carnaval de Salvador” (o negrito é a voz empostada).  Não funcionou.

Depois aquela coisa ridícula de dizer que o povo não brinca, só “as pessoas que podem pagar”, numa referência aos blocos (um dia desses conversaremos sobre essa bobagem). Não cola.

Uma tentativa mais sutil (viu que reconheço que não perderam completamente a sutileza) tem sido posta em prática. Dedicar menos espaço ao carnaval de Salvador e mais a outros carnavais nos tele-jornais. Não tem funcionado. A cada ano, mais gente. O boca-a-boca é inigualável como peça de marketing.

Estou enxergando demais? Então veja o que foi publicado no Blog do Nassif.

Na Globo, folia do Rio teve tempo 400% maior que BA e PE

Claudio Leal

Na cobertura pré-carnavalesca, de 13 de fevereiro a 3 de março, a Rede Globo privilegiou o Carnaval do Rio de Janeiro em detrimento das festas em Salvador, Recife e São Paulo. Uma pesquisa realizada pela empresa MidiaClip, da Bahia, demonstra o desequilíbrio nos espaços jornalísticos da emissora. Os telejornais das redes Band, SBT, Record e TV Brasil também foram monitorados no mesmo período.

A Globo dedicou 60 minutos para a folia no Rio, 17min39s para São Paulo, 06min34s para Recife, 05min46s para Salvador, e 11min23s para outras praças. Estados com os maiores carnavais de rua do País, Bahia e Pernambuco foram desidratados no Bom Dia Brasil, Jornal Hoje, Fantástico, Jornal Nacional e Jornal da Globo.

O Rio ganhou, aproximadamente, um tempo 400% maior que Recife e Salvador. Quando se inclui São Paulo no cálculo, o carnaval carioca teve duas vezes mais tempo que os carnavais baiano, pernambucano e paulista somados.

Noutras palavras, o jornalismo da Globo “nacionalizou” apenas a folia carioca. A pesquisa não contabilizou as vinhetas promocionais das escolas de samba nos intervalos da emissora.

Na estatal TV Brasil, o Rio de Janeiro volta a vencer no tempo de promoção do Carnaval: 25min34s. Salvador mereceu 07min14s.

Segundo o monitoramento da MidiaClip, o SBT e a Band “foram as duas redes que deram mais primazia ao Carnaval de outros estados em detrimento do Rio. A TV de Silvio Santos ofereceu folgados 14 minutos e 11 segundos à cobertura do pré-carnaval baiano, enquanto a Band utilizou 06min57 segundos de sua cobertura para as escolas de samba de São Paulo”.

A Band tem se destacado pelo investimento na cobertura do carnaval baiano. Em 2011, ela e o SBT montaram camarotes próprios em Salvador.

Ah, ia esquecendo. O velho e bom carnaval do Rio está voltando. Parabéns cariocas. Aqui na Bahia a torcida é enorme para que isso aconteça. Mas, não es
queçam. Não deixem a Globo entrar. Ou então chamem o Felipão.

Os flanelinhas do carnaval da Bahia

Graças ao histórico descaso dos governos brasileiros com aquela camada da população que não teve acesso ao mínimo de direitos, surgiram inúmeras distorções sociais, que muitas vezes não queremos ver e se torna muito mais fácil atribuir-lhes a pecha de indolentes e irresponsáveis: não estudaram porque não quiseram.

 Para uma sociedade que não consegue se ver responsável pelas disparidades sociais existentes, esse tipo de indignação é um caminho bastante prático e cômodo e muito utilizado. Vemos isso nas nossas relações diárias.

 Essas distorções trouxeram mudanças ao dia-a-dia e uma é bastante irritante; a dos flanelinhas. São aquelas pessoas que “guardam” o seu carro nas vias públicas. Estenda-se isso a aqueles que lavam o para-brisa dos carros nos sinais de trânsito. Agressivos, ameaçadores, principalmente quando são mulheres que estão ao volante, constituem um fenômeno social lamentável sob todos os aspectos. Irritante. Tornaram-se os donos das ruas e se revoltam quando não atendidos nos seus pleitos. Daí a coação, a ameaça.

 Só para reforçar. Identifico e reconheço a grave questão social da qual essa sociedade pobre e vazia (luto para conter as palavras que insistem em querer sair para melhor defini-la) é co-responsável direta. Também só para reforçar, essa sociedade, por ser o que é, jamais vai identificar e se reconhecer como co-autora desse processo.

 No entanto, mesmo sob esses argumentos, não é aceitável que essas pessoas atingidas por esse processo covarde e perverso pensem possuir o direito de se sentirem donos das ruas. Enfim!

 Existem, entretanto, flanelinhas que, como os citados acima, também se tornaram donos das ruas, mas que não só são aceitos, e muito bem aceitos, como paparicados. São alguns dos cantores do carnaval da Bahia. Tornaram-se os donos das ruas, ou, também como os seus colegas menos afortunados, pelo menos assim se imaginam. São vários os momentos em que isso se manifesta.

 O episódio mais recente é o da ex-há muito tempo-rainha do axé, Daniela Mercury (depois que Ivete Sangalo pintou no pedaço, restou muito pouco espaço). Ao pedir que a corda do seu bloco apertasse mais a “pipoca” para dar mais espaço aos seus foliões (no momento em que o trio Armandinho, Dodô e Osmar estava parado por um defeito), ela confirmou a perda de qualquer traço de identificação com o povo, se algum dia ele existiu.

 É claro que não tenho a ingênua pretensão de querer identificar nos flanelinhas do carnaval baiano qualquer possibilidade nesse sentido, de identificação com o povo, longe de mim. Mas não precisa ser tão esnobe.

 O Carnaval da Bahia é e sempre será forte pelo seu povo festeiro e a magia inexplicável que o envolve. Os flanelinhas chegaram, criaram e fortalecerem a indústria do carnaval. Aí é outra história.

 Com essa indústria fizeram fortunas. Ótimo, parabéns. Que dêem as costas para o povo e cantem para os camarotes, que babem as autoridades e pessoas ilustres nesses camarotes, que babem a imprensa, conivente sempre que lhe é conveniente. Mas não sejam ainda mais indecentes.

 O mesmo verão maravilhoso que traz milhares de turistas a essa terra encantada e mágica que é a Bahia, arrebenta os cordeiros dos blocos durante os circuitos do carnaval. Como têm a coragem de negar a esses pobres miseráveis, com suas diárias miseráveis, entre outras coisas o “direito” a 3 copos de água durante o circuito. Argumentam que não estariam preparados para arcar com essa despesa, e saem comprando jatinhos, fazendas, vinícolas…

 Por outro lado, as verdadeiras fábulas que são as dívidas que têm perante a prefeitura já chegaram a ser perdoadas por um ex-prefeito de Salvador (devidamente orientado e autorizado pelo antigo cacique). Resultado; horas a fio bajulando senador, governador, prefeito (o que perdoou as dívidas) de forma asquerosa naqueles camarotes destinados às autoridades (clique aqui para ler Os cantores da Bahia http://www.endodontiaclinica.odo.br/pages/posts/os-cantores-da-bahia14.php).

 Quando um outro prefeito ameaçou cobrar essas pendências, todos fizeram “biquinho” diante do seu (prefeito) camarote em um carnaval há pouco tempo atrás. Ameaçados nos seus “direitos”, ameaçaram com a possibilidade de deixarem o carnaval e chegaram dizer que eram o carnaval da Bahia. Que experimentem sair do carnaval, para ver quem desaparece, se o carnaval ou eles.

 Os flanelinhas das ruas da Bahia me irritam. Quando tento vê-los pela ótica do que fez surgir essa aberração social, procuro me acalmar.

 Os flanelinhas do carnaval da Bahia me irritam. Não há ótica que me faça aceitar essa aberração social. E aí não consigo me acalmar.

Os números da Globo: lenta decadência

por Rodrigo Vianna

Altamiro Borges e Paulo Henrique Amorim destacam fatos que demonstram a decadência da TV Globo.

O texto de Miro mostra que o Faustão – em crise de audiência (e de faturamento?) – demitiu a banda de músicos. E que o “Fantástico” enfrenta a pior crise de sua longa história. O Paulo Henrique relata como a audiência do “JN” encolheu em dez anos: o jornal apresentado por Bonner perdeu um de cada quatro telespectadores de 2000 para 2010 – são números oficiais do IBOPE.

São fatos. Não é bom brigar com eles. Mas é bom analisar esse proceso com cautela.

Quando entrei na TV Globo, em 95, o “JN” dava quase 50 pontos de audiência. Era massacrante.  O “Globo Repórter” dava perto de 40 pontos.

Em 2005/2006, quando eu estava prestes a sair da emissora, o “JN” já tinha caído pra casa dos 36 ou 37 pontos (havia dias em que o jornal local conseguia mais audiência do que o principal jornal da casa) e o “Globo Repórter”  se segurava em torno de 30 ou 32 pontos (programa que desse menos de 30 abria crise, era preciso sustentar a marca dos 30).
Esse tempo ficou pra trás. O “JN” já caiu pra menos de 30 pontos. E o Globo Repórter hoje patina em 24 ou 25 – dizem-me.

O “Jornal da Record” dobrou de audiência. Em São Paulo chega a 10 pontos, em outros Estados passa dos 12 ou 13. Nas manhãs, a Globo e a Record (com o SBT um pouco atrás) brigam pau a pau. E a Record vence em muitos horários matutinos, há meses. Aos domingos, a Globo também sofre. A grande jóia da coroa da emissora carioca é o horário nobre durante a semana: novelas+ JN. Nesse caso, os números revelam que o domínio da Globo se reduz, ainda que de forma lenta.

Muita gente espera o dia em que a Globo vai passar por uma hecatombe e deixará de ser a Globo. Acredito que isso não vai acontecer: a queda será lenta, negociada, chorada…
 
A Globo poderia ter quebrado ali pelo ano 2000. No primeiro governo FHC, Marluce (então diretora geral) tivera duas idéias “brilhantes”: tomar dinheiro emprestado, em dólar, para capitalizar a empresa de TV a cabo do grupo; e centralizar as operações numa “holding”. Ela acreditou nas previsões do Gustavo Franco e da Miriam Leitão, de que o Real valeria um dólar para todo o sempre! Passada a reeleição de FHC, em 98, o Brasil quebrou, veio a crise cambial e a Globo ficou pendurada numa dívida em dólar que (de uma semana pra outra) triplicou.

A dívida era da TV a cabo mas, como Marluce e os geniais irmãos Marinho tinham centralizado as operações na holding, contaminou todo o grupo. A Globo entrou em “default”. Quebrou tecnicamente. Poderia ter virado uma Varig. Mas conseguiu (sabe-se lá com quais acordos e pressões políticas) equalizar a dívida.

Quando saiu da crise, em meados do primeiro mandato de Lula, a Globo (o jornalismo) estava já sob os auspícios de Ali Kamel – o Ratzinger. Ele conduziu a empresa para a direita: contra as cotas nas universidades, contras as políticas de combate ao racismo (“Não somos racistas”, diz), contra o Bolsa-Família. O grande público não percebe isso de forma racional. Mas (mesmo que de forma despolitizada) sente que a Globo ficou contra todos os avanços sociais dos últimos 8 anos. Lentamente, foi-se criando uma antipatia no público. Ouve-se por aí: a Globo não fica do lado do povão.

Não é à toa que um fenômeno novo surge nas grandes cidades, como São Paulo. Nas padarias, restaurantes populares, pontos de táxi, era comum ver televisores ligados sempre na Globo. Isso há 7 ou 8 anos. Acabou. De manhã, especialmente, a programação da Record e do SBT (e às vezes também dos canais a cabo) entra nas padarias, ocupa os lugares públicos.

Essa é uma mudança simbólica.

Mas é bom não brigar com outro fato: boa parte do público segue a ter admiração e carinho pela progamação da Globo. E há motivos pra isso, entre eles a qualidade técnica. A iluminação, a textura da imagem, o cuidado com o bom acabamento. Tudo isso a Globo conseguiu manter – apesar de muitos tropeços aqui e ali.

Fora isso, apesar de toda crítica que façamos (e eu aqui faço muito) ao jornalismo global, é bom não esquecer que na TV da família Marinho há sim ótimos profissionais, gente séria que tenta (e muitas vezes consegue) fazer bom jornalismo. 

Esse capital – qualidade técnica – a turma do Jardim Botânico tem conseguido manter. O que não ajuda: a política editorial, adotada por exemplo durante a posse de Dilma. Ironias desmedidas, falta de compreensão do momento histórico e uma arrogância de quem se acha no direito de “ensinar” como Dilma deve governar. A seguir nessa toada, a decadência será mais rápida…

E o que mais pode entornar o caldo por lá? Grana.

A Globo tem custos altíssimos de produção. Quem conhece de perto o Projac diz que aquilo é uma fábrica de boas novelas e minisséries, mas também uma fábrica de desperdício. Empresa familiar, que cresceu demais. Cada naco dominado por um diretor, como se fosse um feudo. Até hoje a Globo conseguiu manter essa estrutura porque ficava com uma porção gigante das verbas públicas de publicidade (isso mudou com Lula/Franklin) e com uma porção enorme da publicidade privada: o BV – bônus em que a agência é “premiada” pela Globo se concentrar seus anúncios na emissora – explica em parte essa “mágica”; outra explicação é que a Globo detem (detinha!?) de fato fatia avassaladora da audiência.

Com menos audiência, as agências (ou as empresas anunciantes, através das agências) podem pressionar para que o valor dos anúncios caia. Se isso acontecer, a Globo vai virar um elefante branco. Impossível manter aquela estrutura verticalizada se a grana encurtar.

Qual o limite que a Globo suporta? Difícil saber. Mas dispensa da banda do Faustão é um indicador de que a água pode estar subindo rápido.

Outro problema sério: o risco de perder a transmissão do futebol, ou de ter que pagar caro demais para mantê-lo.

Tudo isso está no horizonte. E mais: a entrada das teles no jogo. O Grupo Telefônica, por exemplo, fatura dez vezes mais que a Globo. Como concorrer? Só com regulação do mercado, assegurando nacos para os propr
ietários nacionais.

Ou seja: a Globo – que é contra a regulamentação (“censura”, eles bradam) por princípio – vai ter que pedir água, vai ter que negociar alguma regulação pra conter os estrangeiros. E aí pode entrar também a regulação que interessa à sociedade: critérios para concessões, e também para evitar o lixo eletrônico e os abusos generalizados na TV. Regulação, como em qualquer país civilizado. Até aqui a Globo tentou barrar esse debate. Mas vai ter que aceitá-lo agora, porque ficou mais frágil.

De minha parte, não torço pra que aconteça nenhuma “hecatombe”, nem que a Globo quebre. Mas para que fique menos forte, e que o mercado se divida.

Parece que é isso que está pra acontecer. Seria saudável para o Brasil.

E a sociedade, como fica?

Publiquei aqui no site no dia 14/08/2010 um texto intitulado Stuart Angel (clique aqui para ler) e nele chamava a atenção para a imagem distorcida que a sociedade tem sobre “guerrilheiros assassinos”.

Sempre fiquei a pensar o que leva um homem ou uma mulher a abandonar bens materiais, conforto, família, e sair vida afora lutando por uma causa da qual não dependeriam. Talvez não tenha encontrado ainda a resposta. Tendo ou não, sempre guardei comigo um pouco de inveja deles.

Apesar de saber da sua competência, até por depoimentos de colegas do Rio Grande do Sul, onde foi secretária municipal da Fazenda de Porto Alegre e secretária estadual de Minas e Energia do Rio Grande do Sul, restava saber se Dilma Rousseff se sairia bem na campanha para a presidência da república.

Como vimos, uma campanha violenta, de baixíssimo nível. Entre tantas coisas, via a revolta de parte da sociedade pelo fato de uma terrorista assassina ser candidata ao mais alto cargo do Brasil. Fiquei muito confuso. Aquilo que havia de mais bonito, de mais romântico, de mais heróico na vida de Dilma Rousseff, era agora, devidamente disseminado na população, o mais covarde dos atos.

É da sociedade que surgem dois personagens muito parecidos: o eleitor e o torcedor de futebol. Individualmente, ponderam, muitas vezes com lucidez, mesmo diante da inexplicável paixão por um time de futebol. Como coletividade, também muitas vezes perdem essa capacidade.

A imprensa sabe, e explora muito bem, que ambos, eleitor e torcedor, tendem a reagir igualmente quando constituem a massa: perdem, parcial ou totalmente, a capacidade de discernir e se deixam levar mais facilmente.

E assim, a candidata Dilma Rousseff foi tratada: como uma guerrilheira assassina. E para completar, adicionaram a essa qualidade outras, como sapatão (faço questão de usar essa palavra porque, como era o desejo, agride mais), matadora de criancinhas, chefe de quadrilha, anti-religião, etc.

A presidente eleita Dilma Rousseff, entretanto, mereceu outro tratamento. Mal terminou a eleição, a imprensa se derreteu em elogios a ela. A Folha, que, entre outras coisas, durante a campanha forjara uma ficha falsa do DOPS sobre Dilma Rousseff (poucos ficaram sabendo, mas o jornal publicou um pedido de desculpas, mesmo que tenha sido em um canto de página, ao contrário das manchetes de dias seguidos com a ficha falsa), e o Estadão fizeram reportagens muito elogiosas, em um total desencontro com o que até então haviam publicado. Mas, sem dúvida, a Veja e o Jornal Nacional se superaram.

A edição de segunda-feira, 01/11/2010, do Jornal Nacional parecia dirigida por Fellini, tamanha a emoção. Uma produção hollywoodiana que quase me fez chorar. A guerrilheira assassina era agora uma mulher guerreira. William Bonner, que tinha sido tão deselegante com ela durante a campanha, com nítido encurvamento da espinha dorsal estendia um tapete vermelho e tornava-se o fã número 1 de Dilma Rousseff. Por sua vez, a Veja dedicou um número especial à presidente eleita, com elogios inimagináveis.

Diante de uma transformação tão rápida, o jornalista Luis Nassif foi muito feliz:

…Foi curiosa a reação dos comentaristas em geral. Muitos elogios, a constatação de que ela não era bem aquilo que se julgava que fosse, referências à clareza de idéias, a afirmação de que, finalmente, se sabe o que ela pensa.

E o que se viu foi a mesma Dilma Ministra das Minas e Energia, Ministra-Chefe da Casa Civil e candidata a presidente da República, com as mesmas idéias e propostas.

Ontem mesmo, no Valor Econômico, o presidente do Bradesco Luiz Carlos Trabucco Capi mostrava o que deverá ser o governo Dilma: investimento social, uso do pré-sal para políticas industriais e sociais, ênfase em programas tipo Minha Casa, Minha Vida. Ou seja, para o presidente do segundo maior banco privado brasileiro, nunca houve dúvidas maiores sobre como seria um governo Dilma.

No entanto, durante toda a campanha, Dilma foi apresentada como assassina, terrorista, sapatão, matadora de criancinhas, chefe de quadrilha, anti-religião etc. Qualquer tentativa de mostrar que não era isso resultava em reações agressivas, preconceituosas.

O que teria ocorrido para, apenas dois dias depois, ser saudada como uma presidenta de bom senso, no qual os mesmos jornais depositam esperanças de um bom governo?

Simples: acabaram as eleições.

E a sociedade, como fica? Foi (mais uma vez) manipulada pela imprensa? Sim. Ou alguém ainda tem dúvida? Mas, uma coisa me deixa perplexo.

O que significa Universidade? Será que é só “uma edificação ou edificações onde funciona uma instituição de ensino superior”, uma das definições do Novo Dicionário Aurélio?

Será que foi para o ingresso nessa universidade que meus pais saíram da nossa querida Juazeiro (Bahia) e enfrentaram dificuldades, como milhares de outros pais com seus filhos, para que eu, o primeiro membro de toda a família, pudesse ser um doutor?

Não, não foi. Mesmo sabendo do nenhum conhecimento do mundo dos doutores que meus pais possuíam, tenho absoluta certeza de que não era essa a universidade que eles queriam para os filhos deles. Certamente, imaginaram, na sua doce pureza, que a Universidade nos daria o conhecimento para contribuir com o desenvolvimento da raça humana.

Seria crueldade, ou omissão, da minha parte “aceitar” a manipulação de parte da sociedade porque não possuem o conhecimento de nível superior? Não parece uma coisa esnobe? Permitam-me aceitar isso sem que soe como algo muito pedante. Mas, onde estão os doutores?

Onde estão os homens que, por terem esse conhecimento superior, também se deixam manipular fácil e docilmente por uma imprensa que nada tem a ver com o bem estar do povo? Será que, por não sermos povo (não é assim que muitos pensam?), isso não nos afeta? Como sociedade, só nos cabe ratificar a afirmativa de Joseph Pulitzer de que “com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil quanto ela mesma”?

Não se trata simplesmente da escolha desse ou daquele candidato. Não, argumentar assim é absoluta
mente incompatível com os nossos conhecimentos superiores. Justificar-se o voto porque membros desse ou daquele grupo político, portador de um discurso ético, cometeram deslizes vai inteiramente de encontro à nossa inteligência. O pior de tudo, não é esta a razão. É algo mais, muito maior. É aquele algo que guardamos no fundo, bem lá no fundo, da alma.

E é esse algo que agora se manifesta com uma violência que se imaginava não existir mais.

“Vocês não sabem o que é ter olhos num mundo de cegos… sou simplesmente a que nasceu para ver o horror… Se tivesses olhos para ter que ver o que vejo, quererias ficar cego”.*

* José Saramago, no livro Ensaio sobre a cegueira.

Dois Brasis

Já tive oportunidade de falar sobre a questão do preconceito algumas vezes aqui no site.  Faço questão de transcrever trecho de um dos textos.

Uma questão bioética que já existe há algum tempo, o problema da pesquisa científica em seres humanos e mesmo em animais de laboratório, foi resolvida por um professor de endodontia de uma importante universidade brasileira.
“Sem problema, usa os baianos como cobaias… não servem para nada mesmo”
.

Clique aqui para ver o texto na íntegra e lá você encontrará outros sobre o tema .

Neste momento, pipocam pelo país manifestações de preconceito absurdo de um povo contra ele mesmo (pelo visto, não é o mesmo povo), como consequência do resultado da eleição para presidente da república.

Podia-se antever que não daria certo. Uma campanha política jamais poderia ter sido feita nos moldes em que essa foi feita. Restou um país rachado ao meio, com as idéias separatistas aflorando na sua forma mais perversa. Restaram manifestações de ódio, vingança, sentimentos que nunca tive dúvida existirem. Entretanto, latentes, aos poucos poderiam ser mais facilmente trabalhados. A exacerbação torna a tarefa extremamente mais difícil.

Quantos terão contribuído para o surgimento desse sentimento que ora se manifesta no seio do povo brasileiro? O que acontecerá daqui para a frente? Agora não se pode antever.

Peço que vejam os links abaixo para que possamos perceber a gravidade da questão.
http://www.youtube.com/watch?v=tCORsD-hx0w 
http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/regionalizacao-preconceitos-politicos
http://www.rodrigovianna.com.br/

Observem o tamanho da reação que isso começa a gerar.
http://www.diariodepernambuco.com.br/2010/11/02/politica3_1.asp

Como brasileiros, estamos convidados a fazer uma campanha para voltarmos a ser brasileiros, um único, solidário, tolerante e feliz povo.

Vocês não acham que esta é a melhor corrente, a verdadeira corrente do bem?

PS. De acordo com o sociólogo Marcos Coimbra “ao contrário do que certas pessoas imaginam, Dilma teria sido igualmente eleita se o Nordeste e o Norte não votassem. Ela não precisou do Brasil mais pobre para vencer. Somando os votos do Sudeste, do Sul e do Centro-Oeste, Dilma derrotou Serra. …Serra foi bem votado nesse conjunto de estados, mas perderia assim mesmo”. Confira aqui

Plantando flores

Era uma praia tranquila. Apesar de nuvens negras que pairavam sobre ela vez ou outra, durante quase todo o tempo mantinha-se com águas limpas, areia clara e apresentava a todos, nativos e visitantes, sua beleza tropical sob um céu claro e azul.

Como todo fenômeno inesperado, eis que surgiu no horizonte uma onda, inicialmente fraca, mas que, aos poucos, começou a dar a impressão de que chegaria à praia com muita força. Temeu-se que fosse um tsunami. Ao chegar cada vez mais perto, foi identificada como uma onda verde. Não era um tsunami, não se espalhou além dos limites da praia, mas, de fato teve grande impacto.

Interessante que o impacto maior não foi promovido pela onda verde em si. O grande impacto se deveu ao fato de ela trazer consigo uma outra onda, menor, descaracterizada, sem forças, mas que, graças a ela, conseguira chegar à praia.

Os dejetos despejados por embarcações piratas que vinham se acumulando na onda fraca mal chegavam à praia, mas já configuravam uma agressão ao meio ambiente. Esse foi o grande impacto causado pela onda verde. Ao trazer de carona a onda menor, descaracterizada, sem forças próprias, permitiu que esta depositasse uma quantidade de dejetos como nunca antes visto na história daquela praia.

Por um momento, quem sabe percebendo, ou pelo menos vislumbrando, a possibilidade de que aquela sujeirada ocorrera pela sua participação, indireta ou não, teve-se a impressão de que a onda verde arrastaria aquela onda menor, descaracterizada, sem forças, removendo os entulhos da praia.

Ledo engano. A onda verde revestiu-se de grande importância e determinou que não poderia se misturar a tudo aquilo que, na verdade, da sua chegada era a consequência maior. A onda verde lavou as mãos.

A onda menor, descaracterizada, sem forças, ganhou forças e, abandonando os limites da praia, espalhou-se e invadiu a cidade. Destruição total.

Casas e edifícios que se sabia não possuírem nenhuma solidez desde a sua construção foram as primeiras a sucumbir e, ao sucumbirem, os seus destroços se mostravam podres e se juntavam a aquela corrente que ganhara proporções muito próximas de não tão longínquas catástrofes naquela cidade. Algumas forças ocultas (a natureza da vida e seus mistérios) pareciam contribuir para a ação avassaladora da outrora onda fraca, descaracterizada, agora um tsunami. Mesmo algumas casas e prédios que pareciam inabaláveis, foram destruídas.

Porém, mesmo com uma ação como poucas vezes se manifestara anteriormente naquela cidade, como qualquer fenômeno também esse tsunami foi minando e perdendo as suas forças.

O tsunami passou e deixou para trás uma imagem desoladora. Este é o momento da grande reconstrução. Vamos todos, juntos, limpar toda a sujeira que ainda está na praia e na cidade, mas, sobretudo, plantar de novo nossas flores para que possam florescer outra vez à luz do Sol, que volta a brilhar.