Por Ronaldo Souza
Em função de alguns projetos pessoais que exigem tempo para ler e escrever, estou sem tempo para escrever e falar das coisas da vida de um modo geral.
No entanto, em nome da minha saúde, tenho que abrir o peito para de lá tirar as dores que me angustiam.
Faço-o escrevendo.
Previno assim, quem sabe, um infarto.
A minha perplexidade parecia ter encontrado o seu ápice, tamanha é a decadência da sociedade brasileira, particularmente daquele segmento no qual estou inserido; a classe média.
Composta, entre outros, de profissionais liberais, muitos eternamente aspirantes à elite com sua indigência intelectual e nos seus pequenos universos, a nossa classe média é um desastre.
Não pretendo me reportar ao pobre homem que ocupa a cadeira da presidência do Brasil atualmente.
Ainda que um completo asno, desqualificado para qualquer cargo, a indignação que ele provoca em qualquer ser pensante deve ser debitada à sua total e completa ignorância, mas também e sobretudo aos seus “graves distúrbios psicológicos”, conforme relatório quando da sua expulsão do Exército Brasileiro.
Flagro-me com certa frequência desejando perdoa-lo pela loucura que o aprisiona. Quem sabe isso poderia representar a minha elevação como ser humano.
Porém, diante de tantas coisas ruins que ele já fez e faz, diante da sua covardia, da sua maldade, dos seus sentimentos baixos, entristece-me a percepção de que estou longe de tamanha elevação espiritual.
Falo mais de quem está à sua volta, particularmente dos seus ministros civis e militares e dos seus assessores de um modo geral.
Pequenos homens e mulheres a serviço do preconceito e do ódio, que desmerecem qualquer sentimento de nobreza e dignidade destinado ao ser humano.
Falo também dessas coisas chamadas ministério público, judiciário, imprensa, monstrengos criados no Brasil nesses últimos tempos.
Mas falo principalmente da classe média.
“Uma abominação política porque fascista, uma abominação ética porque violenta, e uma abominação cognitiva porque ignorante”.
Forçada a se olhar no espelho por Marilena Chauí, que a definiu como poucos conseguiriam, a nossa classe média não consegue se ver.
Graças a isso, o que vemos se implantar hoje no país?
O fascismo bolsonarista.
Alguém pode negar essa violência que tomou conta de todos os cantos, particularmente das redes sociais?
A ignorância, que dói e deprime, dispensa comentários, por já ter sido reconhecida há muito tempo.
Agora, porém, além das palavras agudas e certeiras de Marilena Chauí que feriram a ferida, a classe média tem a lhe atormentar a doença da alma, a perda da dignidade a que se submeteram pessoas importantes da cena brasileira, num processo autofágico jamais visto.
Uma imprensa que perdeu completamente qualquer ligação com o jornalismo e se pauta por objetivos escusos.
Poderíamos realmente esperar algo diferente do SBT-Sílvio Santos, da Record-Edir Macedo e outros órgãos de imprensa, reconhecidos como moralmente falidos?
O que nos permitiria imaginar que o Grupo Globo assumiria uma postura digna e que pudesse ser chamado de órgão de imprensa, onde deveria imperar o compromisso com o jornalismo, se em nenhum momento da sua história ele nos deu qualquer sinal de que poderia ser este o seu caminho?
O que dizer de homens e mulheres escalados para viabilizar esse projeto de destruição do orgulho de ser do brasileiro e da soberania que este país há pouco tempo ousou ensaiar?
Homens e mulheres que vestem capas pretas assustadoras, que possuem o poder de transformar esses pobres homens e mulheres em seres humanos sórdidos.
Capas pretas que outros homens e mulheres conhecem em determinados momentos de sua atividade profissional e que, ao sentirem o poder que elas lhes outorgam, terminam, às vezes sem perceber, também se afastando das outrora nobres funções que lhes foram atribuídas, comprometendo o futuro das novas gerações.
Um triste cenário.
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Não é Janot que está louco, é o Brasil
Por Fernando Brito, no Tijolaço
Ora, vamos, o surto nárciso-canalho-psicótico de que foi acometido o senhor Rodrigo Janot não é um episódio isolado na vida brasileira.
É apenas uma erupção explícita do grave processo de infecção autoritária que, há anos, passou a acometer nossa sociedade, desde que as corporações judiciárias entraram em metástase, potencializada pela mídia, e passaram a pretender ser o poder supremo entre nós.
Valeram-se, para isso, do mais primário maniqueísmo, erigindo na Justiça lugar do “homens do bem” e, na política, os “do mal”.
O próprio Janot, no momento em que se associou à fúria dos imberbes de Curitiba, apanhou carona na condição de “herói” , com o patético cartar em que se exibia como “Esperança do Brasil”
Ser – neste caso sentir-se e ser visto como – “do bem” dava a eles direitos extraordinários, poder absoluto sobre as pessoas.
Aos “pecadores” da política era só esperar a chegada de seus arcanjos da Polícia Federal, bem cedinho, com seu Japonês ou Lenhador, trazendo a implacável ordem do Zeus de Curitiba e, depois, de suas sucursais: Marcelo Bretas, Valisney de Oliveira…
A política trocou programas, ideias, compromissos e passou a ser feita com prontuários e promessas de armas, balas e tiros.
O direito, à base de conveniências que o adequem aos imperativos morais como o de “não prejudicar a Lava Jato”.
Veja-se agora o caso em que quer-se “modular” um princípio constitucional, o da ampla defesa, condicionando-o a que o acusado o tenha reivindicado “tempestivamente”, o que é um rematado absurdo em se tratando de direito indisponível.
Estaremos condenados a um mundo onde a realidade deva conformar-se aos ditames morais, aos dogmas de um fundamentalismo judicial, onde o crime – como o que esteve à beira de ser praticado por Rodrigo Janot se justifica pela vítima?