Não era a primeira vez que acontecia. Às vezes começávamos a conversar e o tempo de consulta acabava. Reinaldo Pamponet, psicanalista e amigo de alguns anos. Sentado na minha cadeira de endodontista, também naquele dia o seu tratamento não foi realizado. Surgira uma conversa.
Falávamos de crescimento, não o físico, o outro, o do espírito, da alma, do intelecto, como queiram chamar. Relatos e exemplos comuns, como cada um faz a sua trajetória.
As amizades surgem em determinados momentos da vida e podem ou não se conservar. Elas são frutos de afinidades e estas têm muito a ver com o momento que se vive. Na infância, muito mais fácil, a inocência e a pureza dão as cartas.
Ponha crianças negras, brancas, orientais, quantas você quiser, para brincarem juntas. Tem racismo, discriminação social? Não, não tem. Só vão conhecer isso quando entrarem no mundo dos adultos, e aí todos têm participação decisiva, principalmente os pais. E elas se tornam racistas, discriminadoras, superiores.
Na adolescência é a vez do começar a descobrir o mundo e aí chegam os amores, as alegrias, as tristezas (como dói a tristeza do [des]amor). Algumas amizades da infância ainda estão aí, outras já se foram. Algo desconhecido está no ar, interferindo na amizade; surgem as diferenças. Postura, comportamento, projetos, prioridades. É a vida chamando, é hora de crescer.
Há um livro (A Sociedade da Decepção) de um filósofo francês, Gilles Lipovetsky (ainda vivo), que fala da perda de alguns valores pela alienação e individualismo exagerados, numa sociedade que ele chama de hipermoderna e cuja característica é o hiperconsumismo. Aí ele vai por uma linha cada vez mais clara nos dias de hoje e aborda um tema muito atual; o papel da mídia nesse processo, ainda que não se perceba isso.
Os recentes resultados de estudos que mostram a (in)capacidade de análise do aluno brasileiro assustam, mas não surpreendem. Há um detalhe, porém. Eles se reportam aos alunos, o que pressupõe a criança e/ou o adolescente, onde se teme a irreversibilidade do processo. E o adulto? Salta aos olhos o embotamento mental promovido pela grande mídia, um segmento que deveria informar melhor e ajudar a formar o cidadão. A manipulação da notícia nunca foi tão evidente.
Aí fica mais fácil entender porque na longa viagem do crescimento, um dia você olha para o lado e sente a falta de alguém e só aí se dá conta de que ele ficou na última estação. Mais um, depois outro… Outras estações chegarão e com elas uma angústia: quem seguirá viagem? Será que muitos?
Há uma frase antológica atribuída a Carlos Costa Pinto*; “A felicidade do homem está em nascer burro, viver ignorante e morrer de repente”.
Cruel? Talvez. Esnobe? Possivelmente. Verdade?…
O eremita está se aproximando e é assustador.
* Carlos Costa Pinto (1885 – 1946) – Comerciante e exportador de açúcar da Bahia. Da sua coleção particular surgiu o Museu Carlos Costa Pinto (veja aqui), um casarão em estilo colonial americano pertencente à família, que possui um acervo de cerca de 3.000 obras de artes decorativas dos séculos XVII ao XX.