Daltonismo

Alguma vez na sua vida você já teve uma discussão, ou presenciou alguma, em que uma pessoa não consegue enxergar algo óbvio, algo de uma clareza tão grande que não há como negar? O que você fez? Se irritou, perdeu as estribeiras, quis brigar, ou simplesmente se calou, engoliu e implodiu?

Uma discussão, acirrada ou não, é troca de idéias geralmente conflitantes, o que pressupõe diálogo. Em todo diálogo, portanto, em toda discussão, a possibilidade de aceitação de qualquer um dos pontos de vista tem que estar aberta. A idéia é essa e todos, isso mesmo, todos dirão que é assim que agem. Não é.

No meio científico, os temas que permitem discussão são diversos, portanto, um leque enorme de possibilidades de diálogo: através da discussão se chega à luz. Quantas vezes houve possibilidades abertas para a discussão e ela não ocorreu, ou quando ocorreu descambou para algumas agressões, inclusive pessoais?

Não estamos preparados para a discussão, porque simplesmente não estamos preparados para o diálogo. Poucas vezes ouvimos, e quando ouvimos não aceitamos. Nos tornamos pastores, pregadores de uma verdade única. É absolutamente natural que “briguemos” pelas nossas convicções e concepções. É natural que se usem, quem os possui, os dons pessoais, inclusive didáticos, na defesa dessas concepções. Muito natural. O que não é natural é não considerarmos a outra possibilidade, o outro lado, a outra verdade.

A Ciência trilha os caminhos certos. Nem sempre assim o fazem os cientistas. Segundo Rubem Alves* “O cientista virou um mito. E todo mito é perigoso, porque ele induz o comportamento e inibe o pensamento”. Criamos a verdade, ela é só nossa, e sequer ouvimos o outro.

De acordo com Nietszche**, “não há verdades definitivas. Apenas interpretações sobre a realidade, condicionadas pelo ponto de vista de quem as propõe”. Quantas verdades você já viu, colocadas por diferentes professores? E quantas vezes você viu essas verdades ditas como definitivas?

Você já ouviu falar de Sir John Dalton? Foi um químico inglês que descobriu a dificuldade de se diferenciar as cores, particularmente o verde do vermelho. Ele próprio tinha esse problema. A essa patologia deu-se o nome de daltonismo.

As idéias consagradas oferecem grande resistência às mudanças. Aquelas discussões sobre as quais falamos aí em cima, quando não se consegue enxergar algo óbvio, algo de uma clareza tão grande que não há como negar, mas é negado. Na academia também existe. Isso é daltonismo científico.

* Rubem Alves – Psicanalista e professor paulista
** Nietzsche – Filósofo alemão do século XIX.