De volta para o futuro

Futuro e passado

Por Ronaldo Souza

Em 1958 o Brasil ganhava a sua primeira Copa do Mundo.

Fui às ruas de Juazeiro (BA) com meu pai e a cidade, claro, era só festa.

Ao ver vários homens vestidos com a roupa da Seleção Brasileira, perguntei:

– Pai, são os jogadores da seleção?

Uma conquista que acabara de acontecer na Suécia permitiu mais uma viagem que somente a criança é capaz de fazer; os jogadores que ganharam a Copa do Mundo tinham “escolhido” as ruas de Juazeiro para comemorar o feito inédito.

A alegria daquela criança se irradiava pelo mundo.

Em 1962, dessa vez no Chile, o Brasil ganhava pela segunda vez a Copa do Mundo, mais uma grande conquista.

Novamente aquela criança vibrava, como vibrara e chorara com as vitórias e derrotas do seu time do coração, o Fluminense, do Rio de Janeiro.

No Rio, a alguns mil quilômetros de distância de Juazeiro, “morava” o seu time do coração e por ele já aprendera a rir e a chorar.

Para aquela criança do interior da Bahia, passara inteiramente despercebida uma grande conquista conseguida no seu próprio estado.

Em 1959, entre as duas Copas do Mundo ganhas pelo Brasil, o Bahia conseguira conquistar a 1ª Taça Brasil, a primeira competição nacional de futebol do Brasil.

O título foi decidido em uma série de três partidas com o famoso, inesquecível e poderoso Santos de Pelé e Coutinho, considerado por muitos o melhor time de futebol de todos os tempos.

O Bahia ganhou a primeira na Vila Belmiro (Santos) e o Santos ganhou a segunda na Fonte Nova (Salvador). Houve então necessidade de uma terceira partida, que tinha que ser em campo neutro.

Foi no Maracanã.

O Bahia venceu.

Teve assim a honra de ser o primeiro time brasileiro a representar o Brasil na Copa Libertadores da América.

Como tantas outras, aquela criança não tomou conhecimento da grande conquista do Bahia.

Como tantas outras, aquela criança literalmente desconhecia o futebol de sua terra.

Mas não eram somente as crianças.

Também os adultos, afinal, foi do seu pai, referência maior de sua vida, que ela herdou o amor pelo Fluminense.

Um amor, uma paixão, que nascera graças à imprensa do Rio de Janeiro, à época a mais poderosa do Brasil em se tratando de futebol.

Sem que o soubesse, já estava incorporado no seu ser o poder da imprensa e do que ela é capaz; de mexer com sentimentos fortes no coração das pessoas.

Somente a partir de 1963, quando a família se mudou para a capital, Salvador, o Bahia começou a dar os primeiros passos na direção do seu coração.

E, como um predestinado, dessa vez não foi a imprensa quem orientou os primeiros passos da viagem do Bahia para a conquista de mais um coração; “mais um, mais um Bahia…”, como canta o seu hino.

Foi o seu irmão caçula.

Foi ele que fez surgir no coração do irmão e do ainda jovem pai o amor pelo Bahia.

Surgiu assim a paixão pelo Bahia naquele menino de Juazeiro e do seu pai; levada pelo filho e irmão mais novo.

Sem contaminação.

Da forma mais pura; o filho mais novo apresentou o Bahia ao pai.

Talvez isso explique a paixão de meu pai pelo Bahia.

Como no campeonato de 1959, que foi decidido em 1960, o Bahia conquistou o título do campeonato brasileiro de 1988, decidido também no ano seguinte; 1989.

Tornara-se bi-campeão brasileiro.

E aquele era o momento para o grande salto.

O Bahia já era membro do famoso Clube dos 13, como único time do Brasil além dos tradicionais grandes do Rio, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

No momento de mudança de patamar, os dirigentes pensaram pequeno.

Continuaram voltados para o campeonato baiano e quando muito para o Nordeste, visão que tornou pequeno o  horizonte do clube.

Além disso, a vaidade de alguns deles.

Mas, o pior ainda estava por vir.

Sob o comando de dirigentes inescrupulosos, cujos interesses se puseram acima dos interesses do clube, o time mais popular, mais vencedor e de maior tradição do Norte e Nordeste do país viveu uma longa noite de escuridão e trevas.

E foi a sua torcida, a Torcida de Ouro, que desceu às profundezas em que o tinham jogado para resgata-lo.

Foram vários momentos de luta, uma luta incansável para resgatar o Bahia, na campanha “Devolva meu Bahia”.

Em um desses momentos, cinquenta mil torcedores foram às ruas de Salvador.

Devolva meu Bahia

Veja o que disse Juca Kfouri no seu blog.

“Resta dizer que jamais, repita-se, jamais uma torcida fez manifestação semelhante no Brasil”.

Ninguém parece resistir a ela.

Com essa força, como poderia alguém resistir?

Democracia tricolor

Todo esse movimento resultou no afastamento do presidente do Bahia e de sua diretoria.

Eleiçoes diretas no Bahia

O Sol então entrou por todas as portas e janelas.

Após inédita eleição com votos dos torcedores, Fernando Schmidt foi eleito para um mandato “tampão” de um ano e três meses, como fora estabelecido, até que houvesse novas eleições no clube.

“Vamos iniciar uma nova era, de transparência e democracia, no Bahia”, disse o novo presidente.

Após essa grande vitória da torcida tricolor, surgia um novo momento na vida do clube.

Em setembro de 2013 instalava-se a democracia no Bahia.

O momento era propício.

Respirava-se Democracia no país.

Em 13 de dezembro de 2014, exatamente 1 ano e 3 meses depois da eleição de Fernando Schmidt, Marcelo Sant’Ana foi eleito o novo presidente, agora sim pelo período de 3 anos.

Como em qualquer gestão, acertos e erros marcaram o tempo de Marcelo à frente do Bahia.

Sem dúvidas, porém, mais acertos que erros e, o mais importante, o clube dava sinais de que, de fato, tomava outro rumo; a moralização era evidente.

Jogadores e comissões técnicas já não deixavam o clube com queixas e processos na Justiça, algo corriqueiro nas gestões anteriores.

Começou a ficar comum ouvir-se algo que a mim, confesso, começou a “incomodar” um pouco.

Técnicos e jogadores que vinham para o Bahia diziam que estavam assinando com o clube pelas condições oferecidas, mas principalmente por causa do seu “projeto”.

Mesmo entendendo que há um jogo de palavras nesses momentos, aquele “projeto” me soava estranho e, também não nego, fiz pouco caso dele.

As experiências anteriores tinham me tornado um incrédulo.

Mas era sim verdade, e o grande mérito e legado da administração Marcelo Sant’Ana.

É possível que muitos não tenham atentado para isso e por esta razão não consigam dimensionar de fato a importância de sua gestão.

Aqueles que vinham trabalhar no Bahia, quando saíam já não o faziam com queixas e processos, mas sim com elogios, pelo respeito com que foram tratados. Incluam-se aí os salários pagos em dia, algo que deveria ser comum, mas não era no nosso futebol, particularmente no mesmo Bahia agora merecedor de elogios.

Não tenho nenhuma dúvida de que hoje a torcida tricolor reconhece esse grande legado de Marcelo Sant’Ana.

Mas foi na passagem de Marcelo Sant’Ana para Guilherme Bellintani, novo presidente do clube, eleito em dezembro de 2017, que o projeto do Bahia se fez evidente.

Pela primeira vez, vejo com clareza que há sim algo que nunca existiu; um projeto para o Bahia, um projeto de verdade.

E foi graças a esse projeto que tivemos agora em 2018 o melhor elenco pelo menos desses últimos 10 ou 15 anos.

Um elenco perfeito?

Não, até porque isso não existe.

Um elenco que não rendeu aquilo que podia render. Para usar uma expressão do momento, um time que não deu liga como poderia dar (coisas do futebol), mas que passou o ano sendo elogiado por toda a imprensa nacional e técnicos de futebol pelo futebol apresentado.

https://www.youtube.com/watch?v=DPkOgsIpTbE

E, ainda que estivessem indo para grandes times e com salários melhores, o ano se encerrou com jogadores deixando o time chorando, numa prova evidente do bom momento do clube.

Se falei particularmente de Marcelo Sant’Ana e Guilherme Bellintani, como presidentes, que se sintam reconhecidas na sua importância as respectivas diretorias.

Um nome, porém, deve ser destacado; Diego Cerri.

Equilibrado, discreto e competente, Diego Cerri soube reconhecer a importância de se manter fiel a um projeto, do qual ele tem sido peça fundamental,

Num futebol em que diante da primeira oportunidade de ir para um grande time, ficam para trás o bom senso e o discernimento em nome da possibilidade de maior destaque nacional, Diego Cerri mostrou sua lucidez ao recusar convites de outros times e assim permanecer no Bahia.

Se ele tiver que sair do clube e quando o fizer, sairá mais reconhecido e, portanto, mais valorizado.

Poucos conseguem ter a sensibilidade para análises e tomada de posição como ele fez.

O torcedor, e eu sou um deles, quer saber de resultados em campo, que o seu time ganhe títulos.

Nesse sentido, parabéns aos presidentes e diretorias que trabalharam para que conquistas importantes tenham sido conseguidas e pelo que se fez para que o clube chegasse até aqui.

Como torcedor, bato palmas e agradeço.

Mas não posso deixar de reconhecer e registrar que hoje o que mais me deixa entusiasmado é que, finalmente, há sim um projeto que olha para o passado de glórias, nele se fortalece e caminha com passos planejados e firmes para o futuro.

O Bahia tem sim um projeto, um projeto voltado para o futuro.

Um futuro que resgata o passado de um time de glórias.

Um time que nasceu para vencer.