Por Ronaldo Souza
Não assiti à peça, mas li o livro.
Falo de “Calabar: O Elogio da Traição”, peça e livro de Chico Buarque e Ruy Guerra.
Escrita em 1973, a peça foi censurada pela ditadura militar por oito anos e teve uma existência tumultuada por conta e interferências diretas do regime militar.
Nascido em Moçambique, colônia portuguesa, Ruy Guerra se radicou no Brasil em 1958 e construiu uma carreira brilhante no cinema e teatro brasileiros.
Peça musicada, todas as músicas e letras são de Chico, mas em algumas letras houve alguma participação de Ruy Guerra.
E foi pelas músicas, que ganharam vida própria, que fui levado ao livro, como possivelmente o teria sido também em relação à peça. No entanto, censurada, não andou pelo país, como normalmente aconteceria em algumas cidades do Brasil.
Ainda recente o último 25 de abril, data em que se comemora a Revolução dos Cravos, durante toda a semana ecoou em minha cabeça uma das músicas (um fado), pela qual me apaixonei de imediato assim que ouvi.
Particularmente um trecho declamado dela:
Meu coração tem um sereno jeito
E as minhas mãos o golpe duro e presto
De tal maneira que, depois de feito
Desencontrado, eu mesmo me contesto
Se trago as mãos distantes do meu peito
É que há distância entre intenção e gesto
E se o meu coração nas mãos estreito
Assombra-me a súbita impressão de incesto
Quando me encontro no calor da luta
Ostento a agulha empunhadora à proa
Mas o meu peito se desabotoa
E se a sentença se anuncia bruta
Mais que depressa a mão cega executa
Pois que senão o coração perdoa
Como fui brindado ao ouvi-la naquela primeira vez e em tantas outras, trago-a para que vocês sintam o mesmo prazer que senti.