Engravidando pelo ouvido

BolsonaroMoro

Por Ronaldo Souza

A sociedade, aquela que Elis Regina canta como “High Society”, da qual fazem parte, ou imaginam fazer, os doutores, altera o uso das palavras conforme o seu charme e finesse.

Assim, minha mulher se transforma em minha esposa, mais fino e elegante.

Cônjuge em conje.

Opa, perdão, cometi um erro.

Conje só é utilizado por um grande orador brasileiro, um grande tribuno, um ex-juiz de direito “reconhecido” pela sua inteligência e cultura e ridicularizado na sua mediocridade ao tentar passar por grande leitor de biografias no programa de Pedro Bial.

Parir se transforma em dar à luz.

Não, não, Paris é Paris mesmo, mas se puder fazer um biquinho e dizer “Parrir”, é a glória.

Mas tem que fazer biquinho.

Treine primeiro com Côte D’Azur.

Depois ensaie bastante com Cointreau, um pouquinho mais chato de pronunciar.

Entre os animais a palavra é prenhe (a cachorra está prenhe, a gata está prenhe), mas entre aqueles tidos como racionais é grávida.

Dizer-se-ia (lá vou eu de novo com o imperador anterior ao atual), portanto, emprenhar.

“Quando a sua filha emprenhou?”

Esqueça.

Eu, que não sou bobo, no fundo, no fundo (lá deles), quis aproveitar o português dos finos e sofisticados para chamar a atenção para dois momentos de grande fineza e sofisticação de membros da nossa atual nobreza política, particularmente no que toca à inteligência e sensibilidade deles:

Onyx Lorenzoni e Flavio Bolsonaro.

Do primeiro, apesar de acreditar que sim, confesso que não posso afirmar, mas quanto ao segundo, trata-se de uma característica de família.

Sim, falo da intelectualidade.

Onyx Lorenzoni (ministro da casa civil), que já foi flagrado em momentos diferentes de… “descuidos” ao tratar com dinheiro público, disse que a roubalheira que domina o país hoje é culpa do PT.

Ponto.

Por sua vez, Flavio Bolsonaro (ministro de todas as casas), um homem admirável pela capacidade de ter muitos amigos, todos de reconhecida conduta ilibada, disse que a crise na Venezuela é culpa do PT.

Ponto.

Esclareça-se que esses “pontos” são finais.

Quem ousaria retocar algo dito por esses dois ilustres membros da mais fina flor da nossa sociedade?

Ícones da inteligência e do conhecimento do Brasil atual, os dois sabem muito bem o que estão dizendo, porque estão dizendo e para quem estão dizendo.

É invejável o fasc… opa, quase, fascínio que exercem sobre as manadas das avenidas paulistas Brasil afora.

Sabem que não podem mantê-las sem o controle de adequada ração.

Absoluto rigor no tempo e na dosagem.

Prescrição de uso diário.

Por isso, não usei como título do meu texto a expressão mais popular, a que todos conhecem; “emprenhando pelo ouvido”.

Aqui não cabe o popular.

Apesar de soar esquisito, “Engravidando pelo ouvido”, usei esse título numa tentativa, provavelmente vã, de, pelo menos por alguns minutos (o tempo que escrevi este texto), ser o mais fino e sofisticado possível e assim me imaginar entre eles.

Sonho dos sonhos.