Eu, enquanto ser humano…

Por Ronaldo Souza

“Vou estar enviando um e-mail; vou estar fazendo isso ainda hoje; vou estar orientando sua tese em breve; vou estar apresentando essa palestra no mês que vem; vou estar trabalhando…”.

Acho que posso afirmar com pouca possibilidade de erro que a pessoa que “inventou” o gerúndio como forma de falar não fazia a menor ideia do que estava fazendo e do sucesso que iria ter.

As coisas são assim, surgem e tomam conta de tudo, sem mais nem menos.

Não fazem nenhum sentido, nada com nada, lé sem lé, cré sem cré, mas viram o charme do verão.

Você viu isso onde?

Ah, não sei, mas “tá todo mundo falando”!

Cria-se uma onda e todos vão.

“Eu, enquanto ser humano…”

Um mantra.

A impressão que se tem é que parece que falar assim dá um ar solene, uma certa distinção.

Um ar superior.

Por que será que o “superior” é tão sedutor?

“Eu, enquanto ser humano…”

Haveria algo premonitório nessa frase?

O que distingue o humano do animal?

Racionalidade, pensamento…

“Eu, enquanto ser humano” pressupõe, portanto, que eu raciocino, penso e consequentemente ajo como um ser humano.

Portanto, enquanto ser humano, eu penso, reflito, planejo, desenvolvo, evoluo, cresço.

Mas há um “tempo” embutido, é uma condição temporária.

Está implícito que a condição de ser humano em mim vai se esgotar em algum momento.

Vai durar somente enquanto…

Até quando serei?

Quando chegar a hora em que não serei mais humano, serei capaz de perceber?

Aterrorizante!

Chegou.

Agora que não há mais o enquanto, que findou a minha validade como ser humano, o que sou?

Instinto!

Xingamentos, ofensas, agressões e assassinatos homofóbicos, agressões e assassinatos de mulheres, negros, índios, assassinatos por encomenda, queima de arquivos, ódio e violência explícitos na primeira fila, já fazem parte dos nossos dias como algo natural.

Esses urros não são desconhecidos.

São familiares, pois fazem parte da história dos nossos antepassados.

Como também na história dos antepassados, poderosos envolvidos e poderosos abafando todos os pecados e ruídos são os comandantes e direcionam gestos, palavras e ações que, por instinto, seguirei.

Terreno apropriado, homens e mulheres assumem de forma despudorada nas redes sociais a “legalização” da escravidão, quem sabe a maior chaga da raça humana.

Pessoas que nunca tiveram direito a nada.

 

E nada mudou.

Mesmo travestida de doutor, a ignorância abre a sua cauda e como um pavão exibe toda sua exuberância.

Os que comandam e seus seguidores/eleitores estão irmanados nessa ignorância asquerosa revestida pela podridão humana.

Manifesta-se o que pode haver de pior no ser humano.

As bestas estão soltas.

Deu-se a premonição!

Chegou.

Pior.

Chegaram.

Chegaram ao fim ao mesmo tempo muitos prazos de validade de ser humano.

“Eu, agora animal…”

Irracionalidade, irreflexão, instinto…

Estamos vivendo outra era.