Idolatria

Por Ronaldo Souza

Quem nunca teve ídolo(s)?

Acredito que o meu maior ídolo tenha sido Elvis Presley.

No começo da minha adolescência, vendo-o nos filmes eu me imaginava cercado daquelas belas e inalcançáveis mulheres.

Quanto desejo, quanta imaginação de “… um menino tão só no antigo banheiro, folheando as revistas, comendo as figuras, as cores das fotos te dando a completa emoção, como canta Gonzaguinha na sua belíssima música.

Daí para a adoração pelo Havaí (cenário de alguns dos seus filmes) e o sonho de um dia viver lá, foi um pulo, como também foi um pulo a adoração pelo cinema americano.

E, claro, a adoração pelos Estados Unidos.

Ah, os sonhos da infância e da adolescência!

Maravilhosos, inesquecíveis, experiência e prazer únicos nas nossas vidas.

Por quanto tempo nos acompanham?

Por quanto tempo devem nos acompanhar?

Hoje, vejo Elvis (permita-me a intimidade com quem já foi tão próximo de mim) não como quem embalou os meus sábados à noite, até porque não vivia as noites àquela época e sim as matinês, mas como um tempo inesquecível.

Vejo-o como grande cantor, que de fato foi, e “o único cantor branco de alma negra”, como disseram grandes nomes do Jazz.

Cantava muito e a música do vídeo acima era uma das minhas favoritas.

O Havaí ficou para trás e hoje muitas cidades ocupam o lugar que foi seu.

Não para morar, não consigo me ver fora do meu chão, mas para conhecer.

Apesar de vê-lo ainda capaz de fazer bons filmes, vejo o cinema americano com muitas restrições.

E já há muitos anos, meu olhar sobre os Estados Unidos não tem absolutamente mais nada a ver com o daquele menino.

Mas tudo isso teve papel importante na minha formação e me ajudou a crescer.

Foi aquele menino que fez o homem.

E o homem não é melhor nem pior do que a criança que viveu aqui e que por aqui ainda passeia.

Pertencem a mundos diferentes, ou talvez seja mais adequado dizer que veem o mesmo mundo de maneira diferente.

E não poderia ser de outra forma.

O homem se desenvolve a partir da criança; ele não continua criança.

A infância e a adolescência fazem o homem.

Se o homem expressa a sua infância e adolescência e delas é reflexo, não deveria haver dificuldade em identificar que alguns não devem ter conhecido a plenitude de cada momento da vida, particularmente a infância, reconhecida como fundamental para o equilíbrio emocional e afetivo do adulto.

Tendo-os vivido plenamente e de maneira saudável, os espaços para o surgimento de novos ídolos no adulto já não existem, ou no mínimo se encontram bastante reduzidos; ele já deverá estar “formado”. Até porque, não necessariamente no aspecto físico, alguns dos ídolos já se foram.

O surgimento de ídolos nesse momento tende a evidenciar espaços vazios no ser.

Em outras palavras, ele ainda não é.

A essa altura, não ser expõe vazios perigosos de homens incompletos, adolescentes que sofreram uma interrupção no seu desenvolvimento.

O meio já não faz o homem, ou, pelo menos, já perdeu em muito a capacidade de fazê-lo.

Ele já deverá estar bem menos vulnerável às influências externas.

Entretanto, não tendo uma base sólida, o adolescente resistirá ao tempo e pior ainda será se a criança o fizer.

A idade o fará adulto, a mente uma eterna criança.

Nada pior.

O ídolo ainda é necessário.

O Elvis Presley dele não morrerá e ele precisará de novos Elvis.

Nesse estágio tardio de sua formação, se boa parte da sua vida se der em ambiente que não se caracteriza por estimular o crescimento intelectual, ele, claro, não crescerá intelectualmente.

Se boa parte da sua vida se der em ambiente marcado pelo rigoroso cumprimento à ordem e absoluto respeito a comandos superiores, não serão grandes as chances de que nele se desenvolvam o apreço e o espírito pela liberdade. Ele precisará sempre de alguém a quem obedecer e por quem ser conduzido.

Assim, da mesma forma que na infância real, artistas e bandidos, bons e maus, serão o repertório do seu imaginário.

Saudável na verdadeira infância, um desastre na “infância adulta”.

Filmes de ação, particularmente os de guerra, continuarão sendo parte essencial do seu mundo.

Chuck Norris

Ele será eternamente um Chuck Norris e somente as armas lhe darão segurança e definição do que é ser homem.

A idolatria que Jair Bolsonaro faz questão de declarar ter por Olavo de Carvalho não tem origem na infância ou adolescência.

Ela surgiu na fase adulta.

Sendo um obscuro astrólogo, não deve ter sido a capacidade intelectual desse autoproclamado filósofo a razão do encantamento, até porque, reconheçamos, mesmo sendo um astrólogo sem talento e autoproclamado filósofo, ele jamais se faria entender pelo ex-capitão; a estrutura cognitiva do militar não lhe permitiria trilhar os caminhos da Filosofia.

Determinados segmentos da sociedade ainda não perceberam e, por viverem no mesmo mundo sem horizontes e medíocre, boa parte não perceberá que quando se trata de Jair Bolsonaro não é no terreno da incompetência que estamos trabalhando. Trata-se de uma questão de incapacidade.

Incapacidade de tudo.

As evidências são claras como o mais ensolarado dos dias numa cidade do Nordeste.

Se levarmos em consideração a sua agressiva aversão pelo conhecimento, recentemente assumida no tocante às questões da Filosofia e Sociologia, coisas sem nenhuma importância na sua forma de ver a vida, o abismo é intransponível.

Reflexos e consequências são enormes.

As pessoas de mal com a vida apresentam a característica de se vingar dela quando lhes surge a oportunidade.

Que o digam Joaquim Barbosa e Cármen Lúcia, ex-presidentes do Supremo Tribunal Federal.

Quando parecia que a vida lhes sorria o melhor sorriso, eles não foram generosos com ela e se fizeram pequenos.

Hoje vivem a amargura da solidão do esquecimento dos que, brigados com a vida, um dia ocuparam o poder.

O que é hoje Joaquim Barbosa?

Onde está ele?

O que é hoje Cármen Lúcia?

Onde está ela?

Essas mesmas perguntas serão feitas em breve, num tempo bem mais curto do que se imaginava, a outro membro do judiciário brasileiro.

O que une o militar e o astrólogo?

Que tipo de jogo está sendo jogado?

O que está acontecendo com o Exército Brasileiro, para muitos uma instituição respeitável?

Que exército respeitável é esse que ao expulsar o então tenente (consta que a condição de capitão veio depois como compensação pela expulsão) fez constar no relatório que se tratava de um canalha, covarde e contrabandista e agora permite que, através de um astrólogo, o ex-capitão promova repetidas vezes a humilhação pública dos seus comandantes?

O que pretende o ex-capitão?

Submeter esse “respeitável” exército à sua vingança pessoal?

Ou se trata realmente somente da sua total incapacidade de perceber qualquer coisa?

“É má fé cínica ou obtusidade córnea”, diria Eça de Queiroz.

Por falar em Queiroz, por onde anda ele?

Criado para “controle” da corrupção, como ainda o veem inocentes nem sempre tão inocentes, o Coaf tem sido alvo recente de comentários carregados de idiotice.

O Coaf é na verdade, todos sabem, ao mesmo tempo um poderosíssimo instrumento de coação e proteção (a depender do alvo em questão), uma das razões pelas quais tanto se briga por ele.

Agora que saiu das mãos do Conje, será que o Coaf vai investigar o Queiroz e a família que o mantém há anos?

Voltemos.

“Seu merdinha, seu bosta” viraram linguagem diária e pública entre os homens que tomaram o poder do país e o mantêm sob rédeas curtas (segundo o Conje, seria sobre rédeas curtas).

Referindo-se ao General Villas Bôas, que até um dia desses era o Ministro do Exército, o astrólogo guru do ex-capitão disse:

“A quem me chama de desocupado não posso nem responder que desocupado é o cu dele, já q não para de cagar o dia inteiro”.

O General Villas Bôas é portador de doença degenerativa e este é o tratamento que lhe é dispensado pelo guru do ex-capitão.

E aí chega outro general, Paulo Chagas, e responde:

“O ânus é o órgão excretor, se faz sua função o dia inteiro, não é desocupado. Desocupado é o ânus do Olavo q foi substituído pela boca”.

São esses homens, absurdamente despreparados e sem nenhum equilíbrio emocional, que estão dirigindo o país.

Desequilíbrio que se transforma em palavras, gestos e ações de grande violência, como nunca antes visto na história desse país.

Um astrólogo cuja única característica marcante é o absurdo descontrole de si mesmo, num destempero agressivo e de baixíssimo nível, torna-se o conselheiro-mor do presidente da república.

Algo que, apesar de absolutamente desconectado com qualquer coisa que remeta ao bom senso e à razão, é facilmente explicável pela idolatria do presidente por ele, idolatria que não consegue disfarçar.

Pelo contrário, faz questão de reafirmar.

Por idolatra-lo e nele confiar muito, é ele que o presidente utiliza, e aos próprios filhos, como escudo protetor e porta voz do que, na sua reconhecida covardia, não tem coragem de dizer.

Seria bem mais fácil se tivesse que ser dito a uma mulher.

Aliás, o que confirma o relatório do próprio Exército quando o tratou como covarde no episódio da sua expulsão daquela Força Armada.

Covardia que se projetou e apareceu de forma clara e estarrecedora para a sociedade na campanha eleitoral, quando o ex-capitão fugiu de todos os debates.

Para um cérebro disfuncional, isso parece ser suficiente para que guru e filhos sejam condecorados pelo ex-capitão com a Ordem do Rio Branco, a medalha mais importante do país, numa exibição de profunda ignorância e desrespeito aos símbolos do país.

Incrível, mas aí está a resposta.

É justamente esta a resposta para a pergunta acima.

É o total e absurdo desequilíbrio que os une.

É esse incontornável desequilíbrio que carregam consigo que constitui o equilíbrio que existe entre eles e os torna tão afinados.

Bolsonaro em grande entrevista

Nessa corda de malabarista de circo prestes a cair a qualquer momento, equilibra-se o presidente que não governa.

E aí a imprensa descobre e anuncia que o governo paga para o presidente ser entrevistado e fazer propaganda de si e para conseguir a aprovação da reforma da Previdência, como fez com Ratinho (SBT) e Luciana Gimenez (Rede TV, a mesma que impediu a exibição da entrevista com Lula).

Ainda segundo a imprensa, ao ser procurado Milton Neves teria cobrado meio milhão de reais pelo mesmo tipo de entrevista (o que na imprensa é conhecido há muitos anos como “jabá”).

Na de Luciana Gimenez o clima foi de total alegria e descontração, bem compatível com o momento que vive o país, como na hora em que o racismo foi tratado tal qual o golpe militar de 1964; algo que não existiu, segundo o presidente.

https://www.youtube.com/watch?v=mEsl9Soq2Dw

O que pode explicar tanto cinismo desses dois monumentos à inteligência humana?

Logo ela, Luciana Gimenez, cuja mãe, Vera Gimenez, já foi condenada e multada por racismo:

Disse ela sobre o porteiro do prédio onde morava:

”Chamei mesmo de safado, vagabundo, sacana, canalha etc. Por um acaso da vida, ele é crioulo. Mas, se eu chamei ou não ele de crioulo, aí é a minha palavra contra a dele”.

O próprio presidente teve a sua condenação por racismo e homofobia confirmada agora no dia 09/05.

Bolsoracismo

Beirando a insanidade, como explicar porque o mito mitou tanto se tem sido insuperável na capacidade de protagonizar tantos episódios que o levaram a ser considerado um dos políticos mais obtusos e o mais obtuso presidente de toda a história da política brasileira?

O auditório.

O seu auditório é carente de tudo.

Bolsopistola

Além de revelar mais um momento de “grande concentração” do presidente na busca de soluções (que ele encontra no Twitter) para tirar o país do abismo em que está sendo jogado por ele próprio (o seu semblante mostra o quanto a sua reconhecida sensibilidade foi golpeada, por isso ele parece tão estressado na foto), qual teria sido o objetivo de gerar esta sutil imagem com uma pistola na cintura, mesmo estando dentro de casa e sendo um homem cercado de muitos seguranças?

Qual teria sido o objetivo de imagem tão inteligente e sutil?

O auditório ao qual se dirige.

Quantos orgasmos essa imagem deve ter provocado entre os bravos machos desse país?

Talvez experiências desagradáveis e negativas na infância e na adolescência possam explicar algumas idolatrias.

Como já vimos, a do mito pelo seu guru astrólogo não parece difícil de entender.

Já é por demais reconhecido pela Psicologia e Psicanálise que é particularmente a infância que “faz” o adulto, mas não podemos deixar de reconhecer que também a adolescência desempenha papel importante nesse processo.

E o meio no qual viveu parte da sua vida não lhe fez bem e acentuou o que a vida pessoal talvez não lhe tenha permitido conhecer; o carinho, o bem querer, o afeto.

O amor.

https://www.youtube.com/watch?v=Y3w-zjH3CuA

Homens despreparados que veem nas armas a solução para tudo.

E aí sim, ainda que possa parecer fácil de explicar por raciocínio elementar e indutivo, seria mais prudente recorrer à ajuda de psicólogos, psicanalistas e psiquiatras para entender como homens tão primitivos conseguem seduzir tantas pessoas e fazer aflorar nelas instintos e sentimentos tão primitivos e bestiais com tamanha intensidade.

Freud explica?