Sabe o que eu quero de verdade? Jamais perder a sensibilidade, mesmo que às vezes ela
arranhe um pouco a alma. Porque sem ela não poderia sentir a mim mesma…
Clarice Lispector
Por Ronaldo Souza
Na década de 1990 li um pequeno texto e lá estava uma expressão que eu via pela primeira vez; “ignorância ativa”.
Nunca mais a esqueci.
Muitos anos depois, vi em uma entrevista Oscar Niemeyer falar de “mediocridade ativa”.
Mais adiante, um filme.
“Revelações”, o excelente filme de Robert Bentom, com roteiro de Nicholas Meyer, estrelado por Anthony Hopkins, Nicole Kidman, Ed Harris, Gary Sinise…
Lançado em 2004, como diz o título original, “The Human Stain”, o filme aborda uma das maiores manchas, quem sabe a maior, da raça humana; o racismo.
Mas há um momento, uma das cenas finais, em que a personagem mãe de Anthony Hopkins diz uma frase lapidar: “as pessoas estão ficando cada vez mais burras e cheias de opinião”.
Essa frase não está solta no filme, pelo contrário.
O roteirista Nicholas Meyer sabia o que estava fazendo.
Ele põe em destaque a preocupação com a burrice das pessoas no roteiro de um filme que tem como tema o racismo.
Há muitos anos entendo que o preconceito é o grande guarda chuva dos males do mundo, particularmente no Brasil.
O racismo é apenas uma das pontas.
E, queiramos ou não, entendamos ou não, aceitemos ou não, a ignorância é a razão de tudo.
O conhecimento seduz, encanta, apaixona.
O conhecimento eleva.
Sempre o vi se impor.
Apesar das incompreensões que se manifestam com frequência sobre o tema, falo de conhecimento e cultura, mas também de inteligência e sensibilidade.
Conhecimento se adquire e certamente é o caminho para se evitar escolhas que não permitem ao homem que ele se desenvolva e evolua.
Mas inteligência e sensibilidade farão com que ele vá mais longe.
E inteligência e sensibilidade não se adquirem.
Inteligência, sensibilidade e conhecimento trazem beleza à vida.
Há tempos, porém, que a vida desanda.
Parece haver uma ciclicidade em que desarranjos e desencontros dominam a cena.
De tempos em tempos alguém abre a porta de algum lugar maldito onde hiberna a ignorância.
Latente, ela desperta e exibe toda sua exuberância.
“A inteligência humana tem limites, a estupidez não”.
Nietszche
A história registra vários casos desse tipo, em que tudo é puro reflexo de distúrbios afetivo-emocionais graves e que por um desses momentos cíclicos de desencontros da vida, vem a calhar com uma conjuntura de grande fragilidade psicológica e consequente vulnerabilidade.
Surge então o messias, o salvador, ele próprio muitas vezes alguém que se perdeu no vazio da sua existência medíocre e cheia de frustrações pessoais.
No seu desequilíbrio, arrasta multidões de carentes e desesperados que, sem a devida estrutura psicológica, também estão perdidos no imenso vazio das frustrações pessoais e das insatisfações reprimidas, inclusive sexuais.
Pela ignorância, tornam-se presa fácil.
Advém muitas vezes o fanatismo, que não escolhe segmento social.
Isso explica porque entre os fanáticos, entre os fundamentalistas, encontram-se diversos membros que tiveram acesso à informação e por isso deveriam ser imunes, como doutores e professores.
Em momentos assim, a sedução conhece outras maneiras de ser.
Há exemplos em toda a história universal.
O maior deles, Hitler.
Dispensa comentários.
Num exemplo menor, Jim Jones, pastor e fundador americano do Templo Popular, uma seita pentecostal cristã, que chocou o mundo ao levar 918 pessoas a cometerem suicídio, o maior suicídio coletivo de que se tem conhecimento.
É quando o homem se encontra com o que há de mais primitivo e a vida se torna uma encruzilhada.
Não há respostas, só incertezas e frustrações, que se manifestam de diversas maneiras.
Sim, há exuberância na ignorância.
São os novos tempos.
Estamos vivendo um desses tempos.
É aí que a inteligência e a sensibilidade fazem a diferença.
Mas inteligência e sensibilidade apresentam uma dificuldade difícil de se contornar.
Não são encontradas em vitrines.
São gestos simples que nos fazem vivos e fortes.
Dar as mãos tem uma força enorme nessas horas.