Com que você irriga o canal? Essa é uma pergunta freqüente. Mais uma vez, para definir melhor o que fazer é necessário entender o que estamos fazendo.
É possível que haja alguma confusão na distinção entre solução irrigadora e solução química auxiliar do preparo do canal. E aí talvez você possa perguntar; e há alguma diferença?
Quando se fala em irrigação no tratamento endodôntico fala-se muito em irrigar “farta e copiosamente”. Entende-se sempre como algo que deve promover fluxo/refluxo, com grandes volumes da solução irrigadora para remover por arraste o conteúdo do canal. Seria, assim, um ato físico.
Logo após a remoção da polpa viva coronária, isto é, o preparo da câmara pulpar, você já penetra com a agulha irrigadora até o comprimento de trabalho, irriga todo o canal e remove a polpa viva radicular? Não? Por que?
1. A polpa não está solta para ser removida só pelo arraste da irrigação.
2. Em muitas situações o canal não é tão volumoso e não há espaço suficiente para a agulha penetrar e fazer isso.
3. “Lá dentro” está a polpa radicular que também dificulta a penetração da agulha.
Logo após a remoção do conteúdo pulpar necrótico coronário, isto é, o preparo da câmara pulpar, você já penetra com a agulha irrigadora até o comprimento de trabalho, irriga todo o canal e remove a polpa necrosada radicular? Não? Por que?
1. Em algumas situações o canal não é tão volumoso e não há espaço suficiente para a agulha penetrar e fazer isso.
2. “Lá dentro” está o conteúdo infectado que, diante da penetração da agulha e dessa forma de irrigar, pode ser projetado para os tecidos periapicias.
Nas duas situações, polpa viva e necrosada, tem sido recomendado que se penetre nos canais com alguns cuidados, entre os quais que se faça uma irrigação com soluções que possuam algumas características, como ação solvente, ação antimicrobiana e ação neutralizadora de produtos tóxicos. Seria, assim, um ato químico.
Deve-se entender então que em Endodontia irrigar é um ato físico/químico. Ah, isso eu aprendi na faculdade. Então, por que a dúvida?
Você já ouviu dizer que o preparo do canal é um preparo químico-mecânico? Isso significa que tem muito de ação mecânica e química. Ah, mas, isso é óbvio. Se fosse, ninguém perguntaria com que você irriga o canal.
Você tem achado fácil remover a polpa viva em todos os canais? Quantas vezes você já sentiu a sensação de algo “acolchoado” cada vez que o seu instrumento toca no comprimento de trabalho? Quantas vezes você já viu o “canal sangrando”, mesmo sabendo que estava no comprimento de trabalho, ou seja, não havia nenhuma perfuração? Quantas vezes aquele canal que estava pronto para ser obturado, mas que você deixou para a consulta seguinte (estava cansado, o outro paciente já estava esperando, estava doido para ir para casa) e ao trabalhar o canal na consulta seguinte percebeu “algum sangramento”?
Será que esses acontecimentos não queriam dizer que ainda havia tecido pulpar em alguma(s) parte(s) do canal? Por isso, há algum tempo a Endodontia nos ensina que é fundamental que a substância química auxiliar do preparo possua ação solvente. É esta ação química que ajuda a ação física da remoção do tecido pulpar do canal radicular. Isso deve significar que durante um bom tempo do preparo do canal talvez eu deva me preocupar mais com a ação química do que simplesmente ficar irrigando farta e copiosamente, o que deverá ser feito mais para o final do preparo.
Você tem visto acontecer, ou tem ouvido falar, de agudizações após a instrumentação do canal nos casos de polpa necrosada? Por que elas acontecem? O canal está com lesão periapical assintomática, por que é que depois que ele é instrumentado o paciente começa a sentir dor, em outras palavras, por que o caso que era assintomático passa a ser sintomático?
Vamos juntos. Um caso assintomático significa equilíbrio na região periapical. O que chega aos tecidos periapicais da infecção que está no canal chega em quantidades que o sistema imune consegue enfrentar, combater. Você já sabe que se houver uma queda na resistência orgânica desse paciente o equilíbrio é rompido e ele entra em fase aguda. Qual é a outra maneira de romper esse equilíbrio? Isso, perfeito, quando chegam mais produtos tóxicos e/ou mais virulentos. E como é que eles chegam? Perfeito (viu como você sabe). Quando o profissional “empurra” o material. E de que forma ele pode fazer isso? Beleza, essa é a resposta. Com a ação mecânica da instrumentação e física da irrigação.
Será que podemos usar as mesmas palavras que usamos para a polpa viva, “isso deve significar que durante um bom tempo do preparo do canal talvez eu deva me preocupar mais com a ação química do que simplesmente ficar irrigando farta e copiosamente, o que deverá ser feito mais para o final do preparo?” O que você acha?
Existem alguns requisitos exigidos para que a solução irrigadora seja considerada ideal, mas os tidos como mais importantes são ação solvente de matéria orgânica, antimicrobiana e neutralizadora de produtos tóxicos. Você conhece alguma substância que exerça todas essas ações? Exatamente, acertou mais uma vez, o hipoclorito de sódio. Se você quer ter, de fato, um bom preparo químico-mecânico, não se conhece ainda nada igual a ele. Ah, ia esquecendo. Aqueles requisitos de que falamos nesse instante, lembra? Ele possui quase todos.
Assim, no ato de irrigar, tão importante na Endodontia, é possível que nem sempre eu deva ficar simplesmente irrigando farta e copiosamente. É possível que eu precise de uma solução química auxiliar do preparo químico-mecânico enquanto eu instrumento. É possível que eu precise de uma solução irrigadora para exercer ação física no preparo do canal. Quando uma e quando a outra?
Você é inteligente. Sei que você é inteligente e saberá como fazer isso.