Por Ronaldo Souza
“Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”.
Esta é uma máxima de Lavoisier, francês considerado pai da química moderna que, além de grande químico, ficou conhecido por derrubar teorias científicas.
Acho que podemos dizer que derrubar teorias científicas será sempre uma atitude bem-vinda.
Afinal, a derrubada de uma teoria científica quase que implica no surgimento de uma nova, o que, em tese, deve significar que houve avanço naquele campo.
Em muitas situações, porém, mais vezes do que podemos imaginar derrubar teorias científicas envolve situações muito delicadas e por isso exige muita cautela.
A construção de uma linha de raciocínio que venha a sugerir uma nova forma de pensar e ver determinada questão gera desconforto.
Toda mudança gera desconforto.
Em 2009, presenciei uma discussão muito interessante em um simpósio.
Em determinado momento, graças a questionamentos feitos pela plateia, discutiam-se dois temas; os limites apicais de instrumentação e obturação.
Por trás daquela discussão, estava na verdade não a simples discussão dos referidos limites em si, mas de uma nova concepção, que fazia uma abordagem diferente sobre aqueles temas.
Ah, como desejei estar participando daquela discussão.
Apesar de não ser o único, chamou a atenção a opinião de um professor que refutou a concepção argumentando com a falta de evidências que a suportassem.
Em 2011, somente dois anos depois, durante um jantar ouvi de um professor:
“O nosso grupo está começando a repensar o papel da obturação”.
Detalhe.
Ele faz parte do mesmo grupo daquele professor que em 2009 argumentara com a falta de evidências para negar a linha de raciocínio que propunha, como propõe, mudar a concepção na qual a obturação está apoiada há mais de 60 anos.
Em outros tempos sim, mas naquela hora, naquela noite, naquele jantar, nada falei sobre o que acabara de ouvir.
Fiquei absolutamente calado. Nenhum comentário.
Na manhã seguinte íamos participar de um debate. Eu, ele e um terceiro professor, em que aquele tema ia ser abordado.
Por mim.
Durante a minha aula, não sei se ele percebeu e entendeu a maneira como me expressei no exato momento em que me reportei a aquele ponto específico.
O jantar tinha acabado de ser trazido para o debate.
Uma pessoa ligada a mim disse que eu tinha sido agressivo.
Não, não fui. Fui enfático.
No final daquele ano, 2011, em um fórum de Endodontia na internet, outro membro do grupo atacou violentamente um artigo publicado no Triple Oral.
O artigo era meu.
Sobre aquela concepção da obturação.
Não há como negar; fiquei muito chateado e desejei um dia cruzar com ele em um debate.
Provavelmente aí eu não seria mais somente enfático.
Aquela pancada no artigo ficou na minha cabeça e um dia resolvi escrever algo sobre aquele episódio no meu site.
Em 2016, tive a oportunidade que tanto tinha desejado; participar de um simpósio com o expert destruidor de artigos.
Mas a vida não é linear e eu já estava em outro momento, bem diferente.
E como se fosse um cuidado a mais dos deuses da paz na Endodontia, fui para o evento com outras preocupações, pois tinha saído 10 dias antes de uma internação hospitalar motivada por um grande susto que, felizmente, não passou disso, um susto.
Fui em missão de paz.
Mas, porém, todavia, contudo, entretanto, não obstante, exatamente 1 mês e 13 dias depois, em outro evento assisti a uma aula daquele professor do jantar de 2011.
Lá estava o “repensar o papel da obturação”.
Exatamente o que tinha sido condenado em 2009, só que apresentado de uma maneira muito pobre.
Talento e a força do original, que só um original pode ter, claro, estavam ausentes.
Ao final da aula, o arremate, repleto de saber e dignidade:
“Garanto que provoquei uma reviravolta na cabecinha de vocês (era uma plateia onde cerca de 90% eram alunos de graduação). Pensavam que eu ia dizer que a obturação é o fator determinante do sucesso e estou dizendo que não é”.
Se estivéssemos numa passagem bíblica e Lucas estivesse ali talvez tivéssemos ouvido:
– Pai, não lhes perdoa, eles sabem o que fazem.
Parece que há professores que gostam de negar novas teorias.
Que bom, não é mesmo?
Se Lavoisier está certo em dizer que “… nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, estamos diante de uma transformação na autoria da concepção.
E esse é um problema sério; a tentativa de assumir a paternidade de uma concepção proposta por outro.
E, pior ainda, quando o pretendente a padrasto já a tinha negado.
Que horror!
Todos gostaríamos de atrelar os nossos nomes a projetos bem-sucedidos. A diferença está no que somos capazes de fazer para conseguir isso.
Para a Ciência pouco importa quem idealizou, quem criou, quem fez.
Importa que foi idealizado, criado e realizado.
Mas os homens…
Ah, os homens!
Como são tolos.
Pela falta de evidências, como se esta fosse a razão, desqualifica-se a ideia, não se dá importância a ela, projetando a sua caída na vala do esquecimento.
Ora, ora, ora.
Que tolice, não é mesmo?
Uma pergunta simples ajudaria a esclarecer isso.
Como podem existir evidências sobre algo em que não se tinha pensado antes?
Mas, do alto do pedestal autoconstruído, o professor trabalha para desconstruir a teoria.
Reduzem-se os espaços, fecham-se as fronteiras.
Em outras palavras, esconde-se o autor.
O sistema faz isso.
E bem.
Aí, porém, existe um problema, diria um grande risco.
– Professor, em tal ano, em tal evento, o senhor discordou frontalmente dessa concepção e disse que ela não podia ser levada a sério porque não havia evidências. Agora o senhor e seu grupo dizem que há algum tempo já vêm repensando o verdadeiro papel da obturação!!! Baseado em que evidências?
Esse é o risco.
Alguém na plateia levantar a mão e fazer essas considerações.
Não vai ser legal.