Instrumento de aço inoxidável ou níquel-titânio? Instrumentação manual ou automatizada? Ah! Joguei fora todas as minhas limas manuais (era assim que falavam), só preparo canal com rotatório (era o máximo dizer isso; parece que para alguns ainda é). Hipoclorito de sódio ou detergente? Hipoclorito de sódio a 0,5% ou 1%? Hipoclorito de sódio a 2,5%. O que, você ‘tá louco? Hidróxido de cálcio ou corticóide? Hidróxido de cálcio ou PMCC? Hidróxido de cálcio com soro fisiológico ou com PMCC? Sobre obturação e cimento obturador não vou falar não, foi tanta bobagem dita que não vale a pena repetir.
Muitas discussões interessantes existiram ao longo desses últimos anos. Mas, se você lembrar bem, vai perceber que a discussão sobre o comprimento de trabalho estava meio acomodada, quase não se discutia mais sobre isso. Qual era a preocupação maior, lembra? Não tocar no coto pulpar. Não pode sobreinstrumentar (era assim que se falava, deixando bem claro que era um excesso, uma extravagância). Essa região é sagrada. Não foi assim que você aprendeu?
O “maior consenso” para a polpa viva era 2 mm aquém do ápice, por causa do coto pulpar, e na polpa necrosada 1 mm. E pronto. Está bem, concordo com você, existem outras medidas um pouco diferentes, mas estou falando do que era, e ainda é, o mais comum.
Muitas discussões interessantes, mas também muitos equívocos.
Já tive oportunidade de dizer em alguns momentos, inclusive em outro artigo desta seção (clique aqui para ler), que faço limpeza do forame há 21 anos (completando 22 anos neste mês, janeiro de 2009). Vários dos nossos artigos, alguns dos quais podem ser lidos na seção Artigos Publicados aqui no nosso site, e o nosso livro, Endodontia Clínica, dedicam bastante espaço a esse tema. E é claro que falar de limpeza de forame significa falar de comprimento de trabalho ou, limite apical de trabalho. Hoje vejo com muita alegria que este é um tema bastante discutido, voltou à tona.
Por que essa alegria? Observe que se tem discutido muito sobre a relação biologia/técnica. À parte a radicalização que em alguns momentos domina essa discussão, dois pontos sempre foram muito importantes, e também motivo de discussão acirrada: o alargamento do canal e o comprimento de trabalho. Você concorda comigo se eu disser que podemos chamar de limite lateral de trabalho e limite apical de trabalho? Ótimo.
Qualquer procedimento em Endodontia envolve técnica e biologia, por mais que alguns tenham enorme dificuldade em entender isso. O limite lateral de trabalho não foge à regra, pois implica em ação mecânica sobre tecidos. Acredito, no entanto, que, mais que este, o limite apical de trabalho reflete melhor essa relação. Talvez pelo fato de que o alargamento do canal mantém o endodontista “confinado” nas estruturas mineralizadas do dente. O limite apical já o põe mais em contato com a “intimidade” do organismo, via tecidos periapicais. Mais do que nunca, impõe-se a necessidade do conhecimento desse organismo, dos seus constituintes, das suas reações. Aí está a riqueza deste momento. Finalmente, desta vez a discussão não é “somente” sobre o limite apical de trabalho. Deixe-me explicar.
Um dos maiores equívocos que se cometeu, e que ainda se comete, foi discutir esse tema sob a ótica dos números. Discutia-se o quanto ficar aquém. Raras vezes, e nos últimos tempos nem isso mais, procurava-se mostrar aos alunos o porque daquele limite. Sei que você vai dizer que explicaram sim, meu professor disse que é porque… Não é bem assim. Não pode por causa do coto pulpar. Não pode traumatizar o tecido, que ele vai inflamar e pode necrosar (como se necrose impedisse reparo). Essa, quando muito, era a explicação. Tanto que poucos sabem o que é coto pulpar, pensam que é uma coisa e é outra. O que se sabe é que não se pode tocar nele. Alguém, por acaso, na hora da odontometria já fez cálculos matemáticos (eu fiz inúmeras vezes) para não passar de 2 mm? E por que isso?
Todo professor gosta (gente, o nosso ego é enorme) de dar curso em auditórios com grandes platéias. Você acha que eu detesto? Claro que não. É antes de tudo uma bela oportunidade de mostrar o seu trabalho para mais pessoas. Mas também adoro quando viajo para dar aulas para turmas menores (especialização, mestrado, etc) porque aí podemos detalhar bem. Aí podemos mostrar que coto pulpar não é coto pulpar e que não pode ser visto como tem sido até agora.
Que não fique aqui, entretanto, a idéia de que se trata simplesmente da sua remoção, até porque como esta tem sido defendida, muito mais lacera do que remove. Tem-se recomendado a correção de um erro com outro erro. A discussão desse tema implica em algumas horas e talvez não caiba aqui e agora. Quem sabe num outro momento.
Por outro lado, a questão da limpeza do forame nos casos de polpa necrosada precisa ser melhor entendida. Em primeiro lugar, no seu consultório, quando você vai tratar um canal com polpa necrosada, sempre sabe o limite exato até onde ela está necrosada, se ainda falta 1 ou 1,5 mm ou faltam 2 ou 3 mm para necrosar? Sabe se necrosou ontem, há uma semana, há dois meses? Tem certeza do que está me dizendo? Tem certeza de que nos tecidos periapicais não existe uma lesão periapical que ainda não se manifestou radiograficamente. Sabia que a lesão periapical é uma reação inflamatória como resposta à agressão que vem da polpa? Que essa reação inflamatória periapical começa a acontecer mesmo antes da total necrose/infecção pulpar? Em outras palavras, que a lesão periapical já pode estar presente antes do canal estar totalmente infectado?
Então, esqueça esse negócio de dizerem que não tem lesão periapical e por isso não precisa limpar o canal cementário.
Desta vez, a discussão do limite apical de trabalho está mostrando a sua real dimensão. Para discutir essa questão esqueça os números e considere os tecidos envolvidos. Quando comecei a usar a obturação para mostrar isso, foi um pânico geral. Isso pegou muitos professores desprevenidos e aí alguns ficaram meio tontos. Imagino que para alguns seja difícil dizer que a forma como se ensinava estava errada, e muito mais ainda dizer quem levantou a bola. Não precisa. Crie uma maneira de dizer. O que não se pode mais fazer &eac
ute; esconder a discussão. Tornou-se impossível.
Qual é o limite apical de trabalho que você deve usar? Estude bem esse tema. Na hora que o entender um pouco melhor, você saberá escolher, sem nenhum sofrimento, o seu limite apical de trabalho, aquele que deve ser usado nos seus diferentes casos. É você quem está com o paciente na cadeira.