Lula, a alma do Brasil. Parte 2

Lula

Por Ronaldo Souza

Muita coisa tinha mudado

O sistema ferroviário brasileiro, por exemplo, meio de transporte predominante em regiões altamente industrializadas, como a Europa, fora sucateado.

Assim como também tinha sido destruída qualquer possibilidade de que a indústria naval algum dia viesse a ter qualquer projeto de desenvolvimento.

Com todo o seu poderio, a indústria automobilística americana dominou o país.

E particularmente naquele trecho da estrada mais próximo de Juazeiro, a rodovia caminhava lado a lado com a velha e abandonada linha do trem, como que numa estranha harmonia, onde conviviam o símbolo do “progresso”, a rodovia, e a linha férrea, vencida, não pelo tempo, mas pelos homens.

Mas, fosse de trem, ônibus ou carro, estava ali o sinal mais evidente das mudanças pelas quais passava aquele povo.

O mar de antenas de televisão.

Aquele mar de antenas de televisão mostrava um novo Brasil.

Ali estava talvez a mais viva representação de “Bye Bye Brasil”, filme de Cacá Diegues (1979).

Trago dois breves comentários da crítica da época sobre o filme.

Adécio Moreira Jr: “…é possível ver ali uma importante reflexão de uma mudança social interessantíssima ocorrida no nosso país. A começar pelo título, estamos aqui não só numa fase de transição, mas também de abandono de fortes identidades para dar lugar a uma ‘americanização’ conceitual”.

Cassiano Terra Rodrigues: “Bye Bye Brasil é um filme de um país que está deixando de ser o que por muito tempo foi para se tornar não se sabe o quê”.

Da trilha sonora do filme, a música principal é “Bye Bye Brasil”, de Chico Buarque e Roberto Menescal, interpretada por Chico Buarque.

Como um cavalo muito veloz e ágil, saltou à minha frente uma preocupação; como estariam chegando naquele pequeno pedaço de Brasil as notícias do Brasil.

Como elas estariam chegando para aquele povo que, apesar do “progresso”, nunca teve direito a nada, muito menos às sutilezas e armadilhas da notícia.

De como são construídas e, principalmente, a que fim servem.

Imaginar aquilo me trouxe arrepios.

Que se fizeram acompanhar de grande perplexidade e na sequência serenidade.

Foi aí que passei a ver melhor aquele homem.

Nordestino, semianalfabeto, torneiro mecânico, língua presa, não sabe falar português, inglês nem pensar, que nunca tinha ido a Miami…

O “nine”.

“Nine”, como é respeitosamente chamado pelo nobre juiz Moro, vencera o império.

O império das comunicações no Brasil, ali tão bem representado pela profusão de antenas de TV nas cidades que passavam pela janela do meu carro, tinha sido vencido por um homem, um único homem.

Como teria sido possível aquele semianalfabeto derrotar o império das comunicações que de todas as maneiras imagináveis e inimagináveis, usando as armas mais infames da difamação na tentativa de destruí-lo e à sua família, tinha conseguido se eleger Presidente do Brasil?

Algo que iria se repetir em 2006, 2010 e 2014, nestes dois últimos anos através da presidenta Dilma Rousseff.

Até quando ele continuaria sendo eleito?

Ele não podia continuar impune.

Já incomodava demais aos donos do poder.

Como detê-lo?

Difamado, humilhado, perseguido, invadido na sua intimidado e na de sua família, acusado de corrupto, chefe de quadrilha, nenhuma prova foi encontrada.

Forjaram provas, que foram desmascaradas.

Forjaram outras, também desmascaradas.

Prazos contra ele foram acelerados ou retardados, a depender da necessidade do momento.

Interpretações das leis foram feitas não sob os ventos do Direito, mas ao sabor do roteiro traçado, muitas vezes em línguas estrangeiras.

Cláusulas pétreas da Constituição Brasileira foram alteradas.

Ela própria, a Constituição, foi rasgada.

Sobre aqueles que fizeram esse processo, aqueles que contribuíram para que ele ocorresse, aqueles que mudaram normas e leis para incrimina-lo, todas as corrupções foram encontradas.

Com provas.

“Com Supremo e tudo”, como disse o pensador Romero Jucá.

Foram vistos aos cochichos, às gargalhadas, em solenidades, encontros sociais, jantares, eventos patrocinados por empresas envolvidas em corrução, zombando acintosamente de tudo que acontecia à nossa volta nesse imenso Brazil.

Eles, com os milhões que atestam a sua corrupção, seguem impunes, livres, leves e soltos, apontando o dedo para alguém cuja vida foi virada de cabeça para baixo sem que nada fosse encontrado.

Esse homem está preso.

Vocês o prenderam e conseguiram a façanha maior; celebrar a sua prisão.

Como puderam se tornar tão pequenos?

Chego a pensar que na verdade vocês sempre foram pequenos e agora só se mostraram.

Mas não quero acreditar nisso.

Como posso imaginar termos convivido por tantos anos com pessoas assim?

Comandados por um juiz de mente doentia e objetivos que parecem fugir à compreensão mas não fogem, tribunais que meses antes do julgamento julgam e dão o veredito pela televisão e uma imprensa que dispensa comentários, vocês foram longe demais nesse processo de degradação.

Um juiz que mais uma vez age à margem da lei e determina fora do prazo legal a prisão de um ex-presidente do Brasil em um cubículo de 15 m2, sem uma única janela.

Sob aplausos e fogos de uma sociedade doente, isola-o do mundo numa solitária.

Aquele povo alegre dos carnavais, do futebol, o último povo feliz na face da Terra, como já foi definido, tornou-se cruel, odioso, vingativo, violento e covarde.

Condenaram um Super-Homem, um homem perfeito, sem defeitos, sem pecados, acima da lei, sem erros cometidos…?

Não.

Um simples mortal, um homem comum, mas que traz consigo a marca dos infelizes e miseráveis desse país.

Pertencer a uma raça inferior; o povo brasileiro.

Aquele que nasceu aqui, não por acidente geográfico, mas porque estava destinado a nascer aqui e sonhar os seus sonhos mestiços, não os de outros.

Que não conhece o branco da neve, mas o marrom da seca.

Pequenos, vocês continuam ignorando tudo.

Cínicos, continuam apontando para qualquer quantia em dinheiro que seja atribuída a Lula e sua família e ignoram os milhões de propina comprovada de políticos do PSDB.

Com o seu cinismo e a sua estupidez, não percebem que condenam Sérgio Moro.

Afinal, como pode um homem ser tão ladrão, tão chefe de quadrilha, ter roubado milhões e milhões e, devassada a sua vida, o chefe da Intelligentsia brasileira nada consegue descobrir?

Esqueçam, por exemplo, o mais recente escândalo de blindagem do PSDB, envolvendo a retirada de Alckmin e companheiros do esquema da Lava Jato e o encaminhamento do processo para a justiça de São Paulo.

Mas saibam que há poucos dias o judiciário brasileiro mandou destruir, vou repetir, mandou destruir as provas contra Fernando Henrique Cardoso num processo que corria contra ele por enviar ilegalmente dinheiro para fora do país.

E isso ocorreu quando ele era presidente do Brasil.

Não mandaram arquivar, mandaram destruir as provas.

Vocês são somente idiotas ou algo mais?

Como entender que empresários, banqueiros e industriais comemorem a prisão do homem em cujos governos as suas empresas, bancos e indústrias mais cresceram e eles mais ganharam dinheiro?

Como entender que profissionais liberais comemorem a prisão do homem em cujos governos viram o apogeu dos seus consultórios e escritórios e ganharam muito mais dinheiro?

Como entender que a classe média comemore a prisão do homem cujos governos lhe ofereceram melhores salários e mais garantias individuais?

Simples, bem simples.

Porque ele, com todos os seus erros e acertos, foi o único que lançou um olhar sobre os invisíveis e ousou servi-los com um pouco da mesma bandeja que serviu aos privilegiados.

Se eu fosse um homem religioso e soubesse que existe realmente um Deus, podem ter certeza de que eu rezaria por vocês.

Pediria a Deus para afastar de vocês aqueles que roubaram seus cérebros e envenenaram seus corações.

É bem possível que vocês, estrangeiros que chegaram ao Brasil e seus descendentes brasileiros e foram tão bem acolhidos por este país e seu povo, não entendam isso na devida dimensão.

Mais do que não entender, é possível que vocês, que se estabeleceram nas zonas tidas como mais ricas, como a região Sul do Brasil, também não sintam na pele e na mesma intensidade a dor desse momento.

É compreensível, mas seria muito interessante se lançassem um olhar mais carinhoso sobre o povo brasileiro e seus sentimentos, sobre o seu jeito de ser.

Que tal se dessem a esse povo um pouco do muito que receberam?

Mas, aquele que, como eu, é descendente do índio, do africano e do português, certamente sabe dos males que nos atormentam desde sempre, desde que esse país foi descoberto.

Ainda que a minha pele branca, o meu cabelo, os meus olhos verdes e a minha árvore genealógica possam apontar para a parte holandesa da minha ascendência, daqueles mesmos que aportaram no Brasil por Pernambuco, eu sou fruto de uma mistura de raças.

“Todo brasileiro traz na alma e no corpo a sombra do indígena ou do negro”.
Gilberto Freyre

Como talvez em nenhum outro país, a mistura de raças representa uma das características mais fortes do brasileiro, o que o torna único no mundo.

Esse povo sofre, mas não se faz vítima.

O meu eventual sucesso não pertence só a mim.

Não sou o que sou, se sou, por méritos exclusivamente pessoais, mas circunstanciais.

Tenho plena consciência de que tive oportunidades que outros não tiveram e, pior ainda, hoje sei, muitos não terão.

Amigos de infância que jamais entraram num trem para fazer por uma única vez que fosse a viagem dos afortunados para ver os doces do mundo se oferecerem a eles nas janelas do trem.

Tão pouco e tão muito.

E muita coisa ia mudar mais ainda

Lula, mito'

Os meus títulos têm grande significado na minha vida profissional e sei o quanto representaram e representam para a minha família, particularmente para meus pais.

Algo que carrego comigo como homenagem a eles.

Mas, diante da vida, como aprendi a vê-la ensinado por eles, pouco ou nada significam.

Para a vida, e aqui falo particularmente da vida brasileira, da vida Zeferina, o que representam os meus títulos diante da grandeza de Lula?

Foi ele quem tirou 36 milhões de brasileiros da miséria.

Não fui eu.

Foi ele quem deu um lugar para morar a milhões deles.

Não fui eu.

Foi ele quem pôs luz em milhares de casas nos lugares mais longínquos desse imenso país.

Não fui eu.

Foi ele quem criou as condições para milhares deles irem ao médico pela primeira vez na vida.

Não fui eu.

Foi ele quem criou as condições para que muitos brasileiros, os netos daqueles que me ofereciam doces pela janela do meu transatlântico, frequentassem as faculdades e se tornassem doutores como eu.

Não fui eu.

Quem sou eu diante de Lula?

Doutor, posso lhe fazer uma pergunta?

Quem é você diante de Lula?

Ele, sim, representa muito.

Aquelas cidades, aquelas casas, aquelas pessoas me fizeram entender melhor o Brasil e seu povo.

Lula não está fincado no telhado das casas para transmitir as cores de uma vida que se passa em preto e branco e muitas vezes sequer se passava, pelos altos índices de mortalidade infantil, que ele, Lula, combateu.

Lula está fincado na alma e no coração do brasileiro.

É ali, lá dentro, bem no fundo, na alma, que Lula transmite todos os dias, ao vivo e a cores, o sentimento de que eles também são gente.

Lula não entende a alma do povo brasileiro.

Lula é a alma dele.

Lula expressa o povo brasileiro, é o seu espelho.

Lula é esse povo.

Esse povo é Lula.