Miséria humana

 

Por Ronaldo Souza

Ao longo dos anos Bolsonaro tem sido considerado um completo idiota, muito burro (é consenso que é o presidente mais burro que o Brasil já teve e virá a ter; nesse caso, o futuro se faz previsível), ignorante, estúpido, mentiroso, desajustado mentalmente, “canalha, covarde, contrabandista e com graves distúrbios psicológicos” (esta última descrição foi feita pelo Exército Brasileiro quando o expulsou dos seus quadros).

Também tentei, em vão, defini-lo.

Dei-me por vencido e, reconhecendo, chamei-o de inadjetivável (veja aqui Bolsonaro, o inadjetivável).

Entretanto, o jornalista Jânio de Freitas deu fim a essa questão, ao defini-lo como “miséria humana”.

Miséria humana!

Resolvida a questão, deixei-o de lado. Hoje, raramente falo ou escrevo sobre ele.

Não pretendo gastar um tempo de que não disponho para falar de um assunto que me é tão desagradável e constrangedor. Sempre é doloroso falar da miséria humana, seja em que sentido for.

O ovo da serpente

“Desprovido de valor, de importância, reles, de tamanho inexpressivo, minúsculo, ínfimo, que incita compaixão, que necessita de muita coisa, mísero, que incita desprezo, canalha, desonesto, vil”… Estas são algumas definições de “miserável” dadas pelo Dicionário Online de Português.

Como culpar um miserável por ser miserável?

Talvez Bolsonaro não tenha culpa de ser Bolsonaro.

Gestado por um processo perverso, ele é fruto de algo inconcebível.

Algo que não tem a ver com a vida, mas com a morte, morbidez que se tornou sua incrível e constante companhia.

 

Durante a sua vida, todos os limites do que que há de pior na raça humana foram ultrapassados, mas nos últimos tempos ele foi muito além das fronteiras da sua insanidade!

 

Em nada lhe afetam mortes e mortos.

Nos encontros e desencontros das duas vertentes mais aceitas, herança genética e meio em que se vive, devem estar as explicações que talvez consigam dizer porque Bolsonaro é o que é.

Entretanto, sem saber o que diz, muito menos o que faz, não parece ser tão simples culpá-lo, só ele, por tantos desatinos.

Chico Anysio, gênio do humor brasileiro, contava uma história que, inicialmente engraçada, hoje soa trágica.

Dizia ele que durante a criação do mundo, um anjo, sempre muito crítico, contestava Deus frequentemente. Em um desses momentos, apontando para vários países, disse o anjo:

– Veja, Senhor, nesses países o senhor pôs vendavais, tufões, maremotos, terremotos, temperaturas excessivamente frias, outras quentes demais… e, apontando para o Brasil, completou; agora nesse, o senhor colocou um céu esplendorosamente azul, dias ensolarados, um carnaval maravilhoso, florestas maravilhosas, frutas tropicais de sabor inigualável, temperaturas mais agradáveis, sem vendavais, tufões, terremotos…

Deus, que já andava de saco cheio do anjo, respondeu.

– Por que és tão precipitado, meu filho? Espera só para ver o povo que vou botar aí!!!

Faz-se absolutamente desnecessário qualquer esforço para se enxergar a origem daquela que é vista como a maior aberração e o maior desastre da história da política brasileira.

Mas, como isso foi possível?

Acontecimentos como esse só se tornam possíveis quando a sociedade atinge os mais elevados índices de degradação!

Política e políticos são demonizados e cria-se um enorme vazio no seio da sociedade. A história registra que esses vazios costumam ser “preenchidos” pela falta de ideias arejadas.

É comum então que homens doentes despertem na raça humana o que há de mais patológico nela.

Por isso, soa trágico o que um dia foi engraçado!

“O povo que vou botar aí”.

O fato é que um paquiderme jamais subirá numa árvore!

Veja o elefante; nunca conseguiria.

Alguém teria que colocá-lo lá.

Apesar das evidentes dificuldades, fazer isso não representa o maior problema. A grande questão é que a estrutura criada para colocá-lo na árvore não pode ser retirada.

O peso daquele corpo, que desconhece o equilíbrio, de imediato o levaria ao chão e proporcionaria (não deve haver nenhuma dificuldade em se chegar a essa dedução) um grande desastre; a destruição da árvore.

Por essa razão, quanto menos ele se mexer, mais fácil será. Ao contrário, quanto mais ele se movimentar mais dificuldades trará ao projeto.

Em cada patada, galhos irão se quebrar aqui e ali, o que faria desabar a árvore antes do tempo previsto. É, portanto, fundamental que se contenha o animal, mesmo sabendo que se trata de tarefa difícil, afinal, animal não raciocina, faz por instinto!

Assim, a enorme equipe que se cria para tornar possível o projeto de por o elefante na árvore sabe que, mais do que simplesmente colocá-lo lá, mecanismos precisam ser criados para que lá possa ser mantido.

Suas ações terão que ser controladas.

Apesar disso parecer fácil, não é.

Talvez não seja difícil imaginar que, diante de qualquer contrariedade e ameaçado de ser retirado da árvore, o paquiderme recorrerá à sua manada (que o ajudou a subir na árvore), para ajudá-lo mais uma vez. Não que a manada criará mecanismos de sustentação, isso é impossível, tendo em vista que, também paquidermes, não pensam.

Quem assistiu aos famosos filmes de Tarzan, lembra dos sinais emitidos por ele próprio e pelos elefantes no chamamento das manadas; era aterrorizante aqueles animais enormes chegando em grandes grupos acuando qualquer outro animal ou humano que estivesse pondo em risco o bem-estar de um deles.

Os famosos gritos de Tarzan eram sinais de comunicação entre os animais. Lembre que Tarzan foi criado na selva por animais.

Hoje, na verdade há cerca de dez anos, já foi identificada por pesquisadores o que eles chamaram de “linguagem secreta” dos animais, sinais trocados entre eles que os humanos não conseguem alcançar e entender.

Coisas ditas nos tempos atuais, sem nexo, estranhas, incompreensíveis, verdadeiros uivos e grunhidos e por isso não entendidos pelos humanos, são na verdade usadas como sinais que só as manadas entendem.

O paquiderme, sempre que acuado, emite os sinais.

Diante do chamamento, formam-se as manadas.

Como nos filmes de Tarzan, o barulho que fazem cria uma atmosfera de terror.

A presença física delas é uma constante ameaça aos humanos.

Nada racional, puro instinto.

A compreensão disso nos faz entender que o paquiderme, sozinho, representa o mal menor.

Há todo um contexto criado para não permitir mudanças no status quo

Diante de qualquer iniciativa para retirar aquele paquiderme de cima da árvore (o que entre os humanos tem um nome esquisito, impeachment), todo o sistema é mobilizado.

O paquiderme sabe que nada irá lhe acontecer ou aos seus filhotes.

Não é o rei da selva, mas quem o controla, controla tudo mais, inclusive a selva.

Uma frase consagrada por Bill Clinton, ex-presidente dos Estados Unidos, ligeiramente modificada pode ser utilizada e explica bem.

É a estrutura, estúpido!