O futebol, meu pai e eu

Por Ronaldo Souza

Meu pai contou essa história algumas vezes.

Ainda morávamos em Juazeiro (BA). Eu tinha cerca de 6 anos de idade. O Fluminense tinha perdido o título de campeão carioca na partida final para o Botafogo. Chorei muito.

Não sei quantos sabem, mas era comum no interior do nordeste torcer mais pelos times do Rio de Janeiro do que pelos dos seus próprios estados. Graças ao alcance de rádios como a Tupi, Nacional e depois Globo.

Éramos torcedores do Fluminense. Meu pai, meu irmão mais velho e eu. E eu chorei muito.

1958

O Brasil tinha acabado de se sagrar Campeão Mundial de Futebol.

Saímos às ruas da cidade que fez da minha infância um paraíso. Meu pai e eu, sempre pelas mãos dele.

– Pai, pai, aqueles ali são os jogadores da Seleção?

– Não meu filho, não são. E me explicou.

O maravilhoso mundo da criança. Só mesmo ela é capaz de imaginar que alguns minutos após a final do jogo em que o Brasil se sagrara Campeão Mundial de Futebol, na Suécia, os jogadores da Seleção Brasileira estariam comemorando nas ruas de Juazeiro.

Justifica-se. Se o Brasil para mim era Juazeiro…

Nunca tinha visto o Brasil, perdão, Juazeiro, tão alegre. As ruas estavam repletas de gente, quase todas embrasileiradas de verde e amarelo. Para um juazeirense era o mundo perfeito. Para uma criança era o paraíso.

O choro pelo Fluminense tinha ficado de lado.

1962

Ensaiando os primeiros passos que me tirariam da infância para a adolescência, aquela história, agora já conhecida, repetia-se. Aqui bem pertinho, no Chile.

O Brasil era agora bicampeão mundial de futebol.

E vi tudo outra vez. O Brasil se embrasileirou de verde e amarelo novamente.

Não, não perguntei ao meu pai se aqueles eram os jogadores da Seleção Brasileira.

– Pai, mande esse menino desligar o rádio, eu quero dormir.

“Esse menino” era meu irmão caçula.

Já estávamos morando em Salvador. Ainda muito pequeno, ele ficava ouvindo os jogos pelo rádio.

O caçula também já est
ava envolvido pelo futebol. Com um detalhe; O seu time não era o Fluminense.

Era o Bahia.

Como todo pai, o nosso, ainda torcedor do Fluminense, ficou com pena e começou a leva-lo à Fonte Nova. Na sequência, eu, que reclamava do rádio ligado à noite porque “queria dormir”, também passei a ir.

Surgia assim uma nova paixão, a maior de todas: o Bahia.

Paixão que não respeitou nem meu pai. Tornou-se o mais apaixonado torcedor do Bahia.

1970

Foi com o Bahia fazendo festa nos nossos corações que “partimos” para.a Copa do Mundo. A Copa de Pelé.

Era a última dele. No México.

E o México se vestiu de México. E fez festa, mesmo sabendo que eram poucas as suas chances de ganhar a Copa.

O melhor dos mundos; o México adotou o Brasil.

E Pelé e sua turma brilharam, ele como o grande rei do futebol que é.

E lá estávamos nós outra vez. Embrasileirados. Com as cores da Aquarela do Brasil.

A alegria das nossas cores, das nossas florestas, das nossas araras, dos nossos rios, do nosso arco íris, do nosso povo, tomava de vez o mundo.

O Brasil era tricampeão.

1982

A Copa que era nossa, mas não veio. Ficou lá. O futebol mais bem jogado, a técnica mais apurada, o futebol mais bonito, o futebol mais alegre, o futebol brasileiro, por uma crueldade do destino, não ganhou a Copa. Zico, Sócrates, Falcão, Júnior e os demais jogadores e o Brasil não mereciam aquilo que aconteceu na Espanha.

1994

E lá fomos nós, agora para os Estados Unidos. Uma copa sem brilho, inclusive no futebol jogado.

Mas lá estávamos, outra vez, 24 anos depois, no topo do futebol mundial.

O Brasil era tetracampeão.

2002

Pela primeira vez a Copa do Mundo não seria realizada na Europa ou nas Américas. E também pela primeira vez, seria realizada em dois países; Japão e Coréia do Sul.

Dois países? Sem problema. O nosso futebol seria capaz de encher aqueles países, tradicionalmente mais sisudos, mais formais, de alegria, cores e emoção. E foi.

O Brasil foi à Ásia e mostrou a sua garr
a e competência: ganhou todos os jogos.

Brasil, pentacampeão mundial de futebol.

2010

A Copa do Mundo na África. A Copa que deveria ser nossa.

O mundo invadiu a África e a África se mostrou ao mundo.

Que povo, que alegria.

Olhamos para eles e nos vimos. Nós nos encontramos outra vez com eles. O pedaço da África que vive em nós se refletia ali.

Com a força do leão, a África mostrava ao mundo a sua selva, as suas cores, as vuvuzelas, os seus sorrisos brancos de roupa bem limpa no belo contraste com os rostos negros. Mostrava os seus negros e os seus brancos.

Se era o reencontro de dois povos, com tanta identidade em jogo, os deuses do futebol tinham que entrar em campo.

Não entraram. E não foi a nossa copa.

Mas foi o reencontro das cores e da alegria. E são as cores e a alegria que trazem o sorriso acolhedor, tão.típico do brasileiro e do africano.

2014

Hoje é dia de Copa do Mundo.

E esta Copa só poderia acontecer no Brasil. Só no Brasil.

Porque hoje é o dia dos namorados.

É o dia em que o amor entra e toma conta da casa. E a casa se enfeita de flores, de cores, de afeição, de gestos delicados, para recebê-lo.

E em que país do mundo o amor se manifesta entre todos, brasileiros e não brasileiros de todas as partes do mundo que aqui vieram viver, com mais força, com mais ternura, com mais paixão do que no Brasil?

Estarei com as pessoas que mais amo; a minha mulher e as nossas filhas. Elas estarão embrasileiradas de verde e amarelo. Eu, com a camisa do Bahia, também embrasileirada, criada especialmente para a Copa.

Torceremos juntos.

Tenho certeza de que meu pai estará do nosso lado torcendo pelo Brasil.

Com a camisa do Bahia.

BBMP

Bora Bahia minha p…

Bora Brasil minha p…