O professor e o tecnicismo educacional

Por Ronaldo Souza

A prática concreta do professor do ensino superior assenta-se sobre três pontos principais: o
conteúdo da área na qual o professor é um especialista; sua visão de educação, de homem
e de mundo; a habilidade e os conhecimentos que lhe permitem uma 
efetiva ação pedagógica em sala de aula

Uma vez uma professora me disse que “político é tudo igual, é tudo farinha do mesmo saco”.

Naquele momento, de maneira disfarçada, encerrei a conversa, voltando a falar das coisas do ambulatório.

É que para mim, já há algum tempo, aquela frase “político é tudo igual, é tudo farinha do mesmo saco” representava uma das maneiras mais insensatas de alguém exibir ignorância sociopolítica e por isso se tornara uma senha. Assim que alguém dizia aquilo, era a minha deixa para sair da conversa.

O pensamento binário parece ter fixado residência em muitas mentes. Bom e mau, homem de bem e bandido…, uma forma elementar de viver. Veem a vida como uma equação exata.                   

Só é visto o que está à vista.

Pelo primarismo intelectual, é assustador o “bandido bom é bandido morto”.

Sob o manto do pragmatismo, muitas vezes se esconde a estupidez.

Recorro a Einstein:

“Só há duas coisas que não têm limites: a estupidez humana e o infinito. Mas ainda não tenho certeza quanto ao último”.

Não percebem, mas, sob a perspectiva da frase que virou senha, muita coisa poderia ser dita em qualquer segmento profissional. Para se ter uma noção bem clara dessa questão, ainda que existam professores e professoras com esse perfil, seria sensato dizer que “professor é tudo igual, é tudo farinha do mesmo saco”?

Quem o fizesse, estaria incorrendo no mesmo erro, por fazer uma generalização igualmente estúpida e incorreta.

Vamos lá.

A prática concreta do professor do ensino superior assenta-se sobre três pontos principais: o conteúdo da área na qual o professor é um especialista; sua visão de educação, de homem e de mundo; a habilidade e os conhecimentos que lhe permitem uma efetiva ação pedagógica em sala de aula

Este trecho, que você leu lá em cima, é o início da introdução do livro “O Professor Universitário em Aula”, dos professores Maria Cecília de Abreu e Marcos Tarciso Masetto 1.

Como um dos três pontos principais para a prática docente do bom professor, consta avisão de educação, de homem e de mundo”.

À parte a questão de gênero (de homem), que, nos tempos atuais, possivelmente seria tratada de outra forma, avisão de educação, de homem e de mundodiz praticamente tudo.

Vejamos o que vem logo em seguida, no mesmo parágrafo.

No desempenho do docente do ensino superior, é comum existir uma lacuna; o professor se caracteriza como um especialista no seu campo de conhecimentos; este é, inclusive, o critério para sua seleção e contratação; porém, não necessariamente este professor domina a área educacional e pedagógica, nem de um ponto de vista mais amplo, mais filosófico, nem de um ponto de vista mais imediato, tecnológico.

Observe que, mais do que um especialista na sua área, o ser professor do ensino superior tem uma amplitude bem maior do que a que se costuma ver. 

Desse universo fazem parte avisão de educação, de homem e de mundoe domínio daárea educacional e pedagógica…, sob “um ponto de vista mais amplo, mais filosófico….

Não haveria nenhum problema quanto ao professor especialista na área correspondente e o critério para sua contratação, se houvesse uma evolução no sentido de se perceber a real dimensão do que é ser professor do ensino superior, estágio final na preparação do profissional que irá servir à sociedade! Mas isso não parece acontecer, pelo menos na frequência que se imagina e deseja.

Reconheça-se que não é tão simples quanto pode parecer, ser clínico no consultório e professor na faculdade. E aí, claro, já fica patente que estamos falando principalmente da área da saúde, de dois segmentos profissionais em particular: Medicina e Odontologia.

É muito comum ouvir coisas assim:

O verdadeiro professor é aquele que desperta o aluno”;
O professor deve desenvolver o espírito crítico do aluno”;
O professor deve despertar o aluno para os anseios da sociedade”.

Não pode haver nenhum tipo de dúvida sobre o muito que há para se conversar a respeito dessas questões, mas eu logo faria uma pergunta que nesse momento julgo fundamental.

Há terreno para isso?

Quantas escolas permitem, de fato, esse processo?

Quando falo em escolas, refiro-me particularmente às Instituições de Ensino Superior (IES).

Trago para a nossa conversa o texto de Ebenezer Menezes2, sobre tecnicismo educacional, dando destaque a dois trechos em negrito:

Tendência verificada nos anos 70, inspirada nas teorias behavioristas da aprendizagem e da abordagem sistêmica do ensino, que definiu uma prática pedagógica altamente controlada e dirigida pelo professor com atividades mecânicas inseridas numa proposta educacional rígida e passível de ser totalmente programada em detalhes. Segundo o educador José Mário Pires Azanha, o que é valorizado nesta perspectiva, não é o professor mas sim a tecnologia, e o professor passa a ser um mero especialista na aplicação de manuais e sua criatividade fica dentro dos limites possíveis e estreitos da técnica utilizada. ‘Esta orientação foi dada para as escolas pelos organismos oficiais durante os anos 60 e até hoje persiste em muitos cursos com a presença de manuais didáticos com caráter estritamente técnico e instrumental.

Nessa perspectiva, professores se tornam organizadores de disciplinas/componentes curriculares.

Como desenvolver o espírito crítico do aluno nessas condições?

O que se vê, então, é o que aí está.

Sim, há muitas questões que precisam ser discutidas.

1. Abreu MC e Masetto MT. O Professor Universitário em Aula: prática e princípios teóricos. 8ª ed. São Paulo, MG Ed. Associados. 1990

2. Menezes, Ebenezer Takuno de. Verbete tecnicismo educacional. Dicionário Interativo da Educação Brasileira – EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, 2001. Disponível em www.educabrasil.com.br/tecnicismo-educacional/.