Por Ronaldo Souza
Coto pulpar versus Coto periodontal
Apesar de termos vivido um momento de “regeneração pulpar”, também conhecido como revascularização pulpar, não se tem conhecimento de que polpa necrosada se revitalize.
Aliás, foi incompreensível esse momento vivido.
É provável que em breve trarei e comentarei esse caso, mas devo dizer duas coisas agora.
- a obturação nesse limite foi intencional
- nunca o apresentei como revascularização pulpar, por uma razão bem simples; nada a ver.
Considerando-se que polpa necrosada não se reconstitui, não recupera a sua vitalidade, seria menos sensato ainda imaginar a ocorrência desse fenômeno, revitalização, no segmento tecidual onde ela é menos celularizada e por isso menos capaz de se defender e se reparar.
Assim, o coto pulpar que entra em processo de necrose teria menor chance ainda de se refazer e promover reparo. O reparo não ocorre simplesmente porque a polpa não se regenera.
Em outras palavras, podemos dizer que polpa necrosada não se revasculariza e renasce das cinzas, apesar do recente desejo demonstrado por alguns profissionais.
Assim, seria um equívoco creditar à polpa a responsabilidade pelo reparo onde ela é menos capaz.
Entre as funções do ligamento periodontal está a de servir como um “amortecedor” para os impactos que o dente sofre ao exercer as suas funções.
Talvez por conta dessa função, o ligamento periodontal “precisa” ser um tecido mais fibroso do que celularizado.
Você já ouviu dizer que a Natureza é sábia?
Na sua sabedoria, teria a Natureza “envolvido” o dente num folículo com tecido fibroso para que os impactos sobre ele fossem minimizados?
Veja o que dizem o Prof. de Histologia Flávio Fava de Morais (um dos grandes nomes e página especial da Odontologia Brasileira) e colaboradores no capítulo Histologia do Periodonto, no livro Periodontia Clínica, de Lascala e Moussalli (1989).
Por que, “diferentemente dos demais tecidos fibrosos…”, foi dado ao ligamento periodontal esse excepcional índice metabólico?
Para utilizar uma expressão bastante conhecida quando se trata do ligamento periodontal, esse tecido apresenta um alto turnover, um dos mais elevados do organismo humano.
Ou seja, ao contrário da polpa, o ligamento periodontal se reconstitui, se refaz, se … revitaliza, com extrema facilidade.
Você também “arranca” o coto pulpar?
Por que você “arranca” o coto pulpar?
Porque lhe ensinaram que ele vai necrosar e necrosando deve surgir uma lesão periapical e você “perde” o caso.
Ótimo, parabéns.
Disseram também que se você fizer ampliação foraminal não só elimina o coto pulpar e se livra desse problema, como cria um espaço maior para que ocorra a invaginação do novo tecido que se forma nesse espaço criado pela ampliação. Esse tecido constitui a base do reparo.
Para facilitar a nossa conversa, trago de volta essa imagem do primeiro texto.
Lá, eu disse que aquele tecido que está “dentro” do canal e representa o coto pulpar não é constituído por polpa, mas por tecido periodontal.
Durante o próprio tratamento o coto sofrerá agressões de natureza mecânica (instrumentação) e química (soluções irrigadoras).
Veja o que diz Catanzaro Guimarães, AS, no seu livro Patologia Básica da Cavidade Bucal (1982)
Terminada a pulpectomia, … tanto o coágulo como a faixa necrótica subjacente intensificam a reação inflamatória aguda ao longo do coto pulpar remanescente, … sendo que na maioria dos casos o processo necrótico envolve todo o coto pulpar.
Perceba que, ao contrário do que se ensinou durante muito tempo, a preservação do coto não ocorre “na maioria dos casos porque o processo necrótico envolve todo o coto pulpar.
Voltemos então a aquelas duas questões com as quais terminamos o texto anterior.
- O fato de ser coto pulpar ou coto periodontal muda alguma coisa?
- A necrose daquele tecido impede o reparo?
Muda sim e muito.
Se, de fato, aquela porção final fosse polpa (coto pulpar), tendo em vista que ele necrosa na maioria dos casos seriam bem remotas as chances de haver reparo, dada a sua incapacidade de se revitalizar, de se regenerar.
Fica mais fácil agora entender porque “diferentemente dos demais tecidos fibrosos, o ligamento periodontal apresenta excepcional índice metabólico”.
Sendo assim, e agora respondendo à segunda pergunta, a necrose daquele tecido não impede o reparo porque se trada do ligamento periodontal, que, graças a essa característica, se refaz e assume a responsabilidade pela reparação.
Em outras palavras, mesmo quando o processo necrótico envolve todo o coto pulpar, ele se refaz e readquire a condição de coto… periodontal
São os tecidos periodontais os responsáveis pelo reparo pós tratamento endodôntico.
Vamos lá?
Tecido necrosado não impede reparo
Foi um equívoco ensinar que o coto pulpar necrosado levaria ao insucesso.
Tecido necrosado não desempenha esse papel. Fluido tecidual estagnado também não.
É para isso que existe o sistema fagocitário.
Ao remover o tecido necrosado ele cria as condições favoráveis ao surgimento de um novo tecido.
É a presença da bactéria que muda essa perspectiva. É ela que, ao fazer do tecido necrosado e fluido tecidual estagnado nutrientes, torna-se responsável pelo fracasso do tratamento.
Há, portanto, duas alternativas de tratamento.
- Preservar o coto
O que acontecerá?
Perceba que não estou falando de preservação da vitalidade do coto, mas sim de preservação do coto. Estou falando da sua não remoção. Deixa-lo lá.
Deve ser lembrado que durante o preparo do canal ele sempre sofrerá agressões de natureza mecânica (instrumentação) e química (soluções irrigadoras), algo inerente ao próprio preparo.
Nessas condições, ele poderá:
- permanecer vivo
- necrosar parcialmente
- necrosar totalmente
Clinicamente, não temos como saber.
Diante da afirmativa de Catanzaro Guimarães de que “na maioria dos casos o processo necrótico envolve todo o coto pulpar”, se isso ocorrer ele será reabsorvido e novo coto será formado.
Portanto, preservando-se o coto, se não o removermos, haverá reparo.
- Remover o coto
O que acontecerá?
Uma vez que ele não é preservado e sim removido, tal qual na primeira situação surgirá um novo tecido e também haverá reparo.
E agora, como ficamos?
Preservando, surgirá um novo coto.
Removendo, surgirá um novo coto.
A primeira coisa a ser feita é uma dedução.
Haverá a formação de um novo coto do mesmo jeito. Nesse sentido não há diferença.
Aquela história de “você ainda tá preocupado com coto pulpar?”, “coto pulpar tá ultrapassado” e outras coisas assim, tudo isso é…
Isso mesmo.
E esse marketing que os professores “modernos” fazem nada mais é do que… marketing.
Ah, se os auditórios e as salas de aula soubessem disso! “O professor descolado” perderia o marketing.
É uma pena que auditórios e salas de aula não sejam informados sobre isso.
Sim, mas não há nenhuma diferença?
Há sim.
- A ampliação foraminal implica no uso de instrumentos (diâmetro/conicidade) para se conseguir uma boa ampliação. Não é incomum que pelo trauma tecidual adicional induzido aos tecidos ocorra dor pós-operatória com maior intensidade e mais frequentemente. Provavelmente por essa razão o uso de analgésicos e anti-inflamatórios tem sido bastante estimulado e utilizado para essas situações.
- Quando você faz ampliação foraminal e remove o coto, a qualidade da sua obturação tende a ser menor pela maior possibilidade de extravasamento de material obturador. É por conta disso que mais comumente são feitas aquelas obturações que desfilam (sob aplausos, conhecidos como curtidas, e muitos elogios) pelo facebook e instagram, onde se vê material obturador extravasando por todos os poros do paciente.
Ambas situações, ampliação foraminal e extravasamento de material obturador, constituem fatores de agressão aos tecidos envolvidos no tratamento. Não parece sensato submeter o paciente à maior possibilidade dessas ocorrências em nome de um procedimento que não lhe traz benefícios.
Não entendeu?
Vou repetir.
Ampliação foraminal e extravasamento de material obturador não trazem nenhum benefício ao tratamento.
Nenhum.
Além disso, a possibilidade de dor pós-operatória mais intensa e mais frequente e a recorrência a analgésicos e anti-inflamatórios podem levantar suspeitas sobre a competência do profissional quando comparado a outros, fato constatável no dia-a-dia.
Não se trata de “medo” da dor, como alguns gostam de alardear, inclusive em videoaulas no YouTube. Recomenda-se que não nos tornemos pobres demais nas nossas argumentações.
Esses homens maravilhosos e suas máquinas localizadoras de limite CDC
Agora?
Não, depois.