O que você quer que eu diga?

Professor

Por Ronaldo Souza

Logo no início do livro de Carlos Heitor Cony, “Antes, o Verão”, um garoto pergunta a um velho escritor:

“Por que você escreve livros se tudo já foi dito?”

Uma pergunta complicada.

Não, nem tudo já foi dito.

Ainda há muito por dizer.

Mas, digamos que tudo já tivesse sido dito.

Ainda assim, haveria algo a se considerar.

O jeito de dizer.

Muitas vezes o jeito de dizer faz a diferença.

Uma vez em um evento de Endodontia um colega disse a outro, e este me contou, que não me levava para dar aula no seu estado porque eu derrubo tudo que o grupo dele diz.

Se derrubo tudo que dizem, não sei, não faço ideia.

Só sei que já fui lá, no estado dele, incansáveis vezes levado por outros professores, nunca pelo grupo do qual faz parte; eles, realmente, nunca me levaram lá.

O detalhe é que não tenho nenhuma intenção de derrubar o que dizem, o que quer que se diga, onde quer que se diga.

Até porque seria uma tremenda indelicadeza, na verdade uma grosseria.

O que ocorre é que não sigo o padrão.

Sim, isso mesmo, não sigo o padrão.

Bons psicólogos e psicanalistas não lhe dizem o que fazer.

Procuram lhe mostrar a resposta que está em você.

Não aponto para a verdade.

Por uma razão bem simples.

Ela não existe.

Quer um exemplo?

Todos têm protocolos a ensinar.

Eu não tenho.

Todos sabem que nas minhas aulas desenvolvo linhas de raciocínio e convido a plateia a me acompanhar.

Seja num grande auditório, seja numa pequena sala de aula de curso de especialização.

Ao final, concordam ou não.

Se concordarem, ótimo.

Se não, naturalmente irão procurar quem lhes diga o que e como fazer.

Há muito tempo sei que o segredo para ser convidado é não dizer nada fora da caixa.

Muitos agem assim.

Não é conveniente convidar alguém que não vai falar o que se quer ouvir.

Há eventos de Endodontia que têm comportamento semelhante.

Alguns professores dizem a mesma coisa e ninguém percebe.

Vamos lá.

Eu falo de instrumentação do canal e, claro, de instrumentos.

De instrumentação mesmo, falo pouco, mas não faltam muitas informações sobre os instrumentos.

Mas há “aquele” instrumento sobre o qual eu falo mais e aí os detalhes chegam a níveis profundos, como quem parece saber sobre ele o que os outros não sabem.

Aí vem outro palestrante e faz o mesmo.

Fala de instrumentação do canal e, claro, de instrumentos.

De instrumentação mesmo, fala pouco, mas não faltam muitas informações sobre os instrumentos.

Mas também para ele há “aquele” instrumento sobre o qual fala mais e aí os detalhes chegam a níveis profundos, como quem parece saber sobre ele o que os outros não sabem.

Vem outro e faz a mesma coisa, mas “pensando” em outro instrumento.

Como repeti aqui as mesmas palavras para descrever os mesmos comportamentos, repetem-se nos eventos as mesmas aulas.

Sob o patrocínio de causas diferentes.

Resultado!

Não vamos a lugar nenhum.

A Endodontia não anda.

Quem percebe?

Mas saímos dos auditórios doidos para comprar.

Até o próximo evento, que nos espera de braços abertos com novos instrumentos de última geração.

Os instrumentos andam, a nossa geração não.