O rebaixamento da inteligência coletiva brasileira

Por Ronaldo Souza

Li “O Ócio Criativo”, livro de De Masi, sociólogo italiano, ali por volta de 2003.

Fascinante.

Ideias arejadas, pensamento ousado, incomum, que me fez despertar para algumas coisas.

De bem com a vida e apaixonado pelo Brasil e pelo povo brasileiro, hoje ele se mostra perplexo com o atual momento que vive o país.

Não é necessário ter uma mente brilhante como a dele para perceber a pobreza que se apossou das mentes de tantos brasileiros, mas, sem dúvida, ele nos ajuda a entender melhor a miséria que nos abateu.

Leia abaixo alguns trechos de recente entrevista de Domenico de Masi.

“Não podemos nos contaminar pela estupidez”

Neste momento, vocês estão nas mãos de um ditador, disse ele, argumentando que Mussolini, Hitler e Erdogan também foram eleitos.

Esta ditadura reduz a inteligência coletiva do Brasil. Durante esta pandemia, Bolsonaro se comportou como uma criança, de um jeito maluco. Ou seja, o ditador conseguiu impor um comportamento idiota em um país muito inteligente. Porque é isso que fazem as ditaduras.

Este me parece um fato tão óbvio que às vezes nos passa despercebido. Quando o país é comandado por pessoas tão tacanhas, a tendência é o rebaixamento geral do nível cognitivo da sua população.

É fácil entender por quê. Sob Bolsonaro, Damares, Araújo, Pazuello, Salles, Guedes & Cia, vemo-nos obrigados a retomar debates passados, alguns situados na Idade Média, ou no século 19, como se fossem novidades. Terraplanismo, resistência à vacinação e a medidas básicas de segurança sanitária, pautas morais entendidas como questões de Estado, descaso com o meio ambiente, tudo isso remete a um passado que considerávamos longínquo.

Quando entramos nesse tipo de debate entre nós, ou com as “autoridades”, é como se voltássemos da pós-graduação às primeiras letras do curso elementar. Somos forçados a recapitular consensos estabelecidos há décadas, como se nada tivéssemos aprendido. É como forçar cientistas a provar de novo a esfericidade da Terra ou a demonstrar eficácia da vacinação. Ou defender, outra vez, a necessária separação entre Igreja e Estado, mais de 230 anos depois da Revolução Francesa.

É muita regressão e ela nos atinge. De repente, nos surpreendemos discutindo o óbvio, gastando tempo com temas batidos e desperdiçando energia arrombando portas abertas séculos atrás na história da humanidade.

À parte a necessária luta política para nos livrarmos o quanto antes dessa gente, entendo que existe uma luta particular e que depende de cada um de nós: a luta para não emburrecer. Manter a lucidez e a inteligência através da leitura de bons autores e da escrita. Manter viva a sensibilidade pela conversa com pessoas normais e pela boa música. Assistir a bons filmes para contrabalançar a barbárie proposta pela vida diária e pelas redes sociais.

Enfim, mantermo-nos íntegros e fortes para a reconstrução futura do país. Não podemos ser como eles. Não devemos imitá-los em sua violência cega. Não podemos nos deixar contaminar por sua estupidez. Eles passarão. E estaremos aqui, para recomeçar.

Provavelmente, o que leva a esse rebaixamento é ódio e ressentimento por levar as pessoas a se sentirem, no fundo, perdedoras (é o caso de todos os bolsonaristas que conheci mais de perto) e ter de encontrar bodes expiatórios para culpá-los. A cultura competitiva, que estabelece, com critérios perniciosos, o que é ter sucesso, faz com que quem entra nesse jogo perverso, sinta-se, no final das contas, sempre um perdedor.