Por Ronaldo Souza
Quando olho para trás vejo sem dificuldade que a minha vida parece ter sido “guiada” por alguém.
E se há algo que me agrada é ver que ela não foi linear.
Não se trata de altos e baixos.
Dramas e tragédias?
Não, não os vivi.
Não foi por aí, mas, certamente, houve mudanças de rota bem significativas.
Fiz eu próprio, “alguém” me conduziu, as duas coisas?
Isso não me aflige, não me tira o sono.
É grande e gostosa a sensação de que fiz o que canta Zeca Pagodinho; deixei a vida me levar.
Num desses momentos conheci a minha companheira.
O que vinha sendo tão “incidental”, acho que posso chamar assim, continuou sendo em boa parte, diria até com uma dose de inconsequência um pouco acima do tom.
Mas a sabedoria dela passava a ser fator importante para o homem que estava em formação.
Com ela aprendi muito.
E as nossas filhas chegaram.
Ali estava tudo.
Ali estávamos nós.
Ali estavam as nossas ligações com o mundo.
Que nos fizeram curtir mais e melhor o passado como doce lembrança, viver o fogo do presente e projetar o futuro.
O nosso, que continua vivo, mas, sem poder negar que, sobretudo, o delas.
Nesse Universo, foi muito o tudo que construimos juntos.
Foi com elas que aprendi a ver com mais clareza o feminino que há em mim.
Como diz Gilberto Gil na sua bela canção:
“Minha porção mulher que até então se resguardara
É a porção melhor que trago em mim agora
É que me faz viver”.
O meu futuro é feminino.
Elas são o meu futuro.
Por elas, sofro por esse legado de horror, com tanto preconceito, ódio e violência.
Por elas, também me sinto vítima dessas aberrações, desses homens violentos.
Homens que desrespeitam e ofendem as suas próprias companheiras e filhas.
Homens que, mesmo quando vítimas da violência que disseminam, apontam armas, simbólicas ou não, como reflexo da violência que vive neles.
Homens que, mesmo no leito de um hospital, com a saúde seriamente abalada, não percebem a dimensão da vida.
Não, não alimento nenhum ódio por homens como Bolsonaro.
Na busca de uma vida que me permita viver em paz comigo mesmo, não posso e não devo alimentar esse ódio.
Ainda que seja um sentimento pesado, tenho, isso sim, pena de quem parece não encontrar um sentido maior para sua vida, que deveria ir além, muito além, do preconceito e do ódio.
Quanto às mulheres que votam em Bolsonaro, só me resta chorar por elas, porque parecem ter perdido o amor próprio.
Depois de tantas lutas e conquistas, parecem não saber mais o que significa ser mulher.
Como saber, assim, reconhecer um homem?
“Eu preciso é ter consciência do que eu represento nesse exato momento
No exato instante na cama, na lama, na grama,
Em que eu tenho uma vida inteira nas mãos”.
Gonzaguinha
https://www.youtube.com/watch?v=EJw5fthOk00
Muito me importa e agride a face da violência que mata o melhor da criança; a sua inocência e pureza.
No entanto, muito além disso me angustia a mente doente por trás desses gestos.
Naquela criança ainda moram a inocência e a pureza que vi nas minhas filhas e você viu nas suas.
Por isso, muito mais do que pelas mulheres que caminham ao lado de homens como o capitão Jair Bolsonaro, homens que não sabem o que é ter uma vida nas mãos, choro pelo futuro dos seus filhos, particularmente de suas filhas.
Porque terão sido fruto de uma “fraquejada”.
Serão idiotas.
Serão analfabetas.
Serão estupradas, a depender de serem bonitas ou feias.
Serão vagabundas.