Por Ronaldo Souza
“Direitos humanos são para humanos direitos”
Ah, como é bom sabermos que somos pessoas do bem, não é mesmo?
É sempre bom fazer parte da categoria dos predestinados porque seremos os predestinados escolhidos por predestinados que se autopredestinaram para então poder determinar quem são os predestinados.
É muito bom, é sensacional.
Como nascem os predestinados?
Inicialmente, a predestinação é vislumbrada.
A primeira coisa que fazem é se autopredestinarem.
Eles se autodeclaram.
Os eleitos pelos deuses criam então uma categoria, a dos predestinados.
E aí criam medalhas, prêmios…
Como projeto bem sucedido e que avança, em breve será criada a Sociedade das Pessoas do Bem.
Inteligência, sensibilidade e conhecimento serão os requisitos fundamentais para fazer parte dela, mas consta que os autodeclarados, que irão fazer a seleção, já estão pensando em modificar para dificultar mais a “entrada” de membros. Estão percebendo que esse critério de seleção é pouco restritivo, pois observações feitas nas redes sociais (que serão o grande termômetro da Sociedade das Pessoas do Bem) têm demonstrado o enorme aumento da inteligência, sensibilidade e conhecimento na sociedade brasileira e assim entraria gente demais.
E toda sociedade que se pretende poderosa e distinta tem que ter mecanismos fortes de restrição.
“Bandido bom é bandido morto”
Existem inúmeros momentos que refletem claramente esse grande aumento da inteligência, sensibilidade e conhecimento na sociedade brasileira.
A frase lá em cima, “direitos humanos são para humanos direitos”, representa um deles, um momento que beira a genialidade.
“Bandido bom é bandido morto” é outro desses momentos, sem dúvida, uma frase de rara sensibilidade e de demonstração do grande desenvolvimento dos futuros membros desse seleto grupo.
Não à toa, este será o lema da Sociedade das Pessoas do Bem.
Tudo ficará mais fácil e confortável.
Por exemplo.
Quando os garis, aqueles seres que recolhem o nosso lixo no dia-a-dia (infelizmente vamos continuar precisando deles), criarem essa distinção na classe saberemos quem são os garis do bem e os garis do mal.
Será muito bom porque escolheremos para recolher o nosso lixo somente os garis do bem, claro.
Exigiremos do prefeito que somente eles façam isso, os garis do mal ficarão para os bairros da periferia, onde certamente não moram pessoas do bem.
E o prefeito terá que acatar, afinal, precisa do nosso voto, o voto das pessoas do bem, que é um voto diferenciado, vale mais.
Assim será com dentistas, médicos, arquitetos, advogados, engenheiros…
Ficará mais fácil fazermos a tão sonhada separação, elemento indispensável para a criação, desenvolvimento e perpetuação de qualquer sociedade que se preze.
Teremos lojas específicas para as pessoas do bem (de griffe) e para as outras.
E os restaurantes e bares?
Serão identificados de acordo com a sua categoria.
Para não chocar muito e nos chamarem de excludentes, serão criadas decorações específicas para identificação de quem é quem.
Tudo isso por arquitetos do bem, claro.
E atenção!
Fica estabelecido que todos os membros da Sociedade das Pessoas do Bem serão obrigados (sociedade sem democracia não funciona) a postar fotos e mais fotos das viagens a Miami, inclusive da comida que comem nos restaurantes chiques (não, tire isso e ponha chic, original em francês e mais compatível com a Sociedade).
Sabe qual é a boa?
Há notícias de que restaurantes em lugares assim estão pensando em criar uma taxa que você paga só para sentar e tirar foto do prato. Será um preço acessível para um investimento que vale a pena para manter o status de pessoa do bem, sem ter que comer aquilo.
Para os restaurantes é um retorno interessante porque se livram mais rapidamente das pessoas do bem do Brasil, que costumam ser muito bem vistas por lá, pela finesse que possuem.
Depois você sai e vai comer um McDonald’s, afinal é um “prato” americano, portanto, também internacional.
Não é legal?
Os consultórios serão bastante diferentes.
Haverá consultórios dos dentistas do bem e consultório dos outros, para os outros, porque é claro que não só os pacientes do bem precisam ser atendidos, mas também os outros que não são do bem (devem ser do mal).
Haverá consultórios dos dentistas do bem e consultórios dos outros.
Haverá consultórios dos médicos do bem e consultórios dos outros.
Não poderá haver falhas nessas decorações.
Assim será com sanitários públicos, supermercados…
Não se preocupe, não haverá como dizer que é segregacionismo, por uma razão bem simples.
Ninguém tem culpa de ser uma pessoa do bem.
E ninguém tem culpa também de que eventualmente só existam brancos entre as pessoas do bem.
É seleção natural.
É evolução.
É Darwin.
Ou ……?