Por Ronaldo Souza
Adoro Rubem Alves.
Professor, escritor, psicanalista, teólogo, avô, um homem diferenciado na sua forma de pensar.
Um sábio.
O seu lado professor sempre foi muito forte, indo muitas vezes de encontro ao que o professor, numa quantidade considerável de vezes, representa:
Arrogância.
Quem assumirá que é arrogante, prepotente, preconceituoso…?
Vaidoso?
Não, não somos vaidosos.
A vaidade é algo que passa ao largo nas nossas vidas.
Somos todos humildes, simples, gente boa.
E tolos.
Não percebemos que, por mais que tentemos disfarçar, nós nos exibimos mais do que somos capazes de imaginar.
Passe um, dois, três dias em um evento da sua classe.
Meu Deus!
A vaidade desfila tranquila, leve e solta pelas salas, auditórios e corredores, como que rindo de todos.
Ah, os títulos, como somos importantes!!!
Sem eles, nada somos.
Quantas publicações, em quais periódicos, qualis, fator de impacto, evidências científicas que dançam ao sabor dos ventos (e das conveniências), revisor, editor; não, nem venha com seu canto bonito, com seu talento, procure outra floresta.
Com a visão embotada, o óbvio lhes foge.
Humildade e simplicidade são características muito difíceis de encontrar nos tempos atuais.
Entre professores mais ainda.
“Vinde a mim os humildes, pois deles será o Reino dos Céus”.
Alguém consegue imaginar a passagem bíblica no mundo acadêmico?
“Vinde a mim os humildes, pois deles será o Reino das Ciências”.
Rubem Alves sabia disso como poucos.
Mas nunca deixou de alçar seus voos.
Belos.
E perigosos.
Há sempre alguém que ousa.
Ele cantava como um sabiá.
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Urubus e sabiás
Por Rubem Alves
Tudo aconteceu numa terra distante, no tempo em que os bichos falavam… Os urubus, aves por natureza becadas, mas sem grandes dotes para o canto, decidiram que, mesmo contra a natureza eles haveriam de se tornar grandes cantores. E para isto fundaram escolas e importaram professores, gargarejaram dó-ré-mi-fá, mandaram imprimir diplomas, e fizeram competições entre si, para ver quais deles seriam os mais importantes e teriam a permissão para mandar nos outros. Foi assim que eles organizaram concursos e se deram nomes pomposos, e o sonho de cada urubuzinho, instrutor em início de carreira, era se tornar um respeitável urubu titular, a quem todos chamam de Vossa Excelência. Tudo ia muito bem até que a doce tranqüilidade da hierarquia dos urubus foi estremecida. A floresta foi invadida por bandos de pintassilgos tagarelas, que brincavam com os canários e faziam serenatas para os sabiás… Os velhos urubus entortaram o bico, o rancor encrespou a testa, e eles convocaram pintassilgos, sabiás e canários para um inquérito.
– Onde estão os documentos dos seus concursos? E as pobres aves se olharam perplexas, porque nunca haviam imaginado que tais coisas houvessem. Não haviam passado por escolas de canto, porque o canto nascera com elas. E nunca apresentaram um diploma para provar que sabiam cantar, mas cantavam simplesmente…
– Não, assim não pode ser. Cantar sem a titulação devida é um desrespeito à ordem.
E os urubus, em uníssono, expulsaram da floresta os passarinhos que cantavam sem alvarás…
MORAL: Em terra de urubus diplomados não se houve canto de sabiá.