Por Ronaldo Souza
Há poucos anos, ao encontrar um professor de outra área ele me disse.
– Ronaldo, acabei de saber que a técnica da Condensação Lateral está ultrapassada, ninguém usa mais. É verdade isso?
Falei que de fato existiam novas técnicas, mas que não era bem assim, que a condensação lateral ainda era utilizada, essas coisas.
– Pois é, ela afirmou que agora era assim…
E sem que eu pudesse esboçar qualquer reação me pegou pelo braço e me levou até ela, que ainda estava no mesmo ambiente em que nos encontrávamos.
Fiquei um pouco constrangido, ela parece que não.
Jovem, bonita, recebeu-me um pouco friamente, ainda que de forma educada. Tive, porém, a impressão de sentir uma certa arrogância, comum em jovens que acabaram de descobrir a pólvora.
Confirmou que ninguém mais usava a condensação lateral em Endodontia. No curso de especialização que tinha feito recentemente ela tinha aprendido e só usava agora técnicas modernas e não conseguiu esconder a satisfação ao pronunciar System B.
Além disso, fez questão de me dizer qual foi o curso que fez e quem era seu coordenador-professor.
Não precisava.
Ele já é bastante conhecido por essas praias.
O seu compromisso com a ética também.
Assim, estava decidido; condensação lateral, nem pensar.
Lembrei-me desse episódio um dia desses e resolvi então falar sobre isso.
Vamos lá.
Vamos conversar sobre as técnicas da guta percha termo plastificada, condensação lateral e cone único.
Ensinaram à nossa colega que as técnicas modernas de plastificação da guta percha são muitos superiores à da condensação lateral, razão pela qual ninguém mais usa esta última.
Existem vários vídeos na internet falando sobre sistemas de plastificação da guta percha e, apesar de alguns detalhes, de modo geral eles trabalham com o princípio básico de aquecimento da guta percha para, diante da sua plastificação, condensa-la melhor visando maior compactação e homogeneidade da obturação.
Como um dos sistemas que usávamos anteriormente não vinha funcionando muito bem, vou colocar a primeira parte do vídeo da própria empresa de outro que utilizamos mais nos nossos cursos (há 4 anos, com bons resultados). Editei o vídeo diminuindo-o em tamanho e o dividi em duas partes. Vejamos a primeira delas.
Como o System B e outros sistemas, o Friendo funciona pelo aquecimento da sua ponta que, em contato com a guta percha, promove a sua plastificação e permite a sua compactação na busca de maior homogeneidade.
Em outras palavras, é o calor que plastifica a guta percha para que a sua condensação atinja esse objetivo.
Uma proposta muito interessante, bastante divulgada e, sem dúvida, com algumas vantagens.
E se nós mudarmos a fonte de calor?
O que aconteceria se ao invés de usarmos qualquer um desses sistemas usarmos, por exemplo, esta fonte de calor?
A tradicional lamparina de álcool.
Pelo fato de não usarmos uma fonte de calor moderna e sim esta, você acha que…
a) a guta percha não será plastificada
b) a guta percha vai se aborrecer
c) a guta percha será plastificada
d) a guta percha será plastificada, mas ficará muito chateada com você por usar uma ferramenta “ultrapassada”
e) a guta percha não será plastificada e, portanto, não haverá reparo da lesão periapical
f) a guta percha será plastificada e, por isso, ufa, graças a Deus haverá reparo da lesão periapical
Como tudo começou
A Técnica de Schilder, pioneira na plastificação da guta percha, foi proposta em 1967 e usava como fonte de calor a chama de uma lamparina de álcool.
O instrumento era aquecido na chama, levado ao canal e, ao mesmo tempo em que removia parte da guta percha, plastificava as suas porções mais apicais que eram então compactadas com os condensadores. Surgiram assim os famosos condutores de calor (heat carriers) de Schilder, para plastificação da guta percha.
Ao atingir o terço apical, a guta percha plastificada era bem condensada e assim preenchia eventuais canais laterais e outras ramificações do sistema de canais. Era grande e motivo de festa o extravasamento de material obturador para os tecidos periapicais.
Olhando-se para a frente via-se o terço apical do canal preenchido dessa forma, para trás viam-se os terços médio e cervical vazios. É que enquanto se avançava com a indução de calor, remoção e condensação da guta percha para o terço apical, objetivo de Schilder, os dois primeiros terços do canal, claro, iam ficando vazios. Como assim não podiam ficar, eram então “reobturados”.
Ainda que eventualmente com objetivos diferentes e sem que muitos profissionais sequer suspeitassem, de uma certa forma essa técnica é utilizada há muitos anos nos casos de preparo de espaço para pinos.
Provavelmente na maioria das vezes, o preparo de espaço para pinos tem sido feito dessa maneira, com a diferença de que os terços cervical e médio não são reobturados, pois precisam permanecer vazios para o pino.
Em 1996, em cima da ideia de Schilder, (Stephen) Buchanan desenvolveu o System B.
O que se fazia com a chama de uma lamparina de álcool, e muitos ainda fazem, agora pode ser feito através de sistemas modernos.
Mas você percebe que “venderam” a ideia do System B à nossa colega como a solução dos problemas?
Percebe que a moderna solução dos problemas e a forma clássica de fazer são a mesma coisa, têm exatamente o mesmo princípio físico, o calor, só muda a fonte?
Sendo o calor o responsável pelo sucesso da sua obturação e consequentemente dos seus tratamentos endodônticos (façamos de conta que sim), usar outra fonte que não seja a que seu professor “depositou” goela abaixo elimina as suas chances?
Responda a esta pergunta:
O princípio físico em que se apoia o procedimento é o calor ou a fonte?
Claro que usar outra fonte de calor, no caso a lamparina de álcool, em nada altera o seu resultado.
Com isso estou condenando as técnicas modernas de plastificação da guta percha?
Também claro que não, muito pelo contrário. Nós usamos nos nossos cursos.
O que ocorre é que os nossos alunos, como essa aluna do nosso curso de especialização na imagem aí em cima, usam essas técnicas (aqui usando o Friendo) sabendo porque usam e quais as suas vantagens.
Praticidade, simplicidade, possível ganho de tempo e outras razões dessa natureza.
Não porque imaginam que é a solução dos problemas.
Por uma razão bem simples.
ISSO NÃO É VERDADE!!!
Deu para ouvir aí que gritei bem alto para todos ouvirem?
Assim os nossos alunos são orientados.
Para saber que dispõem de mais um ótimo recurso para fazer uma boa obturação.
Só. Nada mais, nada menos.
Enganaram a nossa colega.
Na verdade, estão enganando muita gente.