Que técnica usar para obturar os canais? 2ª parte

Dúvida'2

Por Ronaldo Souza

Na primeira parte deste texto conversamos sobre a Técnica de Schilder e eu disse:

Ainda que eventualmente com objetivos diferentes e sem que muitos profissionais sequer suspeitassem, de uma certa forma essa técnica é utilizada há muitos anos nos casos de preparo de espaço para pinos.

Observe a figura abaixo.

Schilder - espaço para pino

Radiograficamente os dois incisivos centrais superiores estavam bem tratados, mas apresentavam lesão periapical e por isso a paciente me foi encaminhada para retratamento, pois serão feitas duas próteses com pinos. A paciente é uma colega.

Na figura A estou desobturando o 11 e já cheguei e ultrapassei o canal cementário e forame apical. Na figura B ele já está obturado.

Observe que os terços cervical e médio estão vazios, sem obturação. Aqui foi feita a técnica de Schilder. Indução de calor com a ponta do instrumento aquecida, corte da guta percha por aquecimento e condensação da guta percha plastificada.

Com o “avanço” em direção apical, os terços iniciais vão ficando vazios. Por outro lado, perceba como a plastificação da obturação favoreceu o seu “espalhamento” nas porções finais do canal.

Veja agora o 21 na figura A. Está com um pino e o canal também será retratado. Perceba que na figura B a obturação da porção final do canal já foi removida, o canal foi reinstrumentado, preenchido com hidróxido de cálcio (setas) e o pino provisório foi instalado (um dia converso com você sobre isso e a relação Endo-Prótese).

O canal foi reobturado e assim aparece na figura C, com o pino provisório já instalado. Veja como também aqui a plastificação da obturação favoreceu o seu “espalhamento” nas porções finais do canal.

Peguemos a radiografia final.

Schilder - espaço para pino'

Como o 21 não possui mais a coroa, nele será feita uma prótese com pino. Entretanto, por ainda apresentar parte da sua estrutura coronária, sem fazer juízo de valor digamos que o 11 pudesse ser restaurado sem a instalação de uma prótese com pino.

Caso fosse essa a opção, os terços cervical e médio deveriam ficar vazios?

Não.

Eles deveriam ser reobturados, pois, como é do conhecimento de todos, os canais não devem ficar vazios.

Isso era feito com novo preenchimento com cones de guta percha e cimento e nova plastificação não deveria ser feita porque, claro, resultaria em novo esvaziamento dos referidos terços. Ou, pelo menos que não se fizesse a plastificação com a mesma intensidade. Só mesmo para permitir uma boa condensação.

Isso hoje também deve ser feito e pode ser da forma clássica ou com a pistola que compõe o sistema, que é a segunda parte do vídeo que editei.

https://vimeo.com/200913134?utm_source=email&utm_medium=vimeo-cliptranscode-201504&utm_campaign=29220

Talvez seja interessante ressaltar que é comum os alunos não se sentirem tão atraídos pelo uso da pistola. Usam mais o Friendo.

Da mesma maneira também chamar a atenção para o fato de que tudo que conversarmos na primeira parte deste texto sobre o System B e Endo Apex pode ser projetado para o Touch’n Heat, BeeFill, Obtura, ou qualquer outro sistema de obturação.

Técnica do cone único e travamento do cone

Vou recorrer a outro texto; As incongruências na Endodontia

Lá eu disse o seguinte:

Ao fazer a prova do cone de guta percha em um canal reto e observarmos a sensação tátil de travamento, tínhamos acertezade que ele travara na porção mais apical do canal; no comprimento de trabalho.

Observe que o “certeza” está entre aspas. Fiz isso porque sabia que voltaria a esse tema, pois sei que é assim que muitos imaginam, isto é, que no canal reto certamente o cone trava no CT.

Nem sempre.

Na técnica da condensação lateral pode-se considerar que a colocação de cones acessórios representa um gasto de tempo incompatível com a rapidez que se exige hoje das técnicas de preparo e obturação dos canais.

Surge então como opção a técnica do cone único.

Tendo em vista que é muito comum que as devidas explicações nem sempre sejam dadas, é bem possível que alguns profissionais pensem que essa técnica não pode ser feita com um cone, digamos, convencional, ou seja, com conicidade .02. 

Pode sim.

Apesar de estar muito associada aos cones com conicidade mais acentuada, observe que a técnica propõe que se obture o canal com um único cone, mas, não diz, nem pode dizer, que tipo de cone é.

É técnica de cone único e não técnica de tal cone único.

O que se impõe é que, seja ele qual for, o cone deve estar muito bem adaptado e essa adaptação não se refere somente ao CT, mas a todo o corpo do canal.

Se você preparar um canal e usar somente instrumentos de conicidade .02, esse canal não deverá ser obturado com um cone .04, muito menos com um .06.

Por outro lado, se o preparo for feito com instrumentos de conicidade .04 ou .06 não se recomenda que seja obturado com cone .02.

Deve-se entender que o travamento do cone que tanto se busca só interessa se for feito no CT. Em qualquer outra parte do canal ele perde a razão de ser.

Dito isso, observe na figura abaixo (retirada do trabalho de Villegas e cols. no Journal of Endodontics) que as setas em a apontam para o travamento do cone .02 no comprimento de trabalho, onde se deseja, em um incisivo central superior, mas em b, com um cone de conicidade .10, elas apontam para um local aquém dele. Nos dois casos o profissional teria a confirmação de travamento do cone imaginando que em ambos teria ocorrido no local certo, no CT, e não foi. Sob o ponto de vista clínico é no mínimo muito pouco provável que esse detalhe seja tatilmente perceptível.

Que tipo de interferência isso poderia trazer à qualidade do selamento?

Conicidade dos cones 1

Observe agora na figura abaixo como o cimento acompanha toda a extensão do cone de guta percha, cumprindo o seu papel de ajuda-lo a obturar o canal (setas na figura a  canal obturado com cone .02), o que não ocorre na figura b. Pela sua maior conicidade (taper), o travamento do cone .10 aquém do comprimento de trabalho impediu a chegada do cimento até o CT. Nessas condições, não parece difícil imaginar a menor capacidade seladora da obturação.

Conicidade dos cones 2

Talvez aí se encontre a explicação para o selamento inferior da técnica do cone único quando comparado ao da condensação lateral no trabalho que o professor Hênio Horta não queria publicar.

Devemos deduzir então que é assim que acontece todas as vezes em que se obtura com cone único?

Claro que não. No entanto, esta e outras situações podem acontecer e o endodontista sequer desconfiar, porque não é orientado para essa possibilidade.

Ou vamos continuar fazendo de conta que desconhecemos o perfil de alguns ministradores de cursos que só ensinam como fazer?

É assim que devemos tratar a Endodontia?

Gosto da técnica do cone único e a ensinamos nos nossos cursos. Mas o aluno é orientado quanto às suas reais possibilidades. Como já disse anteriormente, é uma técnica extremamente simples, mas tem seu grande momento, seu momento mais delicado, justamente na escolha do cone.

Questões como essas precisam ser abordadas nos cursos e eventos de Endodontia.

Porque não são, ainda está por  ser respondido. 

Voltaremos a conversar na terceira parte deste texto.