“Remodelação foraminal”

O texto abaixo foi escrito em resposta ao Dr. Samuel Nogueira, pelo comentário que ele
escreveu numa postagem do Grupo de Endodontia da ABO-Bahia, no Instagram

Por Ronaldo Souza

Vamos conversar um pouco sobre o conceito de (Herbert) Schilder, “Cleaning and Shaping”.

A primeira coisa a fazer é traze-lo para o Brasil – “Limpeza e Modelagem”.

A necessidade de se atingir esses dois objetivos está consagrada e algo consagrado parece e deveria ser algo devidamente estabelecido e, pelo menos em tese, bem entendido.

Não é.

Ações simultâneas que são, a modelagem por si só já promoveria uma “razoável” limpeza do canal (para efeito de melhor compreensão, não vou fazer considerações sobre sistema de canais – vou usar somente a expressão canal), mas, como sabemos, há necessidade da ação química das substâncias utilizadas para o preparo do canal.

Por que modelagem?

As imagens radiográficas, tão valiosas ainda hoje e muitas vezes equivocadamente diminuídas na sua importância, nos fez imaginar os canais como um espaço cônico.

Daí, por óbvio, a indústria sempre “construiu” instrumentos cônicos.

Poderia ser de outra forma?

O bom senso diz que não.

Para canais cônicos, os instrumentos que vão trabalhar neles precisavam ser cônicos.

Prepara-se então o canal “cônico” com instrumentos cônicos.

Tudo de acordo com o figurino.

Como obtura-los?

Com materiais… cônicos!

Poderia ser de outra forma?

O que recomendaria o bom senso?

Canal dentinário

Aprendemos que o canal se divide em dentinário e cementário e que seriam dois cones opostos que se superpõem.

Dois cones opostos que se encontram devem gerar um ponto onde haverá uma constrição.

Como os dois canais que se encontram são o dentinário e o cementário, não parece sensato que esse local tenha sido denominado de Cemento-Dentina-Canal, CDC?

Estabeleceu-se que o campo de ação do endodontista era o canal dentinário; o cementário seria intocável, sagrado, e o tecido no seu interior deveria ser preservado.

É bem possível que para que esse conceito tivesse sido estabelecido a anatomia radicular tenha sido considerada.

A começar pelo fato de que o canal dentinário tem como paredes laterais a dentina, um tecido, como sabemos, do dente, enquanto o cementário, não. Suas paredes são constituídas por cemento, o que o torna um tecido perirradicular.

Sem qualquer juízo de valor sobre o conceito que determinou que os tecidos periapicais são sagrados, portanto, intocáveis, estabeleceu-se que no canal dentinário seriam feitos o preparo e a obturação do canal.

Assim, no canal dentinário a modelagem se impõe.

O canal, originalmente “cônico”, precisa ter a sua conicidade bem estabelecida para em seguida ser feita a obturação, com cones de guta percha, como diz o nome, cônicos.

Canal cementário

Há 33 anos venho fazendo, sugerindo e publicando o que inicialmente chamei de limpeza do forame.

Vou sintetizar para, agora sim, chegar aos comentários sobre “remodelação foraminal”.

Todos cometem erros, muitos dos quais grosseiros, quando falam sobre esse tema.

Nada se faz no forame apical que se deva visar somente ele.

Todos falam, por exemplo, dos microrganismos que precisam ser eliminados das paredes do forame.

Forame não tem parede.

Forame é um orifício.

Quem tem parede é o canal cementário.

Este sim, tem suas paredes infectadas por microrganismos nos casos de necrose pulpar, particularmente aqueles com lesão periapical.

Por isso, o conceito de instrumentação do canal cementário.

Vamos lá.

A primeira pergunta que faço é:

Como alguém pode pensar em modelar ou remodelar o canal cementário com instrumentos cujas conicidades são no sentido oposto ao dele?

Você consegue modelar o canal dentinário porque a indústria fabrica instrumentos com conicidade no mesmo sentido da conicidade do canal dentinário.

Em que direção se dá a conicidade dos instrumentos?

No sentido da convergência das paredes do canal dentinário, de cervical para apical.

Onde o canal é mais amplo?

Em cervical.

Onde ele é mais constrito?

Em apical.

Onde as limas são mais calibrosas?

Obedecendo ao afunilamento do canal, onde a sua conicidade a torna menos calibrosa?

Sendo assim, quando o instrumento endodôntico estiver posicionado no canal dentinário ele estará bem “adaptado” em toda sua extensão.

Projete essas mesmas perguntas para o canal cementário e se quiser para o forame.

Quando esses instrumentos estiverem no forame apical, qual a porção deles que estará ali?

A mais fina.

Completamente solta, perdida, como mostra qualquer imagem ou vídeo que aborde esse tema.

Como esse instrumento conseguirá modelar ou remodelar o canal cementário se não toca nas suas paredes?

Que seja o forame. Como esse instrumento conseguirá modelar ou remodelar o forame se não toca nas suas “paredes”?

Não tenho como saber o que tentou fazer o Dr. Samuel Nogueira quando, como “comentário”, simplesmente escreveu “remodelação foraminal”.

Quis atribuir semelhanças entre o conceito de instrumentação do canal cementário e o de remodelação foraminal?

Quis dizer que o conceito de instrumentação do canal cementário nada tem de novidade porque ele, Dr. Samuel Nogueira, já aborda isso quem sabe lá há quanto tempo?

Não faço a menor ideia.

O que sei é que precisamos entender que um nada tem a ver com o outro.

Absolutamente nada.

Respeito o posicionamento de Dr. Samuel Nogueira (a quem não conheço, como também não conhecia a sua expressão “remodelação foraminal”) e a ideia dele, mas a remodelação foraminal carrega em si um grande equívoco.

Como o faz quem fala de ampliação foraminal.

Há muitos anos proponho o conceito de instrumentação do canal cementário e algumas publicações nesse sentido já foram feitas.

São muitos os equívocos cometidos ao longo dos últimos anos sobre esse tema e, portanto, muita coisa poderia ser dita aqui e agora.

No entanto, como já escrevi muito e postei vídeos sobre isso, para facilitar deixo abaixo os links de alguns desses textos (postados no meu site) e vídeos do meu canal no YouTube.

Neles você verá tudo isso em detalhes, inclusive com imagens, que aqui não foram colocadas.

É só clicar.

Textos

1. Paradigmas da Endodontia
www.endodontiaclinica.odo.br/paradigmas-da-endodontia/

2. Paradigmas da Endodontia. 2ª parte
www.endodontiaclinica.odo.br/paradigmas-da-endodontia-2a-parte/

3. Paradigmas da Endodontia. 3ª parte
http://localhost/wp/endo2/paradigmas-da-endodontia-3a-parte/

4. Paradigmas da Endodontia. Final
http://localhost/wp/endo2/paradigmas-da-endodontia-final/

Vídeos

1. Ampliação foraminal; eles sabem o que estão dizendo?

2. Ampliação foraminal; o que acontece com o coto pulpar?

3. Instrumentação do canal cementário; um novo conceito

4. Instrumentação do canal cementário; resolvendo casos difíceis