Até há pouco tempo acreditava-se que a infiltração dos fluidos teciduais pelo forame apical era o fator responsável pelo insucesso. Ensinava-se então que o travamento do cone de guta percha era fundamental para o sucesso em Endodontia, pois, garantindo o vedamento hermético, evitar-se-ia a infiltração apical e estaria assegurado o sucesso. Foi um grande equívoco que se cometeu. Apesar das dificuldades de compreensão ainda hoje demonstradas por alguns profissionais, sabe-se que essa forma de pensar não encontra respaldo científico.
De onde são os microorganismos que promovem o surgimento das lesões periapicais? Do periápice ou do meio bucal? Em condições normais, existem bactérias nos tecidos periapicais? E na boca, existem? Qual é a origem das alterações pulpares e/ou periapicais?
Nos traumas dentais “abrem-se” portas de acesso à cavidade pulpar (fissuras de esmalte, fraturas de esmalte e/ou dentina) que facilitam o acesso dos microorganismos à polpa. Problemas periodontais também podem permitir essa chegada via túbulos dentinários e canais laterais. É a cárie, porém, a maior causa das alterações pulpares e/ou periapicais. Na grande maioria das vezes a infecção do sistema de canais se dá pela chegada dos microorganismos via cárie dental. Em outras palavras, seja qual for a “porta de entrada” é do meio bucal que chegam os agentes causadores das alterações pulpares e/ou periapicais.
O preparo do canal remove os microorganismos e os seus nutrientes, o conteúdo do canal. O canal vazio é um convite à reinfecção. Isso, por si só, é razão muito forte para justificar a obturação, que, ao “fechar” o canal, protege o sistema de canais e tecidos periapicais. Uma vez feita a obturação, essa proteção é complementada pela restauração coronária.
Sabendo que na região periapical não existem bactérias e no meio bucal existem milhões delas, se eu lhe perguntar quais são as chances maiores de ocorrer reinfecção do sistema de canais, pela infiltração apical ou coronária, qual deve ser a resposta mais sensata?
Como sempre, os trabalhos divergem quanto ao tempo em que ocorre infiltração coronária. Estudos interessantes e esclarecedores já foram realizados, mas não vejo muito como definir essa questão porque são muitas variáveis clínicas que entram em cena. O tempo de exposição da cavidade pulpar ao meio bucal deve representar o aspecto mais importante. Fala-se de três a setenta e um dias de exposição ao meio bucal como o tempo em que se poderia considerar o canal contaminado e indicado para retratamento.
Como se comporta o canal muito bem obturado? Será que nele o tempo que apontasse para a necessidade de retratamento seria igual ao de um canal com obturação tecnicamente incorreta? O que é uma obturação tecnicamente incorreta? É uma com pequenas falhas ou com grandes falhas? Entre essas duas categorias, pequenas e grandes falhas, existiriam outras? Por exemplo, falhas um pouco maiores, falhas nem tão importantes assim, falhas só em dos segmentos do canal, nos dois segmentos, nos três terços do canal? Esse cimento é mais solúvel do que aquele. Esse aqui tem melhor adesão à dentina do que aquele. Esse apresenta escoamento inferior a aquele, portanto se distribuirá menos do que ele. As falhas de obturação no laboratório terão a mesma repercussão que na clínica, onde entram em cena outros aspectos, como o sistema imune? O que é um canal exposto ao meio bucal? Só quando o paciente chega ao consultório sem o selamento coronário provisório/restauração, ou um selamento marginal defeituoso, que muitas vezes o paciente não percebe e assim fica por tempo indeterminado, já configura essa condição?
Estas são algumas das inúmeras perguntas que podem ser feitas e que devem dar uma idéia da dificuldade que deve enfrentar qualquer tentativa de se determinar com a rigidez que se tem pretendido quando o canal deve ser retratado. Perceba que na hora da decisão pelo retratamento ou não, você não tem informações de como foi feito o tratamento endodôntico, você só tem uma imagem radiográfica das condições da obturação e dos tecidos periapicais, uma visão estática do momento. Você não acha muito pouco para estabelecer um diagnóstico? Você pode optar pelo retratamento de um canal que jamais teria problema, ou pelo não retratamento de um canal onde já existe lesão periapical que ainda não se manifestou radiograficamente. Aqueles com pouco conhecimento e pouca experiência irão errar com alguma freqüência. Os que conhecem um pouco mais e têm mais experiência errarão menos, mas errarão. Ninguém tem esse conhecimento.
Mais uma vez, a postura assumida é a de se determinar o que se tem que fazer. Tem que ser 1 mm aquém, tem que ser 2 mm aquém, tem que instrumentar até a lima 25, tem que travar o cone, tem que retratar. Não tem nada. O que temos que fazer é ensinar aos nossos alunos a pensar. Só assim, aliando à experiência que só os anos trarão, eles saberão o que fazer em cada caso. Ainda assim, haverá erros. Faz parte. Bem-vinda humildade.