Roger Machado, um grande técnico de futebol, um grande homem

Roger Machado

Por Ronaldo Souza

Como é que se perde um gol daquele, debaixo da trave?

Como é que um jogador de futebol profissional comete um pênalti infantil daquele?

O time se desencontrou no gol sofrido naquelas condições e fez um primeiro tempo ruim.

Voltou completamente diferente, jogou muito mais do que o Fluminense e o dominou em boa parte do segundo tempo.

Apesar de não dito por alguns, ficou bem claro para todos, inclusive para os comentaristas, que o Bahia merecia ganhar o jogo.

Gerson, o canhotinha de ouro, campeão mundial na Copa de 1970 e hoje comentarista de futebol, disse que o Bahia merecia ganhar de pelo menos 5 a 2.

Fiquei tão chateado com o resultado que não queria mais ver futebol ontem à noite.

Pensei em procurar um filme para assistir.

Resolvi, porém, assistir ao Troca de Passes, do SporTV, que tinha transmitido o jogo.

Liguei a televisão na hora da coletiva pós-jogo de Roger Machado.

Na coletiva ele mostrou com clareza e palavras cuidadosas, como sempre o faz, o que me tinha feito ficar chateado com o resultado; “confiança excessiva gera autossuficiência”.

Veja o que disse Flávio, volante do Bahia; “menosprezamos o Flu; quando acordamos, estava 2 a 0”.

Ainda que se saiba que é simplesmente impossível um time se manter concentrado todo o tempo, a rigor, nenhum jogador ou time poderia ter esse tipo de relaxamento.

Independente disso, há algum tempo desejo falar do Bahia e Roger Machado, mas o pouco tempo de que disponho nesses últimos dias não tem permitido.

Mas hoje, não.

Deixando esse texto sobre o Bahia e Roger para depois, tenho que falar alguma coisa porque seria impossível ficar indiferente à entrevista dele após o jogo contra o Fluminense.

Mais uma entrevista de Roger.

Tom de voz sempre sereno, faz ótima leitura do jogo, com honestidade, simplicidade, sem fazer malabarismos para enganar o torcedor. É uma das melhores coletivas pós-jogo do Brasil.

Mais uma entrevista de Roger.

Não, não foi.

Uma repórter lhe fez duas perguntas, a primeira sobre a campanha publicitária contra o racismo que ele e Marcão, técnico do Fluminense, também negro como Roger, protagonizaram no Maracanã e a segunda sobre sua rejeição ao convite do Internacional para dirigi-lo após a demissão de Odair Helman.

Disse que ia começar pelo fim e com toda elegância falou sobre o convite do Internacional e porque optou por ficar no Bahia.

E aí Roger sai da entrevista e entra Roger.

Sai o técnico de futebol e entra o homem.

Ao palco, quem sobe para falar não é o dentista, o médico, o arquiteto, o advogado…

É o professor.

Muitos não entendem que existem diferenças sutis e numa considerável quantidade de vezes nem tão sutis, entre uma e outra coisa.

Daí esse horror de palestrantes que rodam por aí e pouco ou nada dizem, só vendem.

O verdadeiro professor, não, um auditório inteligente percebe a sua presença e o distingue.

Aos palcos do futebol têm subido pessoas ligadas ao mundo do futebol, um mundo, permito-me toda a franqueza, onde, apesar dos altos salários, há enorme pobreza.

Acostumamo-nos a ver no futebol uma pobreza monumental e não falo dos jogadores, mas também dos dirigentes (com poucas exceções), dos técnicos e de boa parte da própria imprensa.

Ressalve-se que entendemos, acho que todos nós, as dificuldades que existem nesse sentido entre os jogadores, dificuldades que têm origem na condição social e que cada vez mais vão diminuindo, ainda que lentamente.

Observe, por exemplo, como se manifestam os técnicos de futebol, quando o fazem, sobre os diversos problemas da sociedade.

É assustador.

Inclusive técnicos campeões mundiais de futebol.

Nunca, em qualquer momento da minha vida, vi uma pessoa ligada ao futebol se agigantar da forma como Roger Machado fez.

Foi uma verdadeira aula de História, sensibilidade, bom senso, serenidade, coisas poucas vezes vistas no futebol.

Quando a reportagem voltou aos estúdios do SporTv, o comentarista André Lofredo estava perplexo e disse que nos seus 20 anos de futebol nunca tinha visto nada igual, comentando em seguida; “não tenho nada a acrescentar, nada a dizer a não ser bater palmas”.

E o fez, bateu palmas para Roger Machado em pleno estúdio do SporTv.

Coisa que eu tinha feito poucos minutos antes na minha casa.

Em seguida, Ana Thaís Matos disse; “gente, eu nunca vi isso, ele falou de feminicídio, deu uma aula de História…”

Ainda a se considerar, a coragem de Roger de falar sobre um tema tão delicado, particularmente no futebol, onde representa um tabu, ainda mais nesse momento por que passa o país.

Roger Machado vai além, muito além do que “pede” a sua profissão.

São homens assim que fazem a História.

Veja a parte da entrevista à qual me refiro.