Por Ronaldo Souza
Não sei se já havia um roteiro traçado, se foi obra do destino, se foi um presente, se foi o tempo necessário para aprender a ser e a respeitar, não sei.
A verdade é que só fui ser professor quando já tinha 27 anos de formado.
Foram 27 anos de consultório.
Todos os dias, pela manhã e à tarde, no início entrando pela noite.
Depois, mais 10 anos entre consultório e docência, com o primeiro ainda dono da maior fatia das minhas horas.
Trinta e sete anos, no total.
Hoje, docência e pesquisa.
Quando aconteceu de me tornar professor, a sala de aula passou a ser uma espécie de palco, o palco da minha vida.
No melhor dos sentidos, como se fosse um grande auditório ali passou a se dar o espetáculo da minha vida.
E todos os palcos e auditórios pelos quais já passei sempre foram e são uma sala de aula.
Nada mais que isso.
Entenda assim o que representa a sala de aula para mim.
Talvez eu ainda nem saiba direito o que é exatamente ser professor, mas a sala de aula é uma espécie de território sagrado.
Na sala de aula não há negociação.
Na sala de aula não pode haver negociação.
A sala de aula não é lugar de negociação.
É, como disse, território sagrado.
Ali é onde o professor se despe e expõe vasos e vísceras.
Ali é onde o professor se mostra bom e ruim, belo e feio, forte e fraco, virtuoso e vergonhoso.
Como ele é.
Ali não há o “ser ou não ser”, o professor é.
Ainda que cada vez mais pareça ficar mais claro que o aluno sequer percebe, ali, naquele lugar sagrado, o verdadeiro professor é.
Que bom seria que todos percebessem.
Que bom será quando todos perceberem.
Mas entenda que o professor não vive esperando por essa resposta.
Como dizia (Heitor) Villa Lobos; “quando faço uma música, é como se escrevesse uma carta para a posteridade; não espero resposta”.
O professor já tem a resposta.
Já tem a resposta do que ele é, do que ele representa, perceba-se ou não, e essa resposta não depende do juízo de outros.
O professor não bate metas.
Não precisa.
Não deve.
Ele não concorre ao funcionário do mês e a sua foto não precisa de uma parede.
Mas quando o professor esquece o que é ser professor e “abandona” a sala de aula, quando tem outros encontros marcados e desvia o olhar, tudo muda.
É quando tudo fica feio.
“Eu sou um acadêmico, não um gerente”.
Esta frase faz parte de um dos ótimos diálogos entre o Papa Bento XVI e o ainda Cardial Jorge Bergoglio (hoje Papa Francisco), no belo filme “Dois Papas”, do brasileiro Fernando Meirelles.
O professor é um acadêmico, não um gerente ou qualquer outra coisa.
Estamos nos perdendo.
“O erro não se torna verdade por se difundir e multiplicar facilmente. Do mesmo modo a verdade não se torna erro pelo fato de ninguém a ver.”
Gandhi
A verdade não pode surgir pela força da repetição do descompromisso, por mais que isso possa parecer normal.
Tem sido muito triste ver professores esquecerem o compromisso com o ensino, com o aluno.
Ainda que certos valores possam trazer mais conforto e bem-estar à vida pessoal do professor, não deveriam ser esses os que norteiam a sua vida.
Por esses professores, o respeito deixa de existir com relativa facilidade, por mais que não seja demonstrado e consequentemente percebido.
Tem sido muito difícil conviver e lidar com o momento!
O aperto de mão!
O abraço, esse então, é terrível!
Tornou-se mais difícil conservar o sorriso, tão necessário para a foto do álbum.
Como conceber um professor que não fala mais pela Universidade, ou pelo menos somente por ela?
Os seus dois olhos não mais são um.
Agora são dois.
Cada um em uma direção, cada um visando objetivo diferente.
Olho por olho.
Para quem trabalha a Universidade?
Como pode ela ser plena se o professor não é mais.
Como pode ela ser plena se o professor se autoimpôs a perda do maior dos seus bens, a liberdade?
Quando o professor perde a liberdade, decreta-se a sua morte.
Com ele, morre a Universidade.
Procura-se uma parede.
A foto está esperando.