Stuart Angel

Você acha que Jesus Cristo foi um bandido? Como não? Claro que foi. Afinal, rompeu com o sistema da época. Possuidor de grande aceitação popular, subverteu as normas. Você não acha que ele foi um bandido, não é? Está bem, concordo com você, não foi. Mas você concorda comigo se eu disser que foi um subversivo, não concorda? Foi preso e torturado até a morte.

Você já ouviu falar de Antônio Conselheiro? Diante do atraso e descontentamento geral do povo, resolveu formar uma comunidade igualitária (que palavra horrorosa), que rapidamente cresceu e tornou-se uma das maiores cidades do nordeste à época, com 25.000 habitantes. Organizada, religiosa, produtiva e comunitária. A reação das pessoas de posses, dos políticos e de alguns setores da igreja (em outras palavras, a elite), deu início à Guerra de Canudos (1896-1897). Todos os habitantes foram mortos (nem as crianças foram poupadas). Canudos virou cinzas, mas também tornou-se, por seu sonho e resistência, símbolo de luta e esperança de um outro Brasil. A imprensa dos primeiros anos da República e muitos historiadores, para justificar o genocídio, retrataram Antônio Conselheiro como um louco, fanático religioso e contra-revolucionário monarquista perigoso. Morto pelo regime.

Nas suas aulas de história voce deve ter ouvido falar muito de um homem chamado Joaquim José da Silva Xavier. Não? E aquele chamado Tiradentes, da Inconfidência Mineira? Pois é, é ele. Vá ao dicionário e verá uma das definições de Inconfidência – falta de fidelidade para com o Estado (está lembrado que o Estado é a ordem, a lei?). Tiradentes era um inconfidente, um bandido. É lógico que tinha que ser punido. Foi executado e esquartejado, a cabeça erguida em um poste e os demais restos mortais foram distribuídos ao longo dos lugares onde fizera seus discursos revolucionários. Hoje, é um herói, cantado em prosa e verso em todas as escolas do Brasil (está lembrado que há um feriado nacional em sua homenagem?).

Em todos os tempos, qualquer cidadão que se posiciona contra a autoridade é motivo de cuidados especiais. Está contra a ordem ideológica, econômica e política, contra o establishment. Fora da lei, é bandido.

É infindável na história o registro sobre homens e mulheres que se rebelaram contra o sistema e por este foram apontados e mostrados à sociedade como perigosos, subversivos. Por que será que homens assim, banidos da sociedade, muitas vezes eliminados fisicamente, hoje, aos nossos filhos, são mostrados como heróis?

A história sempre reserva a esses homens e mulheres uma página especial. Homens e mulheres que, a despeito de serem mostrados como inimigos que ameaçam a segurança nacional, entregaram-se a causas cujo combustível eram os ideais.

Você já ouviu falar de Zuleika Angel Jones? Era mais conhecida pelo nome de Zuzu Angel. Estilista carioca (apesar de mineira) de grande sucesso (vestiu estrelas do cinema americano como Liza Minelli, Joan Crawford e Kim Novak), casada com o americano Norman Angel Jones. Teve três filhos, Hildegard Angel (jornalista), Ana Cristina Angel e Stuart Angel.

 Stuart Angel, foi militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8). Foi preso pelo regime militar aos 24 anos. Após inúmeras sessões de tortura, já com o corpo totalmente esfolado, foi amarrado à traseira de um jipe da aeronática e arrastado pelo pátio da Base Aérea do Galeão com a boca colada ao cano de escape do veículo, o que ocasionou sua morte por asfixia e intoxicação por monóxido de carbono.

Enfrentando a ditadura militar, Zuzu tentou encontrar o corpo do filho até os últimos dias de sua vida. Por isso, falou-se da sua grande coragem. "Eu não tenho coragem, coragem tinha meu filho. Eu tenho legitimidade", foi como ela respondeu. A sua luta incessante era em vão; depois de preso, torturado e executado, Stuart Angel teve o seu corpo jogado ao mar (descobriu-se depois). Por sua vez, a morte de Zuzu até hoje não foi explicada (Clique aqui para ouvir a música que Chico Buarque e Miltinho fizeram para ela).

Veja a carta que Stuart Angel escreveu para sua mãe.

Mãe,

Você me pergunta se eu acredito em Deus e eu te pergunto, que Deus? Tem sido minha missão te mostrar Deus dentro do homem, pois, somente no homem ele pode existir.

Não há homem pobre ou insignificante que pareça ser, que não tenha uma missão. Todo homem por si só influencia a natureza do futuro. Através de nossas vidas nós criamos ações que resultam na multiplicação de reações.

Esse poder, que todos nós possuímos, esse poder de mudar o curso da história, é o poder de Deus. Confrontado com essa responsabilidade divina eu me curvo diante do Deus dentro de mim.

Stuart Edgar Angel Jones

De fato, uma carta de quem não tem coração, de um homem frio e sanguinário, um terrorista assassino.

O que leva um homem ou uma mulher a abandonar bens materiais, conforto, família, e sair vida afora lutando por uma causa da qual não dependeriam?

Hildegard Angel se emociona ao falar do irmão

Por favor, não os chame de assassinos.

Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão (Paulo Freire).