Por Ronaldo Souza
A busca da serenidade é um exercício diário.
Não é tão simples ser sereno.
Ver e ouvir costumam levar à reflexão e esta à reação.
Ocorre que a reação no “calor” da luta nem sempre, diria que poucas vezes é, representa a postura mais recomendável.
Talvez possamos dizer que na maioria das vezes a serenidade aconselha a não reagir de imediato, exceção feita aos momentos em que ela precisa ocorrer naquela hora.
Por exemplo, em debates e simpósios ações e reações têm que ser imediatas e aí também a serenidade tem um peso enorme. Ela ajuda a se controlar contando até 325 antes de reagir a determinadas colocações.
Ouvi a frase que dá título a este texto há pouco tempo.
Dita fora do contexto daquele momento, a sua irrelevância e superficialidade, aproveito e uso uma palavra poucas vezes utilizada, a sua desimportância a deixou solta e perdida no ar.
Talvez se possa explica-la como um daqueles momentos em que o conferencista deseja trazer a plateia para si.
Inserir-se no contexto que parece dominante é para alguns uma necessidade. O contexto aí, claro, é maioria ou próximo dela.
Nada mais confortável do que estar maioria.
Nada mais atual.
Se havia, entretanto, naquele auditório pessoas com algum discernimento, e tenho certeza de que havia, perceberam a fragilidade da sedução.
E certamente a repudiaram.
O que não se percebe nessas horas?
Numa síntese, a ignorância política que se manifesta junto com as palavras ditas.
Desconhecer o que estava e está acontecendo no país e se esconder atrás de algo como “… parece que botamos um pior” é a maior prova dessa ignorância. É possível que o palestrante não tenha percebido a inconsistência contida na frase e por isso se expôs gratuitamente.
Na verdade, apresentou-se como um digno representante de determinados segmentos da sociedade.
Ignoram tudo.
O real tamanho da crise pela qual passa o país, como ela surgiu, como e porque se deu o seu agravamento…
A inconsequência é absurda, porém imperceptível.
Para eles.
Desinformados, ou, o que é pior, mal informados pela visão única que lhes é imposta sobre a realidade dos fatos, não fazem, claro, a menor ideia da responsabilidade que têm em todo esse processo.
Não percebem o alheamento de que são vítimas.
Ele simplesmente ansiou conquistar a plateia ao se inserir no contexto que lhe pareceu ser o reinante naquele instante.
Viver disso, da inconsistência do instante e não da solidez de ideias e princípios, costuma provocar situações de constrangimento, ainda que não se perceba.
No entanto, pior do que a ignorância política exibida, até porque consequência dele, o preconceito que está por traz da frase.
Ao se verem vivendo em centros urbanos importantes, com determinado padrão de vida, tendo acesso ao que há de melhor e mais confortável, imaginam-se superiores e merecedores dessa superioridade.
Os seus filhos frequentam e frequentarão as melhores escolas, os melhores ambientes e serão no futuro, como eles hoje, seres superiores. Também como eles, os pais, os filhos serão defensores da meritocracia, sem nada entenderem do que isso de fato significa.
A manutenção do status quo é a razão de viver.
Dane-se o resto.
Resto onde sobrevivem os inferiores.
Não é fácil conviver com tamanha pobreza de espírito.
Recorro a Álvaro de Campos (um dos pseudônimos de Fernando Pessoa):
“Sufoco de ter somente isso à minha volta”.
O que sabem da vida os doutores?
Às vezes deixam a nítida impressão de que muito pouco.
Ao ouvir aquela frase “tiramos um governo ruim e ‘parece’ que botamos um pior”, acionei o dispositivo que libera a minha dose diária de esforço que me permite ver e ouvir coisas e pessoas desimportantes com o mínimo possível de sensação de tortura.
Tudo em nome da busca da serenidade que me fará, espero, viver melhor os anos que me restam.