Por Ronaldo Souza
Há cerca de 13 anos um grande amigo me telefonou.
Era o professor de Cirurgia da UFMG, Henio Geraldo Parreira Horta, Hênio Horta, um dos melhores que vi em cirurgia parendodôntica. Não sei se vi igual.
– Ronaldo, vem um professor da Alemanha dar um curso de Cirurgia no Congresso de Odontologia aqui de Minas Gerais. Ocorre que uma das “exigências” dele foi conhecer Salvador. Ele vai passar primeiro em Salvador e chega aí tal dia. Não se preocupe, não precisa sair para os lugares com ele, nada disso. Só peço a você que converse com ele para orientar sobre lugares que ele pode e deve ir, a que horas, cuidados que deve ter, essas coisas.
Fui recebe-lo no aeroporto.
Passei 3 dias com o professor, mulher e filha e Evandro (hoje professor de Cirurgia), que fazia mestrado à época com o professor na Alemanha.
Introduzi nesse circuito um colega que era próximo a mim e gostava de cirurgia. Achei que seria um bom contato para ele.
Como não cabíamos todos no mesmo carro, eu saia no meu com o professor e o colega com Evandro, a mulher e a filha do professor.
Mostramos Salvador e um pouco mais a eles. Até à praia, em um belo dia de sol, fomos.
Aquela figura branca, cerca de 2 metros de altura, de boné, cachecol em volta do pescoço, um pullover, manga comprida, na praia lotada de gente.
Ele já ouvira falar do nosso sol. Mas que foi muito estranho, foi. Todos olhavam para nós.
Em 3 dias nunca vi um único sorriso do alemão.
O que eu podia pensar? Ele não está gostando.
Até que em um desses dias, vínhamos conversando distraídos quando, saindo de uma pequena rua no Farol da Barra, “bati” de frente, literalmente de frente, com o mar e com o sol da Bahia.
– Se eu morasse numa cidade como essa teria dificuldade em voltar para o consultório à tarde.
Nunca esqueci isso.
Foi o seu jeito de dizer que estava gostando.
Sem conhecer o seu sorriso, ele foi para o congresso em Minas.
Tempos depois, Evandro escreveu dizendo que o professor tinha adorado os 3 dias aqui em Salvador.
Por que escrevo isso?
Não sei. Só sei que me lembrei desse episódio.
Talvez tenha contribuído o fato de que hoje estou diante de outro belo dia de sol.
Hoje me ocorreu que aquele professor alemão sentiu o pulsar da vida.
Hoje tenho a certeza de que, mesmo aquela frieza, aquela ausência de sorriso, sentiu o coração bater mais forte.
Há estudos que mostram que as pessoas que vivem em lugares mais frios, cinzentos, sem ver o sol por períodos mais prolongados, apresentam maior tendência à depressão, algumas chegando ao suicídio.
Triste.
Hoje é sexta-feira e não há nenhum dia melhor do que sexta-feira.
Quero sair, quero andar pelas ruas de Salvador, quero ver as pessoas, quero falar, quero principalmente sorrir.
Sorrir, sorrir muito.
Sou um privilegiado.
Moro em uma “cidade”, a Bahia, que é plena em luz, em brilho, festa, onde as pessoas se cumprimentam, dão bom dia e sorrisos, muitos sorrisos, são vistos e curtidos a toda hora, a todo instante.
Somos, os brasileiros, privilegiados.
O Sol é nosso, faz parte das nossas vidas. Os nossos sorrisos estão aí, soltos, distribuídos, compartilhados.
Em todas as cidades brasileiras; Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe e Tocantins.
Cidades também sorridentes, alegres, com suas roupas coloridas com o azul do Céu, o amarelo do Sol, o verde das árvores, a beleza dos rios, o verde-azul do mar de quem o tem.
E as nossas aves e pássaros!
Onde os há diversos, coloridos, vivos, como aqui?
E lá estão as nossas nuvens, brancas, mas também às vezes cinzentas ou mesmo escuras.
Sinais de mau tempo?
Não, de mudança de tempo.
Trazem a chuva para adubar o nosso solo para preservar as nossas matas e trazer os frutos coloridos, saborosos e únicos.
Cores vivas, típicas desse país encantado.
Com a alegria desse povo bonito na sua miscigenação.
Um povo único.
Já houve quem dissesse que o nosso é o último povo feliz na face da Terra.
Já perceberam uma mudança de hábito?
Diante da dor da morte, vestíamos luto.
A dor da morte da mãe, do pai.
Roupas escuras, roupas pretas.
Uma tradição.
E ao olhar para os filhos, a pergunta:
Por que “eles” têm que sentir essa dor?
E os pais, morrendo um pouco na morte dos pais, viam nos filhos a vida chamando de volta.
Não, não tragam a tristeza para as nossas crianças.
Não digam a elas, vistam essa roupa escura, chore, fique triste, com raiva.
Não façam mais mal ainda a elas além daquele que naturalmente já faz parte da vida, porque é o tempero dela.
São as dores que nos fazem pensar mais profundamente e entender a beleza da vida.
Porque a vida sempre nos chama para a vida.
Acho que foi isso que senti ao acordar hoje.
Hoje, bem cedo, o céu já estava azul, o sol amarelo, as nuvens brancas, as árvores cheias de verde.
Não resisti.
Desci e tirei essas fotos.
Sou péssimo fotógrafo, por isso nem máquina tenho. Foi com o celular.
Pensei em editar as fotos, corta aqui, corta ali, tira esses cabos da rede elétrica, tira essa ponta desse edifício, enfim, torna-las mais bonitas.
Desisti.
Não quero editar a vida, quero senti-la.
Sentir o seu sabor.
Não permita que editem a sua.
Não deixe que digam que cor terá o seu dia.
O seu dia tem que ter a sua cor, não a de outro.
Então vamos a ela.
Claro, à vida.
Vamos hoje sair e andar pelas ruas, cumprimentar as pessoas, apertar as mãos, abraçar, sorrir (que maravilha), viver as nossas cores, as nossas alegrias.
Vamos depositar a vida no colo da cidade-Mãe:
O Brasil.
Toda mãe quer ver seus filhos alegres.
Toda mãe quer ver seus filhos vestindo as cores e a alegria da vida.