Um mensageiro de luxo

 

Por Ronaldo Souza

Confesso que não tenho andado com vontade de escrever sobre gente e coisas como Bolsonaro, Moro, Lava Jato, judiciário brasileiro, mídia brasileira…

Vê-los, ouvi-los e falar deles representam momentos de asco e muito desconforto.

Da mesma forma, não encontro motivação para escrever sobre o Exécito Brasileiro, particularmente num momento em que, ocupando grande espaço como jamais o fez em nenhum outro governo, tem mostrado um comportamento equivocado e distante daquele que lhe cabe constitucionalmente.

No entanto, ao ler a fala do ministro da Defesa na posse do novo comandante do Exército, foi tamanha a minha decepção que cheguei a pensar em dizer alguma coisa.

Desconsiderando-se as reiteradas ameaças veladas do governo, o general Braga Netto usou argumentos dignos de um jovem oficial querendo mostrar serviço aos superiores dizendo coisas sobre as quais pouco sabe.

Mesmo reconhecendo os seus limites no terreno da inteligência e sensibilidade, o vazio e a inconsistência foram a tônica do discurso.

Ainda que tenha cumprido a missão que lhe foi dada pelo presidente da república de dar um recado à nação, o general nada acrescenta e mostrou o seu despreparo para assumir o cargo de ministro da Defesa do país.

Chega a ser inquietante e preocupante a postura passiva do Exército diante do rebaixamento de mais um dos seus generais. Foi tão flagrante que me levou a querer escrever sobre o episódio.

Fui salvo pela jornalista Denise Assis.

Leia o texto dela que você vai entender porque digo isso.

General Braga Netto transmite recado de Bolsonaro

Por Denise Assis

O deslocamento do general Braga Netto para o cargo de ministro da Defesa, agora se sabe, teve para o governo Bolsonaro mais simbolismo do que imaginávamos. Ao fazer o seu “debut”, empossando o novo comandante do Exército, o general Paulo Sérgio Nogueira, o ministro Braga Netto, enfim, disse a que veio. Sua fala, tão ameaçadora quanto o seu desconforto dentro do terno que vestia, nos chega eivada de lugares comuns e recados vazios, que já não nos causam espanto ou medo. Apenas enfado, pois a indignação preferimos gastá-la com o número de mortos crescentes no gráfico que vem sendo desenhado pelo governo a que ele aceitou servir.

É preciso, inclusive, na sua largada no cargo, apontar os “equívocos” contidos no seu discurso. De cara, disse que é preciso “respeitar o rito democrático e o projeto escolhido pela maioria dos brasileiros. Aí a notícia carece de exatidão. O primeiro ponto, é preciso lembrar, não tivemos respeitado o rito democrático em 2018, quando o comandante das fileiras a que Braga pertence melou o jogo, via Twitter, mandando tirar das urnas o nome do candidato líder nas pesquisas de opinião. Sem contar a avalanche de fake news que contaminou o pleito. Portanto, nem o jogo foi democrático, tampouco o que ocupa a presidência foi escolhido pela maioria.

Em seguida, ele fala que é “necessário se unir contra qualquer tipo de iniciativa de desestabilização institucional”. A esta altura, o general que acaba de chegar ao cargo, terá de decidir se pretende sair, pois partiram até aqui, do seu chefe, as principais ameaças aos demais poderes. Quanto à prosperidade do Brasil, também foi entregue nas mãos inaptas de Paulo Guedes, por Jair Bolsonaro. Desde então, o país rola ladeira abaixo.

Sim, neste ponto concordamos, enganam-se aqueles que acreditam estarmos sobre o terreno fértil para iniciativas que possam colocar em risco a liberdade conquistada em nossa nação. Tais iniciativas, tantas vezes propaladas sob a forma de chantagem no “curralzinho” do Alvorada, não serão aceitas pela sociedade escalavrada pela dor de ontem e de hoje, quando a vida dos cidadãos passou a valer pouco, na mesma proporção em que o sentimento de liberdade e justiça cresce, pedindo urgência na substituição daquele que não nos deixa respirar.

Discordo quando o senhor fala no uso das Forças Armadas para conter o desmatamento da Amazônia, onde o mundo tem os olhos postos. O que se viu até agora na atuação do vice-presidente, o general Mourão, seu colega de farda, foi uma atitude leniente, permitindo que o ainda ministro Ricardo Salles passe com a sua boiada, e os “claros” apontados pelos radares de monitoramento só se alargam, enquanto a fiscalização aos que a exploram só encolhem.

Sim, a mata, como o senhor apontou, continua de pé. Graças à sua exuberância, à luta dos povos da floresta e à sua extensão, que a permite resistir – mas até quando? Ninguém melhor que as Forças Armadas para conservá-las? Não é o que se ouve, (ou o que se lê) quando um dos seus, das suas fileiras, falam publicamente, como registrou em seu livro “Conversa com o Comandante”, o general Villas Boas. Na opinião dele não deve haver mais demarcação das terras indígenas, pois isto impede o progresso e a mineração de suas riquezas. São eles, os povos originários, um “estorvo” na visão dos militares que costumam se pronunciar a respeito.

Por fim, não custa lembrar, que o seu discurso, se emparelha com o pensamento do general “linha dura” Sylvio Frota, que via na sombra refletida na parede, um comunista disposto a devorá-lo. Aqui, lanço mão do que nos legou a historiadora francesa, Maud Chirio, em seu livro: “A Política nos Quartéis” (2012): “De forma paradoxal a ditadura desmobilizou amplamente as Forças Armadas brasileiras. Essa desmobilização não significa, em absoluto, uma redução do risco político em seu seio, nem sequer a persistência de um baixo nível de ativismo após a volta dos militares aos quartéis. Antes corresponde a um certo modelo de regime, que não se apoia numa base militar mobilizada, mas no assentimento mudo da maioria e num aparelho policial fanatizado e conservador, travando uma guerra privada contra a “subversão”. O que quer que eles enxergam como subversão. Ao seu discurso obscurantista, general, devolvo com o lema da Inconfidência mineira, numa alusão à data de hoje: “libertas quae sera”.

Obs. do Falando da Vida“Libertas Quae Sera Tamen” – expressão em latim que consta na Bandeira de Minas Gerais e representa lema da Inconfidência Mineira. Significa “Liberdade ainda que tardia”.